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A dupla chama: amor e erotismo
AUTOR: Octavio Paz
Editora Siciliano - 196 páginas - 1994

 
Quem foi Octavio Paz

Octavio Paz nasceu na Cidade do México em 31 de março de 1914, filho de um advogado de sangue aborígene e de uma espanhola. Durante a Guerra Civil Espanhola, viajou para a Espanha para lutar ao lado das forças antifascistas. De volta ao México, dedicou-se a uma intensa vida literária, só interrompida com sua morte em 20 de abril de 1998.

Alguns de seus melhores livros são ensaios com densas reflexões filosóficas, como O labirinto da sociedade, de 1950.

De 1962 a 1968 Octavio Paz foi embaixador do México na Índia. Deixou o cargo em protesto contra a violência da repressão do governo mexicano às manifestações estudantis de 68.

Ganhou o prêmio Cervantes em 1981 e o Nobel de Literatura em 1990, pelo conjunto da obra. A dupla chama (La llama doble) é uma de suas últimas obras, um livro maduro escrito em apenas dois meses, em 1993, mas já planejado desde a estada na Índia, em 1965. A dupla chama vale como um resumo de toda a trajetória literária deste que foi o maior escritor mexicano. (Nota de Constelar)

Sinopse

Não se iludam: A Dupla Chama é exatamente o que o seu subtítulo anuncia: um ensaio de amor e erotismo, e um dos mais brilhantes já escritos e existentes. Não só pela maneira elegante com que seu autor demonstra como o tema do prazer foi visto e abordado pelo ser humano ao longo dos séculos mas, sobretudo, por transformar este ensaio numa verdadeira obra de Filosofia da Cultura. Nela, de fato, vemos as páginas mais marcantes deste livro, que se torna de indispensável leitura para o astrólogo entender a eterna luta que se travou - e que ainda se trava - entre o corpo e o espírito, entre o homem e a natureza, e entre a natureza e Deus.

A chama vermelha: a carne do corpo

Para o escritor mexicano Octavio Paz, os sentidos nos comunicam com o mundo e, simultaneamente, encerram-nos em nós mesmos: as sensações são subjetivas e indizíveis. O encontro erótico começa com a visão do corpo desejado. Vestido ou desnudo, o corpo é uma presença, uma forma que, por um instante, é todas as formas do mundo. Mal abraçamos essa forma, deixamos de percebê-la como presença e a temos como matéria concreta, palpável, que cabe em nossos braços e que, não obstante, é ilimitada. Ao abraçar a presença deixamos de vê-la e ela própria deixa de ser presença. Dispersão do corpo desejado: vemos só uns olhos que nos miram, uma garganta iluminada pela luz de uma lâmpada, o brilho de um músculo, a sombra que desce do umbigo ao sexo. Cada um desses fragmentos vive por si só, mas refere-se a uma totalidade do corpo. Esse corpo que logo se tornou infinito. O corpo da minha companheira deixa de ser uma forma e converte-se numa substância disforme e imensa na qual, ao mesmo tempo, me perco e me recobro. Nós nos perdemos como pessoa e nos recobramos como sensações. À medida que a sensação se faz mais intensa, o corpo que abraçamos se faz mais e mais intenso. Sensação de infinitude: perdemos corpo nesse corpo. O abraço carnal é o apogeu e a perda do corpo. Também é a experiência da perda da identidade, dispersão de formas em mil sensações e visões, queda numa substância oceânica, evaporação da essência. Não há forma nem presença. Existe a onda que nos move, a cavalgada pelas planícies da noite. Experiência circular: começa pela abolição do corpo do casal, convertido numa substância infinita que palpita, se expande, se contrai e nos encerra nas águas primordiais; um instante depois, a substância se desvanece, o corpo volta a ser corpo e reaparece a presença. Só podemos perceber a mulher amada como forma que esconde uma alteridade irredutível ou como substância que se anula e nos anula.

A condenação do amor carnal como um pecado contra o espírito não é cristã e sim platônica. Eros é invisível; não é uma presença, é a obscuridade palpitante que rodeia Psiquê e a arrasta numa queda sem fim.

(Esquerda: estátua de Platão)

A condenação do amor carnal como um pecado contra o espírito não é cristã e sim platônica. Para Platão a forma é a idéia, a essência. O corpo é uma presença no sentido real da palavra: a manifestação sensível da essência. É a imitação, a cópia de um arquétipo divino, a idéia eterna. Por isso, em Fedro e em O Banquete, o amor mais elevado é a contemplação do corpo formoso - contemplação roubada da forma que é essência. O abraço carnal entranha uma degradação da forma em substância e da idéia em sensação. Por isso também Eros é invisível; não é uma presença, é a obscuridade palpitante que rodeia Psiquê e a arrasta numa queda sem fim. O apaixonado vê a presença banhada pela luz da idéia; quer tê-la, mas cai na treva de um corpo que se dispersa em fragmentos. A presença renega a sua forma, regressa à substância original para, no final, anular-se. Anulação da presença, dissolução da forma: pecado contra a essência. Todo pecado atrai um castigo: de volta do arrebatamento, encontramo-nos de novo frente a um corpo e uma alma outra vez estranhos.

Platão percebeu claramente a vertente pânica do amor, sua conexão com o mundo da sexualidade animal e quis rompê-la. Foi coerente consigo próprio e com sua visão do mundo das idéias incorruptíveis. Mas há uma terrível contradição na concepção platônica do erotismo: sem o corpo e o desejo que provoca no amante, não há ascensão rumo aos arquétipos. Para contemplar as formas eternas e participar da essência, é preciso passar pelo corpo. Não há outro caminho. Nisso o platonismo é oposto da visão cristã: o eros platônico busca a desencarnação enquanto o misticismo cristão é sobretudo amor, a exemplo de Cristo, que se transforma em carne para nos salvar. Apesar dessa diferença, ambos coincidem em sua vontade de romper com este mundo e subir ao outro. O platônico pela escala da contemplação, o cristianismo pelo amor a uma divindade que, mistério inefável, encarnou num corpo.

A chama azul: o corpo do espírito

Rotas de navegação deste artigo

Parte 1 - A chama vermelha: a carne do corpo
Parte 2 - A chama azul: o corpo do espírito
Parte 3 - Breve história sobre o conhecimento do Homem e do Mundo
Parte 4 - A possibilidade de convergência dos conhecimentos humanos
Parte 5 - O esquecimento da unidade e da identidade humana
Parte 6 - A consciência humana
Parte 7 - Teorias sobre o funcionamento da mente humana


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