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Um olhar brasileiro em Astrologia
 Edição 137 :: Novembro/2009 :: -

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O labirinto do fauno

Vanessa Tuleski

Carmen e Mercedes: faces diferentes de uma mesma moeda

O monstro sem olhosAlém dos pares Ofelia-Carmen e Ofelia-Capitão, um outro par marcante em O LABIRINTO DO FAUNO é Carmen-Mercedes, ambas representando o arquétipo de Virgem, mas de formas diferentes. As duas são realistas, mas Carmen está seca, enquanto que Mercedes pode não acreditar nos delírios da menina Ofelia, mas de alguma forma não critica seu mundo infantil. Carmen, também, vai ficando cada vez mais doente e incapacitada (Virgem pode ser a doença), enquanto Mercedes é ativa e dotada para o trabalho (um uso produtivo de Virgem, portanto). É tão saudável que pode trabalhar duro e ainda lhe sobrar energia para desenvolver uma atividade clandestina, logo percebida por Ofelia. A atividade secreta é o lado idealista, e, portanto, pisciano de Mercedes. Mercedes é a única personagem a não representar somente uma polaridade em O LABIRINTO DO FAUNO. A única, portanto, integrada, e, talvez, não por acaso, aquela que conseguirá sobreviver aos desmandos da guerra civil.

Retornando ao par Carmen e Mercedes, a primeira vive o pólo da crítica e da doença de Virgem, enquanto a empregada de confiança (não por acaso, Virgem rege os empregados) representa este signo sendo realista, prudente e eficiente. Diferente de Carmen, que de alguma forma se sente derrotada pelas circunstâncias, tanto que vê no casamento com o capitão sua única saída, Mercedes ainda luta pelo que acha que é certo: a proteção do seu irmão e a ajuda ao seu clã e amigos.

No momento em que escrevo este artigo, Saturno em Virgem se opõe a Urano em Peixes, simbolizando uma intensa disputa entre os limites e a libertação, entre o velho e o novo, o sensato e os apelos dos sentimentos, temáticas presentes em O LABIRINTO DO FAUNO. Estes dois signos também estão ligados ao que conseguimos transpor para a realidade. Conseguiremos fazer com que nossos ideais um dia existam? Derrubaremos o velho (no caso, o capitão) para instaurarmos uma nova ordem? Acaso não foi o que Ofelia e Mercedes tentaram fazer durante o filme inteiro?

Pano-de-fundo lúgrube

Embora “O Labirinto do Fauno” tenha uma forte temática Virgem-Peixes, é impossível ignorar a presença de Escorpião no filme. Faunos, reinos subterrâneos, tiranos, sapos que vampirizam árvores, monstros insaciáveis e até transformações pessoais são todas representações deste signo. As coisas terríveis que acontecem no filme – guerras, decepações – também. Ofelia tem de se adaptar a este cenário. A protagonista existe em um dos anos mais difíceis da história da humanidade, 1944, época em que o planeta da morte, Plutão, que rege o signo Escorpião, transitava sobre o signo da alegria – Leão – e também da infância. Nos anos em que Plutão transitou por Leão a exuberância natural deste signo foi substituída por escassez, medo, incerteza e arbitrariedades. Os tiranos – expressão deformada da forte personalidade leonina – existiam em profusão, por isto não é surpresa que Ofelia tenha de se haver com um.

Capitão com remédios

A certa altura do filme, o grupo de Mercedes consegue render e matar o capitão. Entretanto, quem realmente o minou foi Ofelia, com suas atitudes que ele não podia compreender. Ele podia ordenar e coordenar tudo, menos os estranhos impulsos de uma criança morando em sua própria casa. Por mais que tentasse colocar regras na menina, de alguma forma esta sempre escapulia e não seguia a sua lógica estrita. Podemos resumir isto como um embate entre Saturno em Virgem – as regras, as ordens, a subordinação – e Urano em Peixes – a vítima que se rebela e surpreende. Nas nossas vidas, estes dois planetas podem nos perguntar o quanto estamos vivendo por força do hábito (Saturno em Virgem), por regras que talvez nem saibamos se ainda valem, e o que a nossa alma realmente quer (Urano em Peixes). Mas também como separar o joio do trigo, o possível do impossível, o real dos delírios.

Mas, voltando a 1944, Saturno estava em Câncer. Saturno é o princípio da realidade, colocado no signo do afeto e da família. Naquele cenário e naquele momento, Saturno em Câncer tinha conexão com as muitas crianças órfãs e os desmembramentos das famílias. Se a menina tem 10 anos, porém, podemos inferir que tenha nascido em 1934, e neste ano Plutão ainda estava em Câncer. De alguma forma ela tinha em seu destino (Plutão tem um componente de destino) passar por dramáticos acontecimentos em seu núcleo familiar (Câncer). No filme, ela sofre a perda do pai. Mas também lhe é revelado que ela tinha outro pai, uma outra família (Câncer) oculta, desconhecida (Plutão rege o que não sabemos) vivendo abaixo da superfície (Plutão, na mitologia, é o senhor dos reinos subterrâneos), aguardando o seu retorno, não importa com que forma ela viesse. É Plutão quem não liga para a forma, pois sabe que a essência sempre permanece intacta, não interessando qual corpo habite. Ocorre, porém, que ao ter um pai oculto poderoso, Ofelia tem de enfrentar o homem mais poderoso que conhece – o capitão.

Imaginação e fé: características de Peixes

O pai oculto pode ser um dos mecanismos compensatórios típico de Peixes. Da mesma forma que o capitão pode representar algum grande desafio para a alma, que está sendo enfrentado com os atributos de Peixes, imaginação e fé. Nos anos em que descem sobre os destinos coletivos poderosas forças destrutivas, o que fará com quem sejam enfraquecidas, quando então parecerem intransponíveis? O que irá corroer o poder que esteja sendo destruidor até que um dia se enfraqueça e se torne caricato?

Peixes é também o signo relacionado aos substitutivos ao que temos. Assim, se perdemos o pai de carne e osso, teremos um pai indestrutível, se perdemos o corpo, nos sobrará o espírito. Se não podemos ser pais ou mães biologicamente, que sejamos de coração. Peixes parece ser a capacidade infinita de compensar e substituir, usada para sobreviver, e, quem sabe, após isto, viver. Esta é a grande temática da vida de Ofelia. Nos tensos anos de guerra, em que desvario e destruição se espalhavam e era muito difícil divisar quando o mundo voltaria ao normal, para prosseguir era preciso acreditar que um dia seria melhor. Melhor como? Ninguém sabia. Eis a fé mais difícil de todas, pois está baseada em algo que sequer apontou ainda no horizonte.

Ofelia tem fé sem precisar realizar nenhum esforço. A ausência de esforço também é algo relacionado a Peixes, que rege as águas que brotam do chão ou as coisas que vêm sem que as tenhamos conscientemente buscado. Enquanto o mundo se divide em inimigos que se destroem e se perseguem, a menina conversa com um fauno, corre atrás de borboletas, passa as mãos por livros em branco e vê letras e símbolos se desenharem imediatamente. Para a sua mãe, cansada e derrotada, a filha soa extravagante e perigosamente alienada.

Ofélia e mãeOcorre que Ofelia está sintonizada com seu coração, enquanto sua pobre mãe renunciou a ele. Por vezes, renunciar ao coração é uma forma de o corpo sobreviver, mas com um alto custo para a alma. Ofelia quer sua alma. No final, mãe e filha, que fizeram escolhas opostas, acabam, ambas, sacrificadas (Peixes), mas a segunda leva junto o capitão. Mercedes o matou, mas foi Ofelia quem o levou para o labirinto, onde ele ficou algum tempo preso, permitindo ao grupo contrário a ele emboscá-lo. Cada um dos personagens tem o final perfeitamente coerente com tudo o que plantou, e conquanto mãe e filha morram, a primeira pereceu de seu próprio cansaço e desesperança, enquanto a segunda, que era criança, precisou ter o seu corpo perfurado por uma bala. É de se perguntar, com base nisso, se Ofelia era realmente tão frágil quanto parecia e, se não, que tipo de força a inspirava.

O teste iniciático

No início do filme, é proposta a Ofélia uma prova, depois que ela ouve que seria a filha amada fugida de um rei. Trata-se de um teste iniciático, o que pode ser resumido como as dificuldades que a alma tem de ultrapassar com o fito de fortalecer a si mesma ou de se encontrar. Só um ideal, uma grande motivação, nos faz aceitar um teste iniciático. Para Ofelia, este motivador é o mito do rei-pai, aquele que irá devolver a ela a dignidade e o poder perdidos há muito, muito, tempo. Um tempo tão grande que ela nem se lembra.

Ideais de todos os tipos (humanitários, religiosos, amorosos, materiais, etc.) fazem parte de Peixes. Aliás, não seria exatamente o raciocínio o que nos diferenciaria dos animais, mas a criação de ideais e a possibilidade de se mover com base neles. Ofelia tem uma coragem crescente porque sua fé é proporcional. Faz coisas que em sã consciência jamais realizaria, pois o ideal que carrega no coração a inspira a avançar.

O poder do ideal é tão forte que antes mesmo que ela possa entrar no seu reino e ser recebida por um pai amoroso, Ofelia já é princesa. O ideal existe em um lugar não manifesto como se fosse a semente de uma possível realidade, pronta para germinar.

O teste iniciático começa quando o fauno apresenta as três provas a serem cumpridas para que Ofelia possa regressar ao seu reino. Na primeira, ela tem de enfrentar a sujeira e o nojo ao fazer contato com um sapo gigantesco, que parasita uma árvore. Ela cumpre a tarefa com surpreendente estoicismo. Como as provas do fauno remetem a um teste iniciático, de cunho espiritual, pode-se dizer que a primeira delas tem a ver com a exploração do mundo interior, que por vezes é semelhante ao de Ofelia, com suas coisas feias (como o enorme sapo) e encantadoras (como as lindas borboletas e os livros que se escrevem com o toque de sua mão). Assim, o primeiro teste iniciático parece dizer respeito a conhecer a si mesmo, suas compulsões, falhas e abismos. O lado feio de si mesmo, mas para o que, ironicamente, a menina utiliza suas melhores ferramentas (seus novos recursos mágicos).

Na segunda prova, ela tem de cumprir uma tarefa em uma sala em que há uma feia criatura, imóvel como estátua, diante de um terrível banquete de iguarias humanas. A menina é alertada de que não deve comer nada, pois isto significará um grande perigo. Quando enxerga apetitosas uvas, Ofelia se esquece do conselho, e mordisca uma uva atrás da outra, de grão em grão acordando a terrível criatura. É neste ponto que qualquer resquício de lúdico e infantil no filme se rompe, pois o espectador supõe que Ofelia não será comida, mas por um triz ela não é pega, e sua desobediência às instruções do fauno irá lhe custar um longo afastamento dele.

Monstro e Ofélia

Esta segunda prova parece estar ligada a duas verdades da espiritualidade. A primeira é a lei da causa e efeito: Ofelia é alertada sobre o perigo, mas ignora a mensagem, logo, sofre as consequências, que é o despertar do monstro. Mas ela também está sendo testada na sua capacidade de controlar a negatividade. No caso, a gula. Muitas vezes, sabemos o que é o melhor a fazer, mas na hora em que somos postos à prova conseguimos? Parece fazer parte do caminho espiritual um sem número de vezes em que a pessoa repete os mesmos erros e muitos momentos em que se sente perdida e desprotegida, como Ofelia ficou depois que o fauno disse que iria abandoná-la por não tê-lo ouvido.

O fauno, aliás, é uma figura curiosa, bem afeta ao universo espiritual, em que nem sempre se pode ter certeza, a priori, se algo é bom ou mau, se irá ajudar ou desviar. O fauno nunca perde a ambigüidade, com seu jeito de ser persuasivo e fugidio. No fim, percebe-se que esteve a serviço do bem, mas seu papel ali era o de despertar e também testar, incumbência muitas vezes realizada pelos mestres, ou, mesmo, pela própria vida.

A última prova de Ofelia

A terceira prova é levar seu irmão recém-nascido para o centro do labirinto. É árdua a tarefa de enganar um padrasto ciumento e violento. Como não dispõe de força física, a menina coloca um sonífero – um expediente pisciano – na bebida do capitão. Ele tem um corpo forte e fica lento, mas não dorme, e persegue Ofelia com todo o ódio de quem foi rasgado por uma empregada e enganado por uma criança. Neste ponto da história, parece-se muito com o monstro do banquete. Está furioso, porque aqueles de quem menos espera são capazes de lhe dar os piores golpes (algo que bem poderia ser uma expressão de Urano em Peixes).

Na curta aventura de Ofelia, acumulam-se inexoravelmente erros e danos, como se ela não tivesse apenas dez anos. Talvez porque sua alma não o tenha. Ela corre e finalmente adentra o labirinto. Mercedes, que fugiu depois de ter ferido o capitão, a procura. Ainda que lento e atrapalhado por causa do sonífero, fica claro que o capitão fatalmente alcançará a enteada. Irá encontrá-la no centro do labirinto, onde uma bizarra criatura está lhe propondo que derrame o sangue de um inocente, o bebê, para finalmente ser admitida no reino do Pai.

Ofelia lê o livro mágicoNeste momento do filme, começa dolorosamente a se separar a fantasia de Ofelia da realidade, que até então estiveram tão misturadas. Ofelia enxerga um fauno, com quem conversa, enquanto o capitão vê a louca filha da falecida esposa segurando seu filho. E há um terceiro ponto de vista, o do fauno, que tenta persuadir a criança a fazer o gesto que permitirá que tenha o que tanto sonhou. Esta longa cena termina com o capitão atirando na garota que fala sozinha e que roubou o seu filho.

Aparece o rosto pálido do início do filme. Um rosto que verte sangue pela boca e pela mão. A mão que aponta para um poço: o mundo subterrâneo que sempre acompanhou Ofelia, e para o qual ela desejou tanto ir. O vermelho vivo e quente contrasta com a morte petrificada nos seus olhos de criança.

O capitão escapa do labirinto, mas não de Mercedes, que o aguarda na saída, junto com seu grupo. Ele é obrigado a entregar o bebê, mas roga que contem ao menino quem foi seu pai. Mercedes nega seu último desejo e o mata. O ser humano que o habita aparece fugazmente neste fim, na surpresa e na fragilidade do esvair de sua vida, experimentando rapidamente o que fez aos outros tantas vezes na sua existência. Mercedes corre até Ofelia, mas já a encontra morta. Mais uma pessoa destruída em um tempo de arbitrariedades e loucura... Uma criança a quem amava e que confiava nela para ser resgatada.

O filme mostra Ofelia chegando em seu reino. Na realidade, somente a filha de um rei teria a nobreza de não matar um inocente. Foi o seu sangue inocente que descerrou as portas do ansiado paraíso. Antes de estar ali, Ofelia teria renunciado ao seu sonho e a sua vida por causa de um irmão que custou a sua mãe, a qual agora está ao lado do rei, o verdadeiro pai (Deixo a cargo dos leitores decifrar o significado do terceiro teste iniciático, posto que este artigo, afinado com Peixes, nem tudo revela). Eles cumprimentam a filha e a recebem. Enquanto isto, um corpo de menina jaz sem vida, vertendo sangue pela boca e pelas mãos...

Cabe a cada um acreditar se Ofelia criou um mundo próprio para se refugiar da dura realidade, e acabou morta pela fantasia ao tentar resgatar o irmão, ou se ela é mesmo a filha de um rei poderoso, para quem finalmente regressou. E o que é vida e o que é morte, afinal.

Uma plangente cantiga de ninar toca, ora velando o corpo sem vida de uma criança que tentou proteger o irmão, ora coroando a almejada chegada de uma princesa perdida ao seu reino.

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