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Um olhar brasileiro em Astrologia
 Edição 136 :: Outubro/2009 :: -

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ASTRODRAMATURGIA DOS ASPECTOS

Quem tem medo de quadraturas?

Eduardo Loureiro Jr.

O que há de tão ameaçador nas quadraturas? Numa perspectiva de astrodramaturgia, elas são o limiar para o mundo da aventura, onde o herói realiza um feito transformador. A dor e o sofrimento estão lá para serem enfrentados com coragem.

quadraturaDia desses, numa lista de discussão de Astrologia, um dos participantes escreveu que evitaria programar eventos para o período em que uma Lua progredida estaria em quadratura com Mercúrio natal. Isso é o que se chama de Astrologia Eletiva: escolher, de acordo com a configuração dos astros, qual o melhor momento para realizar determinada ação. Mas por que uma ação deveria ser evitada durante uma quadratura? O que há de tão ameaçador nas quadraturas além do fato de que normalmente aparecem representadas por um traço vermelho — de alerta? De perigo? — na carta astrológica?

Talvez o medo venha de uma questão espacial geométrica. A quadratura é um aspecto de 90 graus entre dois planetas ou pontos importantes do mapa. É um aspecto perpendicular, podemos dizer. É feito uma esquina, o local preferido das colisões, o ponto mais cego, o lugar de onde vem o inesperado. Talvez por isso os astrólogos recomendem que se evitem certas coisas durante as quadraturas. Mas como é que se evita uma esquina sem ter que passar por outra? Ou sem abandonar de todo a rota traçada? Paradoxal. “Para dor que sal”, como diria o poeta Fabiano dos Santos.

Pensemos, então, não do ponto de vista espacial geométrico, mas da perspectiva espacial narrativa.

A sequência de aspectos seria uma espécie de enredo, uma maneira de se desdobrar uma história. A conjunção seria o início, e também o fim. Entre uma conjunção e outra, o desenrolar da proto-história, com seus aspectos universais, como apresentei em outros artigos sobre Astrodramaturgia.

Segundo essa lógica narrativa, existe não apenas uma, mas duas quadraturas. A primeira, distante 90 graus da conjunção inicial. E a segunda, distante 270 graus da conjunção inicial e 90 graus da conjunção final. Do ponto de vista geométrico, faz sentido pensar que as duas quadraturas são a mesma, já que elas estão sobre a mesma perpendicular ao eixo conjunção-oposição. Segundo a Astrodramaturgia, as duas quadraturas referem-se à mesma coisa — o limiar do mundo da aventura — mas, enquanto a primeira quadratura refere-se à entrada nesse mundo, a segunda indica o ponto de saída. O ponto físico descrito na história, eventualmente, pode até ser o mesmo tanto para a entrada quanto para a saída, mas a situação é completamente diferente porque, à época da primeira quadratura, o personagem principal não sabe o que lhe espera, enquanto, na segunda quadratura, ele já explorou exaustivamente o mundo da aventura.

JoãozinhoJoãozinho e o pé de feijão, em ilustração do site educacional australiano www.teachthis.com.au. Ao enfrentar o desafio de subir o misterioso pé de feijão e descobrir o que há lá em cima, Joãozinho está lidando com sua quadratura crescente.

E o que é o mundo da aventura? É espaço desconhecido ao protagonista da história, espaço que pode ser material, mental, emocional ou espiritual. É o lugar em que o herói não está à vontade porque esse mundo funciona a partir de regras diversas daquelas do mundo comum, inicial, do personagem. O mundo da aventura é, na verdade, o lugar onde acontece a história, onde acontece aquilo que faz da história uma história: o inesperado, o extraordinário, o desafio. Uma história sem mundo da aventura não faz nem sentido. Vocês conseguem imaginar Chapeuzinho Vermelho sem entrar na floresta? Ou Branca de Neve sem chegar à casa dos anões? Que tal Cinderela sem os bailes no palácio? Partindo pra mitologia, que nos pareceria Ulisses sem Ítaca ou Perséfone sem o reino de Hades? Trazendo para histórias mais recentes, nosso mundo do cinema, como imaginar a Sociedade dos Poetas Mortos sem a caverna no bosque ou a Noviça Rebelde sem a mansão do Barão Von Trapp?

Claro que os heróis, praticamente todos eles, hesitam antes de entrar no mundo da aventura, mas os autores das histórias dão um jeito de forçá-los a entrar lá para o próprio bem dos personagens. Porque sem mundo da aventura, não há aventura, e sem aventura não há transformação. E é disso que trata toda história bem como todo o movimento do tempo a que chamamos vida: de transformação.

Então o que queremos nós, personagens desse drama maior, ao evitar as quadraturas? Qual a nossa intenção, diante da porta de entrada do novo mundo, ao lhe darmos as costas e voltarmos para nosso mundo já conhecido? O que isso poderia significar senão uma recusa ao desafio, à mudança, ao desenvolvimento? A questão não é entrar ou não no mundo da aventura, porque o autor da História — quer o chamemos Deus, ou destino, ou acaso — há de nos meter nele mais cedo ou mais tarde. A questão é como adentrar nesse mundo sem ser arrastado, sem se tornar uma vítima prestes a ser imolada. Como diz Eva Pierrakos, “os obstáculos aparentes devem ser procurados voluntariamente, como um meio de se desenvolver mais rápido [...] Então os obstáculos deixarão de ser obstáculos e se tornarão trampolins para o alto.”

E como poderíamos lidar voluntariamente com uma quadratura? As histórias também nos dão pistas.

Ao entrar no novo mundo, o herói leva pouca coisa consigo: normalmente algum tipo de amuleto ou ferramenta que acabará lhe sendo útil no mundo da aventura. Alguns heróis não levam nada além de um conselho de um sábio ou de uma pessoa mais velha. Então é prudente, ao se aproximar de uma quadratura, checar a bagagem. O que temos? Que “presentes” recebemos recentemente (normalmente no sextil que antecede a quadratura)? Que conselhos ou alertas nos foram dados e ouvimos sem muita atenção? É preciso coragem para entrar no mundo da aventura, e o início da coragem é a escolha de entrar voluntariamente.

Por outro lado, e do outro lado da porta de entrada, é bom estar preparado para encontrar um mundo diverso do seu. De pouco adiantarão comparações vitimizadas do tipo “ah, no meu mundo não é assim, não estou gostando disso aqui não, ninguém me respeita...” Enfrentar a quadratura, depois que se cruzou a entrada, é estar aberto para aprender as regras do novo mundo. O que conta aqui é a prontidão, a capacidade de se adaptar, de, pelo menos no começo, estar disposto a ficar de cócoras na terra dos sapos. É esse aprendizado da lógica do novo mundo que vai garantir ao herói as facilidades do trígono seguinte e que propiciará que ele obtenha a vitória sobre o seu adversário.

Isso sobre a primeira quadratura, de 90°. Se o herói fizer tudo direitinho na primeira quadratura, podemos compreender a ironia da segunda quadratura: o herói que, corajosamente, conquistou um mundo que a princípio lhe era estranho e amedrontador, agora terá que juntar coragem para, imaginem, abandonar esse mundo. Logo agora que o mundo novo está a seus pés, dominado, controlado, ele tem que abrir mão disso para começar o retorno para seu antigo mundo. Porque ele é um herói, não vive a aventura só para si mas também para os seus e, em última instância, para toda a humanidade. Ele tem que retornar trazendo o que conquistou. Ele tem que voltar para ensinar o que aprendeu. A segunda quadratura é a saída da aventura, é o fim da parte principal da história. Como encará-la?

Da mesma forma que o herói entrou no mundo da aventura com pouco, deve sair de lá com pouco. Pode trazer uma lembrança ou um objeto que havia sido roubado de seu próprio mundo por seu adversário e que o herói resgatou. Pode trazer um segredo, uma revelação, em ensinamento. Coisa importante, sem dúvida, mas pouca. O herói deve ceder à tentação de trazer para seu mundo coisas que só pertencem ao mundo da aventura.

Além disso, o herói não deve tomar seu próprio mundo como certo. Se o herói se transformou, não é de todo improvável que o seu próprio mundo tenha se transformado na sua ausência. No mínimo, o seu mundo está mais receptivo à mudança e cabe ao herói que voltou da aventura ser uma espécie de líder de seu povo, ajudando-o na transformação, ou mesmo promovendo-a.

A entrada e a saída do mundo da aventura são momentos importantíssimos nas histórias. São os momentos mais emocionantes para o leitor, o ouvinte ou o espectador. São esses momentos que tornam uma história especial, clássica. São esses momentos que, literalmente, valem a pena. A pena, a dor e o sofrimento estão lá para serem enfrentados com coragem. É esse o nosso papel: darmos a cara a tapa; batermos nós também. As histórias não são relatos de conforto, e a vida também não deveria ser. Não podemos nos abster das quadraturas e esperar que o trígono nos caia levemente do céu. Tudo tem um preço, e o preço do trígono é a primeira quadratura que o precede. Assim como a segunda quadratura é o preço a pagar pelo retorno para casa, aquele lugar, dizia Dorothy de O Mágico de Oz, “como não há outro igual”.

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