Um
olhar brasileiro em Astrologia
Edição 84 :: Junho/2005 :: - |
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Edil Carvalho, Silvio Pazotto, Ana Laraia, Ronaldo Castro e João Acuio |
Teoria e método versus "chutômetros" |
Edil,
Uma boa teoria, com bons parâmetros epistemológicos, talvez salvassem o conhecimento Astrológico de "chutômetros", arremessados a qualquer hora do dia. Mas, me pergunto se a questão da teoria (enroscada) que poderia ser sim, solução e não problema, não passa de um baita sintoma de uma complexidade de causas, que poderiam ir desde uma ressignificação da Astrologia no simbólico de um povo, passando pelo papel social deste tipo de profissional (para a sociedade e para si mesmo), fazendo uma pausa para verificar como está a própria Astrologia no imaginário do profissional e claro, perceber a construção de sua história (que nem ouso conversar, por estar falando com um expert do assunto). Ainda, como a Astrologia poderia ressignificar sua própria visão de homem? Qual é realmente o saber Astrológico? Mas, o saber não seria sempre um suposto saber?
Retórica, uma das sete artes liberais da Idade Média. |
Está faltando remontar o cenário dentro de uma outra perspectiva. Mas tantas questões se encontram fragmentadas! Talvez a Astrologia tal como se apresenta devesse morrer para o astrólogo, e este último tal como vem representando este conhecimento devesse morrer para ele. Aí sim, recomeçar daquilo que é o mais simples, o mais óbvio, o mais lógico e mais evidente; quem sabe neste cenário, a Teoria encontrasse espaço aberto e legítimo para nascer.
De minha parte, ando mesmo preocupada com meu sustento, uma vez que as consultas estão em baixa. Mas em nenhum momento o conhecimento Astrológico deixa de ser uma questão a ser considerada. Me pergunto se vou morrer sem saber o que é a Astrologia. Aí, me lembro daquela estorinha do peixinho filho que pergunta para o peixinho pai, lá no fundo do mar: "Mas afinal, onde está este tal oceano de que todos falam?"
Um fato sei: a Astrologia é legítima para mim e acredito que são estes exercícios, às vezes um tanto aborrecidos, de atritos e questionamentos que farão nascer o que é necessário para que ela se torne científica. Ou a própria ciência, tal qual a conhecemos será descaracterizada e destituída de legitimar conhecimentos? Sei lá... E o que também não sei, é o que a história futura dirá da Astrologia de hoje.
Bom, palavras ao vento...
Palavras ao vento? De jeito nenhum - são palavras que levam à reflexão, e traduzem tudo o que passa pela sua cabeça e, quem sabe, pela cabeça de outros astrólogos. Pelo menos estamos pensando, não? Sinal de que nem tudo está resolvido mesmo.
No mais, talvez morramos sem saber o que é a Astrologia. Mas se morrermos pelo menos tentando descobrir o que ela seja, creio que já fizemos uma boa parte desta história.
Suas reflexões me lembraram outras que tive com João Acuio, e que reproduzo a seguir. Afinal, as perguntas que você me fez parecem àquelas que fiz ao Acuio.
O lugar da Astrologia na Cultura |
Edil,
Não importa muito quem pariu o quê. Por exemplo, pariram Sedna e tem astrólogo querendo assumir a maternidade. Freud sempre será considerado o pai da psicanálise. Inclusive tem um livro chamado "Um Método Muito Perigoso", do John Kerr, que analisa a presença de Sabina Spielrein tanto na obra do Freud quanto a do Jung. Em resumo, ele mostra que houve uma mulher entre os dois. Nada mais nelson rodrigueano. Adoro essas histórias de bastidores. Agora, dizer que um cara é gênio, e todo gênio é humilde, é uma inocência. É ao contrário: todo gênio é metido à besta. Teixeira Coelho que me perdoe, mas pisou no tomate.
Tem um outro aspecto que gostaria de levantar. É o aspecto da imagem do Freud e seus asseclas. Sabemos que o estudo da obra do mesmo é algo profundo e que leva à beira de alguns abismos. Por outro lado, há uma imagem do Sigmund. Ele acabou virando um ícone. Lembro de um filme: Assassinos por Natureza, filme do Tarantino, que mostra um psicanalista. É ótimo. Porque desde o gesto até a palavra compõe um personagem culturalmente já assimilado. O psicanalista compõe o panteão do imaginário ocidental contemporâneo. E o Tarantino foi lá e deu uma sacaneada.
Em suma, um milhão de palavras nem resvalam numa imagem já cultuada. Evidente, que isso acontece com os astrólogos. Sob este ponto de vista, Walter Mercado é mais representativo que Morin de Villefranche.
Não importa mesmo quem pariu o quê, muito embora o tema da origem e da autoria sejam temas que nos avassalam e dos quais as vezes é difícil de ser furtar, ainda mais dentro de uma perspectiva histórica. Creio que seja a eterna questão sobre quem veio primeiro: o ovo ou a galinha? Resposta que, se fosse encontrada, poderia nos dar informações de como as coisas foram se sucedendo ao longo do tempo.
E aqui - tal como você fez - faço uma ponte com a Astrologia: se a Psicanálise é o que é e ocupa determinado lugar dentro do quadro dos saberes humanos, e se existe ainda tanta má interpretação em torno das suas idéias e conceitos-chaves, o que dizer então dos conceitos e idéias em torno dos quais a Astrologia se edifica?
É isto que me interessa: saber o lugar dos diversos conhecimentos e saberes humanos dentro do repertório cultural da espécie - para entender, então, e, é claro, o lugar que a Astrologia ocupa.
Isto também implica entender como estas diversas produções humanas (arte, ciência, filosofia, religião) se interpenetram e dialogam - ou como se silenciam e se sufocam visto que lutam pela própria primazia frente às demais, procurando silenciar e ofuscar uma autoridade que, na realidade, é do próprio espírito humano.
Por isso, achei extremamente conveniente a questão que você levanta sobre o fato de o "psicanalista compor o panteão do imaginário ocidental contemporâneo" - mas também - e fundamentalmente - de o astrólogo compor traços & cores dentro deste imaginário. E se "um milhão de palavras nem resvalam numa imagem já cultuada", gostaria de saber e ouvir de você:
Representação medieval da Geometria, uma das sete artes liberais da era medieval. |
1) qual a imagem do astrólogo dentro do imaginário ocidental contemporâneo?
2) qual atitude que nós astrólogos devemos tomar perante esta imagem?
3) se as palavras não podem desestruturar o império construído por uma imagem, qual é a alternativa que temos, nós humanos, para quebrar uma imagem, ainda mais quando ela é nociva e falsa? (na realidade, tudo o que escrevi até agora é para ouvir o que você pensa a respeito deste item).
Tem uma outra coisa que gostaria também de saber de você, muito embora isto ainda não tenha se formulado numa pergunta clara e precisa. Alías, nem é uma pergunta - mas algo que pudesse propriciar a sua reflexão ou divagação, ou qualquer coisa do gênero.
É sobre essa "imagem" que uma sociedade e uma época podem acabar sustentando sobre um assunto, seja ele astrológico, psicanalítico ou qualquer outro. Fico aqui, cá com os meus botões, me perguntando sobre a produção e a natureza destas imagens e a possível relação delas com as imagens que fazem parte do alfabeto astrológico, e em que medida elas se confundem e se distinguem, em que medida elas se acrescentam e se subtraem.
Nem sei se me expressei direito, mas considere isto como o esboço de pergunta que gostaria de lhe dirigir - e isto porque gosto de ouvir você falar.
Oi, Edil. Vou respondendo em partes, ok? As suas perguntas são complexas.
1) qual a imagem do astrólogo dentro do imaginário ocidental contemporâneo?"
Edil, acho que toda a questão da imagem do astrólogo passa pelo entendimento do que é ou seria o Oráculo. A gente pode explicar, desmistificar, mas, em termos gerais, o que vem à mente das pessoas é a imagem do Astrólogo que prevê. "O Senhor dos Destinos". Nostradamus está assim no imaginário popular.
Recentemente, naquele filme chatíssimo (muita filosofia, pouca arte) chamado "Matrix", a imagem do Oráculo foi reatualizada. A Oráculo até serviu bolinhos ao Neo e pergunta: "O vaso teria caído se eu não tivesse te alertado?" ou algo parecido. Enfim, o Oráculo sabe tudo!!!
O nosso queridíssimo Raul Seixas, não sei se ajudado por Paulo Coelho, ajudou a firmar a idéia do Astrólogo como Senhor dos Destinos, com aquela música que diz: "Eu sou astrólogo/ conheço a história do princípio ao fim/ eu sou astrólogo/ você precisa acreditar em mim".
Em Tristão e Isolda há uma passagem onde o traído procura um astrólogo. E este o orienta como fazer para descobrir a verdade sobre a sua amada. O astrólogo aí é mostrado como dedo-duro. Engraçado, porque a nossa linda Luma de Oliveira, naquele episódio com o bombeiro, ligou para este, segundo as más línguas, do celular do seu astrólogo particular. O astrólogo a dedurou. Isso que dá confiar em astrólogo-bibelô.
Outra imagem aí, forte no imaginário popular, é a do Walter Mercado. Que dispensa comentários. Mas quero fazer apenas um: o Oráculo não vem atrás do consulente. É ao contrário, entende? E ele fazia tudo "errado" com aquele negócio: Ligue Djá! Só há um tipo de oráculo que vai atrás da "vítima": o cigano. Sabe aquela história de cigana pedindo pra ler a mão? Pois é. Por favor, isso não é um insulto ao povo cigano. Apenas uma observação.
Agora, há uma outra imagem de astrológo que a cada dia ganha mais força: a do astrólogo-médico. Temos inúmeros exemplos, ilustres ou não, desta postura. Mas esta postura é mais reservada. São as pessoas que reconhecem este tipo porque conhecem um pouco mais, foi a tua procura, em busca de compreensão, de orientação, ou qualquer coisa dessa espécie. Nostradamus também compõe com essa imagem.
Astrólogo antigamente ficava bem na foto. Era visto como sábio. Freud com aquela cara melancólica passaria bem como astrólogo do rei. Mas essa condição foi quebrada. E nos resta rever o nosso papel.
"2) qual atitude que nós astrólogos devemos tomar perante esta imagem?"
Atitude de coerência. Se você for mais para o astrólogo-terapeuta, se mostre assim. Quíron vive em caverna, não é? Agora, se for mais Oracular mesmo, estude o que isso significa. Oráculo é visto como o demônio hoje em dia. Não vejo assim. Ler o Oráculo significa ler dentro de regras rígidas.
Enfim, temos um fosso entre a imagem pública da Astrologia (vide horóscopo, por exemplo) e a face íntima (feita nos consultórios e escolas). O que fazer para diminuir essa distância é a pergunta. Tem gente que escreve livros, outros fundam sindicatos, outros pesquisam a memória da Astrologia Brasileira, outros fazem horóscopos.
"3) se as palavras não podem desestruturar o império construído por uma imagem, qual é a alternativa que temos, nós humanos, para quebrar uma imagem, ainda mais quando ela é nociva e falsa?"
Também não sei. Quer dizer, não tem resposta fácil. Mas o caminho parece ser sempre o mesmo: trabalho. Publicações de valor. O astrólogo questionar e apontar as próprias limitações. Expor suas incoerências. Pesquisa (e neste item, fazer pesquisa a partir do seu paradigma, não a partir de paradigma da dita ciência, porque aí já começa errado). Ter mais rigor nos termos. Pesquisar a sua própria história. Enfim, suar a camisa. Astrólogo tem que ser mais que astrólogo, senão fica pobrinho, subdesenvolvido.
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Atalhos de Constelar 74 - agosto/2004 | Voltar à capa desta edição |A Teoria do Conhecimento e a representação
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