Ela havia marcado sua hora com bastante antecedência.
Seu nome era Terra, e tinha assuntos muito práticos para
tratar com a terapeuta.
Quando olhei a agenda pela manhã, o nome Terra
veio me lembrar nosso contato inicial.
Ela havia marcado sua hora com bastante antecedência.
Saía muito tarde do trabalho e queria garantir o horário
escolhido, e só se deu por satisfeita quando todos as questões
tais como endereço, tempo e preço da consulta tinham
sido, detalhadamente, respondidas e anotadas.
Chegou pontualmente na hora combinada e não
pude deixar de sentir o perfume que, com discreta elegância,
marcou, definitivamente, sua presença. Foi impossível
deixar de notar o que vestia, pois a simplicidade, o corte impecável
do sóbrio costume e os sapatos confortáveis, de primeira
qualidade, denunciavam o bom gosto e a classe dos que dão
valor à imagem.
Sentei-me, após oferecer um cabide para
que pendurasse bolsa e casaco, e, como permanecesse de pé,
indiquei a poltrona que poderia ocupar.
Seus movimentos eram lentos e harmoniosos e
demorou algum tempo para falar, examinando atentamente o espaço
à volta.
-Eu a procurei por indicação
de um amigo, para tratar da terapia de minha irmã Água.
Lembra-se? Suas referências são excelentes, porém
o mais importante para mim foi a disposição
que demonstrou indo vê-la em sua residência. Ela
se sentiu tão à vontade neste contato que se
animou a continuar as entrevistas. Sou responsável
por minha irmã, desde a adolescência, quando
perdemos nossa família. Mas, deixarei para ela as particularidades
dos fatos. Desde então, fui nomeada sua tutora e zelo
por sua saúde e bem estar.
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Fiquei imaginando o que ela, ainda tão jovem,
tinha feito de sua vida pessoal. Tentei, com cuidado, romper as
defesas que evidentemente havia construído, projetando na
irmã os cuidados que talvez desejasse para si mesma. Perguntei
sobre seu trabalho. O que fazia?
-Dirijo os negócios deixados por meu pai.
Ele administrava uma empresa de construção civil e,
como filha mais velha, formei-me em engenharia para continuar, com
segurança, o crescimento da firma. No momento faço
MBA em administração.
Acho que usei a senha correta, pois ela pareceu ficar
mais confortável e chegou a perguntar:
-Você teria um café? Tenho por hábito
estar em casa a esta hora e jantar cedo. Desculpe, mas já
sinto um pouco de fome.
Trouxe-lhe café e biscoitos e partilhei com
ela o lanche para que ficasse mais à vontade. Foi muito agradável
perceber a sensualidade em seus movimentos ao comer. O prazer com
que mordia os biscoitos e sorvia o café eram visíveis.
Quando terminou insistiu para levar a bandeja até
a copa para "não me dar trabalho extra".
Voltamos, então ao assunto da consulta.
Pude perceber uma pitada de controle e possessividade
assim como o fato de que Água era uma excelente tela para
suas projeções quando perguntei sua opinião
sobre os amigos da irmã.
-Ah... Tenho muito receio em relação
ao Fogo. Ele é leal, mas já a magoou muitas vezes,
e tenho sempre que interferir para que não acabem me trazendo
mais problemas do que já tenho. Mantive um relacionamento
com ele no passado e foi muito passional para meu gosto. Hoje nos
respeitamos mutuamente, mas com Água... Ela é tão
frágil! Quanto ao Ar, penso que ele até lhe faz um
certo bem. Ela se torna um pouco mais razoável. Ambos têm
dificuldades com as coisas práticas e não gosto muito
quando a encontro em casa dele... Ficam horas nas nuvens, sem comer.
E a bagunça que deixam para eu limpar e arrumar? Você
nem imagina... Sempre me dei bem com Água. Ela é um
oásis em minha vida tão cheia de obrigações.
Às vezes torna-se muito dependente de mim, mas em geral,
me enche a vida de frescor e fantasia.
Enquanto falava, Terra olhava a todo o momento para
seu belo relógio de pulso. Afinal disse.
-Preciso ir. Amanhã tenho coisas a resolver
antes de chegar ao trabalho e gostaria de deixar todos os detalhes
sobre as consultas de Água já acertados. Farei o pagamento...
Apanhou a bolsa no cabide, retirou uma bela agenda
encadernada em couro e passou a anotar todas as minúcias
necessárias para o perfeito andamento da terapia da irmã.
Antes de retirar-se usou o toalete, de onde saiu
com os cabelos penteados e a maquiagem retocada.
Sem dúvida, pensei, Água devia sentir-se
completamente apoiada. E Terra? Sabia que dificilmente a teria como
cliente, mas talvez fosse beneficiada pelas conquistas de sua, nem
assim tão frágil, irmã.
A mulher retratada na ilustração é
a ambiciosa e prática Marquesa de Santos, a capricorniana
amante de D. Pedro I.
Para Anna e Fábia, filhas muito queridas, lastro
necessário em minha vida. Angela Schnoor.
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Schnoor.
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