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Um olhar brasileiro em Astrologia
 Edição 96 :: Junho/2006 :: -

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ASTROLOGIA COMPORTAMENTAL

Caça-palavras de Urano e Netuno

Valeria Bustamante

Eis, de novo, o artigo de Valeria Bustamante, agora com as palavras de conotação uraniana e netuniana marcadas em cores: Urano é azul, Netuno é verde... mas são vários tons dessas duas cores, às vezes quase se confundindo. Ou você achou que, com os dois em oposição, podia ser tudo preto no branco?

dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
rompi com o mundo, queimei meus navios.

Você nasceu em 1959/60? Está ou estará com Netuno oposto a Urano? Hem? Sinto muito, não estou entendendo você ... e talvez ninguém esteja.

Como também nasci em 1960 e quero que esse artigo faça sentido para alguém, usarei o subterfúgio de propor uma leitura diferente, com cores destacando significados e metáforas de Urano ou Netuno. Assim, mesmo que minhas palavras falhem, as metáforas podem se infiltrar em seu inconsciente. Você instantaneamente intuirá o que está acontecendo conosco agora. Mas pegue seus lápis de cor, porque sob esse aspecto posso me enganar.

Quando essa oposição ocorre no céu, a humanidade recebe verdadeiras ondas de informação e se depara com fatos inéditos que causam estranhamento ou mesmo choque. Muitos desses fatos serão as soluções futuras de problemas sociais ou científicos. Em geral alguma pessoa incorpora ou advoga essas questões polêmicas, tornando-se um avatar ou, se preferirem, um precursor das novidades cósmicas.

No plano pessoal, esse aspecto expõe algumas gerações (nem todas, pois o ciclo é muito longo) a uma permeabilidade incomum de consciência. Sub-repticiamente, pensamentos inconscientes começam a se fazer ouvir e nós nos espantamos com a complexidade do mundo e com a imensa quantidade de escolhas que precisamos fazer diariamente.

Estamos vivendo tudo isso por oposição. Fica impossível, de imediato, assimilarmos essas controvérsias. Talvez seja mais produtivo assumir uma postura introvertida e não extrovertida, para conseguirmos apreender especificamente que tipo de mudança a coletividade está cobrando de nós. Mudar é a solução, mas o caminho é uma voluntária tomada de consciência. Infelizmente, consciência é a única coisa incorpórea que dói.

Sob esse processo, de repente, a gente se envolve ou é envolvida em acontecimentos pouco usuais que acabam se transformando em pequenos dramas, desconfortos sociais, ou até mesmo escândalos. Enfrentaremos isso sozinhos. Nenhum amigo conseguirá nos servir de apoio. Alguns ainda nos pedirão ajuda. O momento não é fácil.

O problema é que, de um lado estarão nossos ideais, nosso inconformismo, nossa vontade de mudar o mundo, nossos engajamentos, e tudo que Urano representa no nosso mapa pessoal. De outro, estará o modo com que a coletividade os recebe. Sob os efeitos desse trânsito, nós e nosso ambiente começamos a perder contato e muita gente começará a achar que nós ficamos (ao menos em algumas áreas da vida) perigosos, subversivos, esquisitos, fraudulentos, descontrolados, evasivos, contraditórios, dispersos, enfim, pouco confiáveis.

Como é a vez de Netuno jogar (ele é que está se opondo ao Urano da geração), prepare-se para compreender a palavra Absurdo em todos os seus sentidos, inclusive no de injustiças inexplicáveis. Lembre-se que foi Netuno quem causou a tempestade que fez Ulisses se perder no mar. Ulisses inventou o estratagema do cavalo de pau que deu vitória aos gregos sobre Tróia. Não considerou o fato de Tróia ser protegida por Netuno, por cujo reino ele ousou navegar de volta para casa. Decisão impensada. Acontece. E em algum nível acontecerá com todos nós.

As pessoas olharão para nós como se olhassem para um irresponsável, um esquisito sem noção do mundo real, um estorvo qualquer. Muitas das injustiças inexplicáveis virão daí. O pior é que esse olhar é contagiante, a tendência é começarmos a incorporá-lo, mergulhando no sedutor abismo netuniano. Daí jamais sairão idéias sensatas. Os outros podem começar a ter razão em menosprezar-nos.

Ações acuradas e julgamentos corretos não serão mesmo nosso forte agora. Estamos falando de um Urano em Leão, signo que não permite que ele exerça suas melhores qualidades. Pressionado por oposição, esse Urano pode se comportar muito mal, como um revoltado voluntarioso. Precisaremos prestar atenção às áreas que ele ocupa e rege no mapa natal, tentando lembrar que reclamações e revoltas em tom leonino são sempre recebidas como despóticas. A não ser que estejamos completamente em sintonia com anseios coletivos, seremos muito antipatizados, todos acharão que estamos apenas tentando "aparecer". Seria útil avaliarmos nossas indignações para evitar pisar no palco dos acontecimentos sem um profundo auto-questionamento. Sugiro calma porque o momento é inapropriado.

Nosso Netuno natal veio de Escorpião para se opor a Urano. Idealmente, esperamos que tudo esteja sob controle. Mas a oposição pode enfatizar certos comportamentos equivocados de tom escorpiônico como ciúme, desconfiança, desejo de vingança, desejo de morte, pressão psicológica, jogos de poder ... melhor desistir disso, esses sentimentos só nos causarão mais complicações.

Tenhamos em mente que, embora não aconteça para todo mundo, essa oposição não existe especificamente para nós. Alguém sempre estará assumindo o saudável papel de causar estranheza ao mundo, de denunciar, ativa ou passivamente, a ineficácia de algo. Claro que não é um papel fácil, mas é necessário, de tempos em tempos.

A geração de Chico Buarque de Holanda tem Netuno em Libra. Quando viveram essa oposição, seus sonhos de uma sociedade perfeita entraram em choque com a ditadura militar. Como eles têm Urano em Gêmeos, esses ideais foram verbalmente trabalhados, e por ser um geminiano de Mercúrio conjunto a Urano, Chico Buarque, querendo ou não, acabou se transformando num porta-voz daquela época.

Só que Netuno, o agente do aspecto, rege o silêncio e não a dissidência. Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram seus microfones cortados quando apresentariam pela primeira vez a música Cálice. Naquela ocasião (1973) Netuno em Sagitário se opunha ao ponto médio do Urano dos dois. Foi um silêncio forçado, um concerto estranhíssimo: os músicos no palco, a platéia, e um absurdo substituindo a voz. Aconteceu. De algum modo acontecerá conosco.

Por mais que se grite "Quero lançar um grito desumano/Que é uma maneira de ser escutado" , sob esse aspecto o mais provável é não ser. Só seremos escutados quando a coletividade, ou possíveis ditadores, ou mesmo a nossa família, quiserem. Mesmo que seja importante. Mesmo que seja urgente. Mesmo que a gente não suporte mais calar.

Geminianos normalmente não ficam calados, então Chico Buarque, em 1974, sob oposição exata de Netuno a Urano, criou para si o pseudônimo Julinho de Adelaide. Numa de suas composições mais famosas, Julinho explica porquê foi criado: "E não vale a pena ficar, apenas ficar/Chorando, resmungando, até quando, não, não, não" . Entender isso nos faria um bem imenso.

Só vamos conseguir sair desse labirinto inflexível depois que tomarmos a ousada decisão de não desanimar. É verdade que otimismo, sob aspectos de Netuno, facilmente se transforma em ilusão, mas sem otimismo não enfrentaremos o fio de navalha que Urano afligido estende sob nossos pés. Urano não acata oposições, reage de modo rascante, cortante, cruel. Pessoas com ênfase em Urano no mapa natal tenderão a ser "cortadas" de cena, de um modo ou de outro, seja temporariamente (como alguém que se afasta para cuidar de um parente doente) ou não (como o político que cai em desgraça).

Netuno veio destilar o perfume ou o veneno produzidos por cada um de nossos ideais. Nós nos perguntaremos o que restará de nós e, por um longo tempo, teremos apenas o silêncio como resposta. "Esse silêncio todo me atordoa/Atordoado eu permaneço atento/Na arquibancada pra a qualquer momento/Ver emergir o monstro da lagoa/Pai, afasta de mim esse cálice"

A ação do aspecto é acabar com a sensação de normalidade e estabilidade. Ele expõe a duras tempestades, as amarras de papel que constituem nossa realidade oficial. Registros, certidões, contratos, acordos, planejamentos, sistemas econômicos, verdades científicas, enfim, todas as coisas que Saturno nos dá de presente para que possamos nos sentir seguros, nada disso terá importância. Agora a cada momento percebemos que existe um "além" mas nos sentirmos sempre muito "aquém" das expectativas. Desejamos apenas nos livrar de tudo isso. " Quero perder de vez tua cabeça/Minha cabeça perder teu juízo/Quero cheirar fumaça de óleo diesel/Me embriagar até que alguém me esqueça/Pai, afasta de mim esse cálice".

Tentarei, no entanto, ser otimista lembrando que os ciclos mundanos Netuno/Urano estão associados ao início de coisas realmente inspiradas. É provável, sob esse trânsito, que grandes coisas se apresentem à nossa alma, promovendo renovações, solicitando nossa aceitação.

Entre 1893 e 1914 Ghandi viveu na África do Sul. Entre 1910 e 1912 sofreu a oposição de Netuno ao seu Urano canceriano. Depois de vivenciar anos de luta contra o apharteid, voltou à Índia (em 1914) defendendo um novo "clima", uma política que era ao mesmo tempo de não-violência e não-cooperação. A paz como caminho para a independência. Posso estar fantasiando mas acredito que ele absorveu essa idéia durante a oposição Netuno/Urano.

É importante notar que nem mesmo Ghandi ofereceu sua novidade ao mundo sob o efeito da oposição. Assim como não devemos nos deixar enganar pela sensação de impotência que a realidade sublinha, também não podemos acreditar em promessas de iluminação instantânea. Então, a não ser que todo um povo já esteja há muito tempo adjetivando você de "mahatma" (grande alma), não se iluda assumindo o papel de mártir.

O período é bom para quem suportar mudar-se usando a intuição, tentando não perder a autenticidade. Mas não haverá prêmio algum além da vaga sensação de estar fazendo o melhor possível para vir a ser (quem sabe?) uma pessoa melhor. Nossa situação imediata só permite mudanças modestas, e sempre em sintonia com o coletivo. Nada nesse aspecto pode ser usado para a glória pessoal. Ainda assim, há muito que lucrar, contanto que a gente não se embote ou embriague para recusar essa percepção ampliada e dolorosa da vida.

O importante é que nenhum nós se faça de revolucionário-estrela ou vítima incompreendida para não virar primeira página de jornal e, aí sim, ter motivos concretos para pensar em suicídio. Os eventos astrológicos em si são menos venenosos do que as atitudes que tomamos diante deles.

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