A dupla chama:
amor e erotismo
AUTOR: Octavio Paz
Editora Siciliano - 196 páginas - 1994
Teorias sobre o funcionamento
da mente humana
Uma autoridade sobre o funcionamento da mente humana,
o neurologista Oliver Sacks, disse num artigo recente: "Se
quisermos ter uma teoria da mente, como ela opera realmente nos
seres viventes, terá de ser radicalmente diferente de qualquer
teoria inspirada no computador. Deve ser baseada no sistema nervoso,
na vida interior da criatura viva, no funcionamento de suas sensações
e intenções, em sua percepção dos objetos,
gente e situações, na habilidade das criaturas superiores
para abstrair e compartilhar, por meio da linguagem e da cultura,
a consciência de outros". Ou seja: o modelo deve ser
o próprio homem, esse animal que pensa, fala, inventa e vive
em sociedades (cultura).
Uma teoria dessa natureza é a de Gerald M.
Edelman, à qual o próprio Sacks dedicou um extenso
e brilhante ensaio. A vantagem da sua teoria é o seu realismo:
a mente deve ser estudada precisamente em seu próprio meio,
o organismo humano, e em seu meio natural. Edelman explica que a
mente começa a funcionar pela sensação em sua
forma mais simples, que chama de feelings: frio ou calor,
alívio ou constrangimento, doce e amargo, etc. As sensações
implicam uma valoração: isto é desagradável,
aquilo é gostoso, aquele outro é áspero, e
assim sucessivamente até o mais complexo, como o sofrimento
que também é alegria ou o prazer que é dor.
As sensações são percepções embrionárias.
Por sua vez, percepção é concepção;
ao perceber a realidade imediatamente impomos uma forma à
nossa percepção, a construímos: "cada
percepção é um ato de criação".
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A
idéia da natureza criadora da percepção
já aparece em Emerson.
(Ralph
Waldo Emerson, que viveu de 1803 a 1882, foi um dos mais destacados
pensadores americanos do século XIX)
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A idéia da natureza criadora da percepção,
comenta Sacks, já aparece em Emerson. A verdade é
que sua origem remonta à filosofia grega e era corrente na
psicologia mediaval e renascentista. Corresponde à teoria
vigente até o século XVII sobre a função
dos chamados sentidos interiores: o bom senso, a estimativa,
a imaginativa, a memória e a fantasia, encarregados de recolher
e purificar os dados dos cinco sentidos exteriores e transmiti-los,
como formas inteligíveis, à alma racional. A imagem
ou forma que recebe o entendimento não é o dado cru
dos sentidos. Na tradição budista também aparecem
essas divisões, numa ordem ligeiramente diferente: sensação,
percepção, imaginação e entendimento.
Cada uma dessas divisões designa um momento de um processo
que converte os dados e estímulos exteriores em impressões,
idéias e conceitos; na sensação está
presente a percepção que transmite esses dados à
imaginação que os entrega, como formas, ao entendimento
que, por sua vez, os transforma em intelectos. O processo criador
das operações mentais não é uma idéia
nova, embora seja nova a maneira como a neurologia moderna descreve
e explica o processo.
Em cada um dos momentos dessa complicada série
de operações - composta de milhões de chamadas
e respostas na rede de relações neurológicas
- aparece uma intenção. Aquilo que sentimos
e percebemos não é unicamente uma sensação
ou uma representação, mas sim alguma coisa dotada
de uma direção, um valor ou uma eminência
de significação. Como é sabido, a fenomenologia
de Edmund Husserl baseia-se no conceito de intencionalidade. Husserl
tomou essa idéia, modificando-a substancialmente, do filósofo
austríaco Franz Brentano. Em todas as nossas relações
com o mundo objetivo - sensações, percepções,
imagens - aparece um elemento sem o qual não há consciência
do mundo nem de nós próprios: o objeto já tem,
no momento em que surge na consciência, uma direção,
uma intenção. Segundo Bretano o sujeito tem invariavelmente
uma relação intencional com o objeto que percebe;
ou, mais claramente, o objeto está incluído na percepção
do sujeito como intencionalidade. O objeto, qualquer que seja, aparece
indefectivelmente como algo desejável, temível, enigmático,
útil ou já conhecido etc. A mesma coisa acontece com
as sensações e percepções de Edelman:
não são meras sensações nem representações;
são, como já disse, valorações.
Acredito que é fácil extrair uma conclusão
de tudo isso: a noção de intencionalidade nos remete
a um sujeito, seja este a consciência de Husserl ou
o circuito neurológico de Edelman. Contudo, Edelman se recusa
a considerar a existência de um sujeito ao qual se pode atribuir
a intencionalidade com que aparece o objeto. Não obstante
sua negação do sujeito, Edelman se impressiona muito
com "a unidade com que o mundo aparece diante do perceptor,
apesar da multiplicidade de maneiras de percebê-lo que emprega
o sistema nervoso". Não fica menos impressionado com
"as teorias atuais da mente que não podem explicar a
existência de um elemento que integre ou unifique todas essas
percepções". Dilema delicado: de um lado, a negação
do sujeito; do outro, a necessidade de um sujeito. Como Edelman
resolve isso?
Para tornar mais compreensível sua concepção,
Edelman usa uma metáfora: a mente é uma orquestra
que executa uma obra sem maestro. Os músicos - os neurônios
e os grupos de neurônios - estão conectados e cada
executante responde ao outro que o interpelar; assim criam coletivamente
uma obra musical. Mas, diferente das orquestras da vida real, a
orquestra neurológica não toca uma partitura já
escrita: improvisa sem parar. Nessas improvisações
aparecem e reaparecem frases (experiências) de outros momentos
desse concerto que começou na nossa infância e terminará
com nossa morte. Entretanto, a improvisação requer
sempre um plano. O exemplo mais imediato é o do jazz e o
das ragas da Índia: os músicos improvisam com certa
liberdade, mas dentro de um padrão e de uma estrutura
básica. A mesma coisa acontece com as outras improvisações,
sejam musicais ou de outra natureza. Trate-se de uma batalha ou
de um diálogo de negócios, de um passeio no bosque
ou de uma discussão política, seguimos um plano.
Pouco importa que tenha sido traçado um minuto antes e que
seja muito vago e esquemático - é um plano. E todos
os planos exigem um planejador. E aí vem a pergunta: quem
faz o plano da orquestra neurológica?
Como vemos, Edelman reconhece a dificuldade de explicar
o funcionamento dos neurônios sem a presença de um
diretor de orquestra, sem um sujeito. Com certa freqüência
ele se refere ao sentimento de identidade, a um ser
e uma consciência. Essas palavras designam as construções
dos neurônios. O circuito neurológico não só
constrói nosso mundo com os ladrilhos e pedras das sensações,
percepções e intelecções, mas também
constrói o próprio sujeito: o nosso ser e a nossa
consciência. Para Edelman, o eu e a consciência são
construções indestrutíveis, salvo por um transtorno
do circuito neurológico: doença ou morte. O eu
é uma construção e depende da interação
dos neurônios. É um artifício necessário
e indispensável: sem ele não poderíamos viver.
Sem eu, não há liberdade de decisão. E sem
liberdade - dentro dos limites mencionados por Octavio Paz - não
há ser humano.
Daí a importância da leitura deste livro
visto que o erotismo se torna um mero pretexto para discutir e analisar
temas de fundamental importância; temas que o astrólogo
freqüentemente usa em suas reflexões e em sua clínica.
CAPÍTULOS DA OBRA:
OS REINOS DE PÃ
EROS E PSIQUÊ
PRÉ- HISTÓRIA DO AMOR
A DAMA E A SANTA
UM SISTEMA SOLAR
A LUZ DA MANHÃ
A PRAÇA E A ALCOVA
RODEIOS PARA UM CONCLUSÃO
REPASSE: A DUPLA CHAMA
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