Um
olhar brasileiro em Astrologia
Edição 137 :: Novembro/2009 :: - |
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MERCÚRIO, A PALAVRA E A COMUNICAÇÃOO mito de Hermes
Uma viagem histórica pelo mito de Hermes, um dos deuses mais conhecidos e menos compreendidos do mundo antigo. Dele vieram os significados de Mercúrio, planeta da comunicação, e também os princípios do hermetismo. O texto é da última palestra de Jayme Carvalho, astrólogo carioca falecido em 12 de outubro. Quando Martha Pires me convidou para falar sobre o mito de Hermes, pensei em começar pela incorreta polarização mito versus verdade, ou seja, mito visto como uma falsidade, uma superstição ou uma falácia. Esse assunto tem-me mobilizado nos últimos tempos: a idéia da verdade como somente algo que possa ser cientificamente provado, o que corresponde à visão de mundo na qual estamos mergulhados, a maior parte do tempo de forma inconsciente. A forma atualmente prevalecente de ver o mundo confere o poder de decisão sobre a verdade a um só árbitro: hoje, o discurso científico. E, no entanto, essa forma de ver o mundo é historicamente determinada, ou seja, efêmera, como tudo na vida. Porém antes de adentrarmos pela poesia mítica, vou contar um mito bem conhecido. Um mito da atual visão científica – a mesma que diz que mito se opõe à verdade – o mito da criação do universo: o Big Bang. E podemos chamá-la de mito, segundo as regras do jogo do conhecimento científico, porque a criação do universo não pode ser repetida em laboratório para ter sua “verdade” certificada e, portanto, trata-se de uma suposição ou, um pouco mais que isso, de uma teoria. Reza a lenda científica que o mundo – o universo – começou há cerca de 15 bilhões de anos. Já foi menos e esse valor pode ser de novo alterado no futuro, pouco importa. Mas a partir da explosão inicial, o Big Bang, o planeta Terra levou alguns bilhões de anos para se formar. Segundo as teorias vigentes, só o fez há uns 6 bilhões de anos. E a vida, a matéria orgânica, levou cerca de 4 bilhões de anos para aparecer na superfície inóspita do planeta Terra de então. O fenômeno homem, o homo sapiens sapiens, surgiu há mais ou menos 200 mil anos, ainda que os hominídeos do qual descendemos já andassem por aqui há pelo menos 2 milhões de anos. Os vestígios de civilização mais antigos até agora encontrados remontam a cerca de 50 mil anos atrás. Uma flauta feita de osso de 35 mil anos foi recentemente desenterrada na Alemanha. As pinturas rupestres de Lascaux [abaixo] tem entre 17 e 19 mil anos e Stonehenge, apenas 5 mil anos, ou seja, o surgimento do fenômeno humano é muito, muito recente. A revolução neolítica, também conhecida como Idade da Pedra lascada, tem cerca de 10 mil anos. Com ela, o homem passou a praticar a agricultura e com isso deixou de ser nômade, fixando-se em regiões próximas a rios, o que propiciou o aparecimento das primeiras aldeias, A linguagem surgiu provavelmente antes dos primeiros vestígios, ainda no paleolítico, mas a escrita, da forma como a conhecemos (com letras representando fonemas), é muito mais recente. Surgiu na região do Oriente Médio e, através dos fenícios, chegou à Grécia, onde deixou de ser usada apenas para controles dos rebanhos e mercadorias do rei e passou a ser utilizada também na poesia e, posteriormente, na filosofia. Isto em torno dos séculos 8 e 7 a.C. Então se levarmos em conta que a Modernidade, a visão de mundo dominante nos dias de hoje, de caráter tecnocientífico, não tem mais do que 400 e poucos anos (e que a hegemonia efetiva da ciência tem cerca de 300 anos), veremos que essa visão de mundo chegou ontem e já planteia ter a palavra final no quesito verdade. Esse é o primeiro ponto. Quero deixar claro que o problema não é a ciência ou não está na ciência. O problema é a ciência virar paradigma da relação do homem com o real. Uma relação paradigmática que se dá através da mediação da técnica. O que significa isso? Quando pensamos o real, imediatamente pensamos a relação com a ciência. Por exemplo, a verdade é somente aquilo que pode ser cientificamente provado. Essa visão de mundo, que é nossa, hoje nos parece que é a única, senão aquela que é verdadeira ou então aquela em que o progresso histórico teria destinado ao homem, ou seja, o lugar de chegada, aonde a verdadeira humanidade iria se manifestar. E, no entanto, sabemos que a experiência do homem se deu largamente fora desse paradigma. Mas quem traz a palavra verdadeira? Ou seja, aquela palavra que reconhece o compromisso de dizer o real, de vez que o real é mudo. Nós somos o lugar onde o real se diz. O real não se diz fora do homem, fora da linguagem. Então essa palavra, quanto mais plena, quanto menos muda, quanto mais consagradora da realidade do real, mais seria verdadeira. E hoje quem seria o portador dessa palavra? O cientista? Mas o que o cientista vê do real? Ele vê as regularidades, vê a lei, vê aquilo que permanece. Vê o idêntico. Vê o que é comum em cada uma das pessoas. O discurso é da igualdade, mas ignora o que pulsa em cada um dos nossos corações. A ciência opera assim. Aristóteles dizia: do particular não se faz ciência. Mas se somos particulares em um mundo cercado de particulares! Nesse sentido, a ciência falsifica o mundo. Que mundo então é esse da ciência que só opera pelo idêntico?! A ciência e o conhecimento têm a intenção de dominar e pressupõem como resultado a apropriação do objeto, tendo em vista um fim por meio da técnica. Para isso ela serve. O problema é que, sub-repticiamente, a ciência diz que a relação com o real é apenas uma – a dela – e nega a singularidade do real, porque só opera mediante o que é comum, o que não é particular. O objetivo da ciência é sempre a generalização e a descoberta E como sair dessa armadilha na qual estamos enredados? É complicado. Há um monopólio da palavra verdadeira pela ciência. Mas a palavra da ciência fala a verdade da ciência somente. O problema é que compreendemos hoje que a única forma de ser verdadeiro é dizendo cientificamente. Mas se ciência existe na sua perspectiva que é das regularidades, quem dirá a perspectiva da singularidade? Deveria ser o filósofo, o artista, o religioso e – eu acrescentaria – o astrólogo, aqueles que falam das experiências mais fundamentais, isto é, dizem o real, não na sua regularidade, mas na sua singularidade. Nós não estamos mais habituados a isso. Não temos audiência para esse tipo de experiência. Por quê? Porque estamos, hoje, como diria Heidegger, sob o império da técnica. Então ficou claro que a questão não é a ciência. A ciência nos trouxe ganhos (progressos) inestimáveis. O problema é a visão científica ser paradigmática na nossa relação com o real. Por exemplo, a ciência pode nos contar dos processos físicos e químicos de uma possível evolução das espécies. Mas só o mito pode falar, com poesia, do significado simbólico da criação. É claro que podemos fazer uma descrição cronológica da nossa origem e evolução, como fiz acima. Mas se quisermos pensar em termos ontológicos, o mito tem muito mais densidade para falar da origem das coisas. E, no entanto, nem sempre foi assim, isto é, nem sempre a ciência deu as ordens e decidiu o que é verdadeiro e o que é falso. Houve um tempo em que os mitos orientavam as ações do homem. É sobre mitos que vou falar hoje e, para que não nos percamos nos meandros desse labirinto, escolhi um fio condutor, a exemplo de Teseu que tomou o fio de Ariadne, para assegurar que encontraremos o caminho de volta quando necessário. E o fio da nossa conversa desta tarde será o mito de Hermes. Mas o que é o mito? Mito é um discurso, uma narrativa. A mitologia nos conta a insurgência dos atributos humanos e do próprio homem, a origem da vida e a origem de tudo no mundo. E qual a função do mito? A função do mito é nos situar, isto é, dar sentido à existência humana. Portanto, o mito é uma forma de consciência, uma forma de apreensão da realidade. E por que precisamos dar sentido à existência? Porque somos entes lançados no vazio, caminhamos todos à beira de um abismo, e o sentido nos afasta da angústia de existir. Na Grécia por volta do século 5 a.C. surgiu uma outra forma de dar sentido à vida que não o mito. A filosofia surgiu quando Tales percebeu que para entender o todo era preciso entender o fundamento; o arché. O mundo conheceu posteriormente a visão religiosa e, hoje, estamos imersos em uma visão de mundo técnico-científica. Portanto as quatro formas de consciência são modos típicos com os quais construímos nosso mundo próprio. E, antes da filosofia, na Grécia, era o mito que organizava a experiência humana e possibilitava aos homens darem sentido à própria vida. Não vamos poder levar muito adiante hoje essa discussão, mas vale dizer que essa forma que hoje nos parece como única e certa, como a melhor ou correta, volto a dizer, é apenas uma das possibilidades e, como as demais, historicamente determinada. A duas maiores fontes de mitologia grega são a Teogonia de Hesíodo [figura acima] e a poesia de Homero. Então hoje vamos passar os olhos em um exemplo de mito que sobreviveu. Vou usar o fio condutor da astrologia só por força do vício e da prática. Uma das coisas mais marcantes (e para se ter em mente) na visão do homem arcaico era a visão de que tudo o que transcendia o humano era divino. Neste sentido, o amor era divino porque atravessava as gerações. O tempo era divino. Aliás, a visão moderna de tempo como unidade de conta, onde medimos nossa produtividade, é imensamente empobrecedora, em contraste com a visão dos gregos. Nós somos postos pelo tempo, mas a onipotência do homem moderno não reconhece essa potência que nos pôs e que vai nos tirar. Porém, podemos ainda hoje ouvir ecos dessa visão mítica do mundo nos orixás ou nos santos católicos. Perguntei a minha mãe, que me deu uma lista:
O mito de HermesHermes não possui etimologia confiável, apesar de que alguns autores pleiteiem que venha de herma, monte de pedras. Hermes, na mitologia, rege o pensamento, a palavra, a comunicação, e talvez por isso mesmo seja, no mito, irmão de Apolo – que representa a consciência e a razão. Em uma versão resumida do mito, Hermes (Mercúrio para os romanos) era filho de Zeus com a ninfa Maia, uma jovem das Plêiades, nasceu num dia 4 (número que lhe é consagrado), em uma caverna do Monte Cilene, ao sul da Arcádia. Ao nascer, é enrolado em faixas e colocado no vão de um salgueiro [árvore sagrada, símbolo da fecundidade e da imortalidade, portanto traduzindo de saída um rito iniciático], mas ele logo se desvencilha daqueles panos e sai andando [o que já indicaria a capacidade do pensamento de desatar nós, se desenrolar das complicações e aprisionamento, ou seja, nasce safo]. Logo depois vê o rebanho de Admeto, guardado por Apolo – seu irmão – e o rouba, percorrendo com os animais toda Hélade. Para não deixar pistas sobre quem levou o rebanho, ele usa um artifício para apagar as pegadas, amarrando folhudos ramos na cauda dos animais [o que caracteriza a natureza ardilosa e salteadora do Hemes/Mercúrio]. No meio do caminho, numa gruta, ele sacrifica duas novilhas aos deuses, dividindo-as em doze porções, embora os imortais fossem apenas onze, ou seja, Hermes acabava de se autopromover a décimo-segundo imortal. Após esconder o resto do rebanho, retorna a Cilene, mas, ao encontrar uma tartaruga na entrada da caverna, mata-a. Com as tripas das novilhas faz cordas e com o casco da tartaruga constrói uma lira. Volta para a árvore, enfaixa-se de novo e finge que não fez nada. Como Apolo, deus mântico por excelência, tem o dom de ver com clareza [o Sol], rapidamente se dá conta de que foi Hermes quem lhe roubou o rebanho, mas sua mãe Maia pôs em dúvida que fosse possível àquele bebê todo enfaixado roubar o gado de Apolo [podemos dizer que o pensamento incute a dúvida onde estiver]. Apolo apela a seu pai, Zeus, para que interfira na situação. Zeus chama Hermes e pede que confesse seu ato. Hermes tentar convencer Zeus de que não fora ele [representando a lábia e a capacidade que temos de dissimular]. Zeus não se convence e força Hermes a contar o que fez. Hermes se retrata e é forçado a prometer que jamais mentirá de novo. Ele concorda acrescentando, porém, que não estaria obrigado a dizer a verdade por inteiro [daí ser patrono dos advogados]. Também é o deus da eloqüência [foi ele quem deu a Pandora “as mentiras, palavras sedutoras e gênio astuto”]. Ao longo do tempo, Hermes se transformou no deus protetor dos oradores, bem como de todas as profissões que dependam da palavra e do convencimento. Daí ser o tradutor da vontade dos deuses. Se pensarmos na máxima italiana: traduttori tradittori, isto é, traduzir é trair, vemos a afinidade que este pensamento também tem com o mito de Hermes. As estradas na Grécia Antiga levavam a outros reinos, onde se falavam outras línguas, e onde eram necessários intérpretes para trocar mercadorias. Tudo sob o domínio de Hermes. Por isso vemos no mito Hermes propondo a Apolo a troca da lira pelas reses que ele havia sacrificado [indicando aqui capacidade de negociação]. Apolo, como o deus da música, se sente ressarcido. Então o acordo revelou ser um jogo de ganha-ganha. Ou seja, o que começou como um roubo transformou-se em uma troca justa. Mais tarde, ao criar uma flauta de Pã, ele a negocia mais uma vez com Apolo em troca do caduceu – seu cajado de ouro – e algumas lições de adivinhação. Desde então o caduceu passou a figurar entre os atributos de Hermes e as lições serviram para aperfeiçoar a arte divinatória. No lado luminoso, Hermes pode se transformar em mensageiro dos deuses. Como vimos, Hermes regia as estradas e andava com incrível velocidade porque usava nos pés sandálias de ouro com asas, o que indica a capacidade de voar [assim como o pensamento voa]. Não se perdia na noite porque conhecia o roteiro e tinha permissão para entrar em todos os mundos, inclusive no mundo de Hades. O único reino onde Hermes não tem acesso é o reino de Poseidon, [significa que o pensamento costuma se afogar nas águas da emoção ou do inconsciente]. Isso porque ele roubou o tridente de Poseidon [Hermes era um ladrão, no mito, indicando que nossa mente plagia outros pensamentos todo o tempo]. No fundo do mar, o homem pode sofrer de narcose, o que acontece quando o sujeito pára de raciocinar. |
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