Pitágoras
e o Tema do Número
AUTOR: Mário Ferreira dos Santos
EDITORA: Ibrasa, 2000 - 240 páginas
Mário Ferreira dos Santos, filósofo
brasileiro (1907-1968), lembra que Aristóteles definia o
número como a multiplicidade medida pela unidade - e neste
sentido, logo se nota que o conceito aristotélico é
meramente quantitativo. Mas no sentido pitagórico, o número
não é apenas a medida do quantitativo pela unidade
mas é, também, a forma, isto é, a proporcionalidade
intrínseca das coisas.
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A palavra "número"
vem do termo grego nomos, que significa regra, lei, ordem. A
ordem, como sabemos, é a relação entre
um todo e as suas partes, e, se considerarmos que onde há
esta relação entre o todo e as suas partes há
uma certa coerência, vemos que a idéia de ordem
se torna enriquecida. Para Pitágoras, o número
é também esta ordem, esta coerência, que
dá a fisionomia da tensão de um todo. Afinal,
para que uma coisa seja o que ela é, há de ter
uma ordem, ou melhor, uma relação das partes com
o todo, uma certa coerência, diferente da coerência
das outras coisas, e isto para que ela possa ser o que é,
e não o que as outras coisas são. |
Não é essa ordem expressa por um número?
Por isso, podemos dizer que todas as coisas tem o seu número
e a sua ordem, isto é, a sua essência. Tudo é
número. Já dizia Filolau que "todas as coisas
conhecidas tem um número, e isto porque sem ele não
seria possível que nada fosse conhecido nem compreendido".
Afinal, os fenômenos naturais e suas leis nos levam a coeficientes
que são números, e todas as coisas do mundo cósmico
são realidades que se dão numericamente, de uma maneira
ou de outra. Assim, o número, além de expressar o
quantitativo, é também capaz de expressar o qualitativo,
tanto quanto uma relação entre termos, uma função
a cumprir etc.
Por isso, para termos a vivência pensamento
pitagórico, precisamos nos despojar dessa concepção
superficial de que o número seja apenas aquilo que nos aponta
o quantitativo. Não; o número nos aponta, além
do quantitativo, outras modalidades e categorias com que todas as
coisas se manifestam e se dão. Afinal, se considerarmos que
os fatos que se dão no nosso mundo não constituem
- todos - tensões estáticas, paradas e inertes mas,
sim, tensões dinâmicas que se processam, que passam
de um estado para o outro, que tomam uma direção,
vemos que o número é também capaz de expressar
um processo, um ritmo, um vetor e um fluxo.
Ademais, os fatos que se dão no mundo ora
se apresentam semelhantes entre si e ora diferentes, mostrando-nos
que ora se completam sem se repelirem, ora se dando exatamente o
contrário. Assim, quando dois fatos opostos se colocam um
em face do outro e formam uma relação, uma concordância,
um ajustamento - como se constituíssem "algo novo"
- diz-se que eles se harmonizam. Via Pitágoras como o ponto
ideal já revelado pela própria natureza, por todos
os fatos (inclusive o homem), a harmonia.
A harmonia é uma resultante do ajustamento
de aspectos opostos. A harmonia só pode dar-se onde há
oposições qualitativas. Afinal, dois iguais não
se harmonizam: apenas se juntam. Para dar-se a harmonia é
necessário que exista a diferença, a distinção.
O nosso universo compõe-se de unidades diferentes e, quando
elas se ajustam entre si, realizam a harmonia. Dessa forma, é
a harmonia o ideal máximo dos pitagóricos, que consiste
então em ajustar os elementos diversos entre si, formando
um conjunto uno, equilibrado e dinâmico.
Observou Pitágoras, estudando
a harmonia, que, obedecida certas relações, ela
acontecia e se manifestava ( essas relações constituem
os chamados "números de ouro", de um papel
importante em todas as artes em seus períodos superiores).
Desse modo, verificou Pitágoras que, certas combinações,
obedientes a certos números e a certas proporções
e em certas circunstâncias, são mais valiosas que
outras. Os números são, assim, a expressão
de proporções bastante significativas e valiosas
que acabam revelando valores que, quando realizados, assumem
o poder capaz de efetuar algo de benéfico ou maléfico.
Como os valores tanto podem ser positivos como opositivos, e
como através dos números realizamos e atualizamos
poderes, os números são também mágicos.
A palavra magia encerra sempre a idéia de um poder maior
que se pode despertar. |
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Só colocado o número nesse verdadeiro
sentido pitagórico pode-se compreender a sua simbólica
- o que, aliás, é matéria da aritmosofia, que
estuda a significabilidade do número. Não se pode
esquecer, porém, que nos diversos mitos religiosos, o número,
tomado neste sentido, pode parecer - à primeira vista - como
tendo um valor em si mesmo, quando, na verdade, o número,
de per si, não é um poder mas é apenas um apontar
de poder, pois se refere aos chamados números arquetípicos,
que expressam as leis e regras gerais de todo mundo fenomênico.
Tudo isso, por si só, explicado por Mário
Ferreira dos Santos, torna toda a simbólica existente em
torno do número extremamente significativa. No entanto, é
quando ele entra propriamente na questão da Teoria Simbólica
que este livro passa a se constituir indispensável para a
boa formação do astrólogo. Afinal, como lembra
nosso filósofo, o número é um símbolo.
E o símbolo é um meio de tornar presente o que está
ausente. O símbolo "simboliza" ao apontar o simbolizado
e ao tornar presente uma nota ou notas do mesmo que pareciam estar
ocultas, e isto porque estas notas não estão contidas
no próprio símbolo e, sim, porque são caracteres
próprios do simbolizado. O símbolo aponta o simbolizado
pelo imitativo, pelo representativo e pelo analógico, mas
não pretende apenas isto: quer captar o que há de
mais essencial no simbolizado.
O símbolo é, assim, sempre menos que
o simbolizado, e isto porque o símbolo expressa algo do simbolizado,
e o expressa em grau menor o que o outro tem em plenitude. Desse
modo, no processo simbólico, não é apenas o
aspecto imitativo que deve ser considerado mas, sim, aquele que
revela o que há de mais essencial no simbolizado. A verdadeira
obra de arte não se basta no seu aspecto estético
pois, como aponta um além, e como faz gozar de uma plenitude,
oferece um gozo estético que vai além da mera captação
sensível, não se bastando apenas pelo ângulo
da estesia, pelos ângulos dos sentidos, visto que é
considerada sobremaneira pelo ângulo do espírito, pelo
ângulo da inteligência, já que faz o observador
conhecer um universo até então ignorado. Desse modo,
o símbolo dito autêntico é capaz não
só de estimular o gosto e os sentidos do indivíduo
como também de despertar a sua consciência, tirando-o
do torpor em que vivia e lhe descortinando uma nova visão
de mundo.
A matemática e a
via simbólica
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