Violentos ritos de passagem
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Uma imagem perturbadora: uma jovem de Hiroshima,
quatro dias após a explosão da primeira bomba
atômica, sofre o despedaçamento de seu corpo, que,
literalmente, se rasga em tiras. Hiroshima traz para a experiência
coletiva o sentido de aniquilamento atribuído a Plutão. |
Observando em diversas mitologias, vemos os 'criadores'
de Sol Negro. Desde Loki que precipita morte de Balder, o Sol, para
que ele vá para os reinos de Hel. Seth, que mata Osíris
e o torna senhor infernal. Hera, que praticamente mata Sêmele.
Ou até os titãs que despedaçam Dionísio
para o nascimento de Zeus Zagreus. Esses criadores são deuses
ligados à iniciação de deuses, função
completamente saturnal, de ritos de passagem divinos e violentos.
Senhores de esferas não compreensíveis, pois estão
além de qualquer consciência interpretativa.
Dionísio/Hades, como podem ver, não
é um deus de significados fáceis. Podemos ficar a
vida toda a estudá-lo. Porém é uma absoluta
perda de tempo. Dionísio nos chama para experiência
dele. Seu culto era perseguido e sua figura expressava uma profunda
vingança. Destruía completamente seus perseguidores,
lançando-os aos pedaços, como em sua própria
iniciação (narrada no mito helenizado dos mistérios
de Osíris). Era algo muito semelhante aos poderes das bruxas
tessalianas, conforme Apuleio, que despedaçavam os homens
e os juntavam novamente. As brumas de Dionísio existiam para
todos que não pertenciam a sua iniciação. Seu
culto era secreto e proibido a qualquer leigo. E a punição
pelos sacrilégios era o despedaçamento, normalmente
pelas bacantes enlouquecidas. Dionísio é o senhor
da alma feminina. É o sedutor e eterno amante, o homem cheio
da mais profunda luxúria que todas sonham e ao mesmo tempo
nunca irão encontrar. Pois ao encontrarem serão seduzidas
e levadas ao Sabá eterno. O criador e iniciador das bruxas.
Dionísio se expressa em toda a idade medieval
pelo Sabá das feiticeiras, onde se veste de preto. É
o Homem Negro do Sabá, que cativa seus bruxos pelo juramento
de sangue. Ele e a grande feiticeira, a rainha do Sabá. Todos
perante o Bode Obsceno, no beijo ao ânus do senhor de todo
o poder da bruxaria e do êxtase da realização
de todos os desejos. E o método de encontro passa pelo Vinus
Sabbati, o ungüento das feiticeiras. O Sabá, a bacanal
das feiticeiras, onde crianças seriam despedaçadas
e devoradas.
Podemos encontrar esse senhor da dissolução
espalhado por toda a humanidade. É o ego do inconsciente,
reino de Posseidon. O senhor da Sombra, a Pantera Negra, o devorador.
É o deus que anda pela terra, que aqui a tudo domina e que
quer sempre e sempre mais poder e mais poder. Não se lhe
pode resistir. É impossível de ser controlado. Tem
controle absoluto. É um dos mais perigosos de todos os deuses.
Contatá-lo é difícil, pois temos de entrar
em seu êxtase, em sua dissolução. É ele
quem cria os seres finais, que abre as portas do apocalipse individual,
o senhor da Revelação, do Julgamento. Mas ele sempre
chega, mais cedo ou mais tarde, e não gosta de ir embora,
com todo trânsito plutoniano.
Encaro Plutão como um planeta de limites entre
o sistema solar e a galáxia, como um elemento de dissolução
final, um devorador, um homem que quer domínio. É
por essa ação que ele age, sem que percebamos. Planejou
com Zeus o rapto de Perséfone, sua sobrinha, rainha infernal,
que em alguns mitos é a despedaçada. A experiência
plutoniana é do despedaçar, do rasgar, do não
ser possível conter. É o fluxo de poder que tira a
razão e leva ao impulso puro. Enquanto o domínio de
Saturno sobre o consciente é real e perceptível, Plutão
não pode ser encontrado em vias racionais e estruturadas.
Ambos são mestres em conter e obter forças ao libertar.
E a libertação dionisíaca, aquela que era pregada
pelos órficos, é pela purificação máxima.
Destruição daquilo que nos faz reais e conscientes,
pela integração entre consciência e inconsciência,
dissolvendo-as. Nesse caso Plutão não é um
senhor da morte. Ele é aquele que Kerenyi associou com a
palavra grega Zoé, vida plena e eterna, em contraparte com
Bios, vida física.
Dionísio é o Cristo Negro, o Logos
que desce para a mansão dos mortos. O Cristo após
o sacrifício de morte, despedaçamento e desaparecimento
total. Pronto para o renascer e transcender estados. Quando o Sol
da Meia-Noite passou no meio das presas da Grande Serpente (ou quem
sabe, o Pássaro, ou quem sabe, o Dragão) que cria
a ilusão do mundo. Viver a experiência dionisíaca
é ser o Sol nascente, onde, segundo os gregos, estava Lúcifer,
a estrela da manhã. E o Sol do despertar, ou Abraxás.
Dionísio é tão sedutor e traiçoeiro
quanto o próprio caminho da humanidade. Absorvê-lo
é ser como Shiva. É trilhar o caminho de Shiva. É
ser o Louco na beira do abismo. É saltar nele como se salta
em um buraco negro, passar pelo lado desconhecido do universo e
se tornar um buraco branco radiante, criador de galáxias,
ou como Shiva, de universos.
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Cronos Brasil.
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