Um
olhar brasileiro em Astrologia
Edição 84 :: Junho/2005 :: - |
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Edil Carvalho, Silvio Pazotto, Ana Laraia, Ronaldo Castro e João Acuio |
Este debate aconteceu em 2004, através do site Astro-Síntese, e teve como ponto de partida alguns questionamentos dirigidos ao astrólogo Edil Carvalho. Na seqüência, mais três interlocutores juntaram-se à discussão, cheia de referências filosóficas e culturais.
Como legitimar uma astrologia que se apropria indiscriminadamente de corpos celestes que acabaram de ser descobertos, atribuindo-lhes significado? |
Edil Carvalho,
Não resta a menor dúvida que as descobertas da moderna e da contemporânea astronomia mudaram o nosso modelo, conceito e pensamento sobre o Universo. Isto para só ficar na astronomia. Todavia - salvo enganos e aparências - a astrologia parece se basear ainda em modelos de pensamento antigos e ultrapassados que estruturam a sua visão do que é verdadeiro e falso; inclusive, para a própria astrologia.
Pior: algumas descobertas (especialmente as que se referem aos planetas que ainda faltam para completar o quadro de regências planetárias) são (pela astrologia) facilmente incorporadas e apropriadas. Mas mantendo a antiga visão de como funciona o Universo.
Debate filosófico entre Demócrito, Heráclito e Tímon na visão de Rubens (s. XVII). |
A história desta incorporação não poupa nem mesmo asteróides, ou, ainda, os ditos planetóides. Parece-me que Quíron é um exemplo muito concreto desta situação e incorporação. Imagino uma carta natal com os infindáveis asteróides espalhados neste sistema solar, e me pergunto que funções astrológicas a eles poderíamos atribuir!!! E olha que não são poucos!
Este tipo de coisa me deixa perplexo. Facilmente pode-se perguntar: afinal, quando se é astrológo o bom senso e a lógica literalmente devem ser vaporizados de suas mentes imaginativas? A impressão que fica é que esta situação só pode ser mantida se aceitarmos a idéia de que o ser humano é passível de infinitas analogias.
Então, eu pergunto para você: quando é que um corpo planetário ganha - de fato - dignidade, status, astrológico? Isto não é reservado somente para os planetas? Como é que um planetóide como Quíron pôde ganhar (em tão pouco tempo!!!???) tal status astrológico, a ponto de, inclusive, atribuírem (conforme alguns reputados astrológos internacionais) a ele uma regência? Baseado em quê? De onde veio o discernimento para tanto se também o conhecimento astrológico passa pela experiência, pelo empírico, pelo laboratório astrológico?
Na mesma linha de raciocínio... mesmo se sabendo que nem mesmo a comunidade astronômica chegou a um consenso sobre se Quoar e Sedna são ou não planetas deste sistema solar, o que podemos dizer astrologicamente a respeito deles? Por sinal, por esta mesma comunidade, o status de planeta de Plutão vem sendo questionado há muito tempo. Nesse caso, como ficaria a situação astrológica de Plutão?
Pouso Alegre, 23 de junho de 2004.
Sílvio Pazotto,
As observações feitas por você são - também ao meu ver - de grande gravidade e quisera eu ter tempo agora para poder responder detalhadamente cada uma delas. Você levanta três questões importantíssimas:
1) a cosmovisão antiga e medieval, na qual a astrologia sempre se sustentou, e a mudança de paradigma ocorrida a partir da renascença, que inaugura um novo modo de ver e compreender o mundo, no qual os fundamentos astrológicos são profundamente abalados. É durante este período que se percebe a diferença de critérios baseados na visão de um Céu Aparente e de um Céu Real, ou seja, de um Céu tal como ele é Visível e se apresenta aos olhos humanos aqui da Terra e de um outro Céu no qual se revela a sua Verdadeira ordem e arquitetura, até então desconhecida. Esta diferença - entre o Céu que se Vê e a Verdadeira Arquitetura Celeste - é um nó onde se enlaçam diversas confusões e pseudocontradições da Astrologia, e ela pode ser compreendida ao ser comparada a um espetáculo que se desenrola visivelmente num palco de teatro e toda aquela estrutura técnica oculta que o sustenta: em nada fica ameaçado o script de Shakespeare ao se descobrir como está estruturado o urdimento ou o que de fato se passa nos bastidores. O espetáculo teatral - e terrestre - continua sendo o mesmo para os nossos olhos. Tal como o sol continua se movimentando aparentemente em torno da Terra, Hamlet continua se indagando frente à caveira sobre a existência - e o fato de vir a ser descoberto que o autor tenha escrito sua obra apoiado aos cotovelos ou numa folha de bananeira não muda em nada a natureza da sua escritura. Ou seja: pouco importa como seja a estrutura do Céu ou se Deus estava de pé ou de cócoras ao fazer a sua obra: o que importa é que no palco terrestre - no livro divino - é que se desenrola o script da vida humana, que se tece sob coordenadas de tempo e espaço que lhe são inerentes e especiais. Fora destas coordenadas e fora deste palco não se dá a vida humana - e é este âmbito circunscrito que a Astrologia considera e com o qual trabalha: o Céu Visível e Aparente, e não o céu real.
2) a incorporação irrefletida de novas descobertas astronômicas ao compêndio astrológico tradicional - feita por quem? Pelos astrólogos. E eis outro campo de demarcação que precisa ser bem entendido: a diferença existente entre a Astrologia (o saber) e os Astrólogos (os sujeitos do saber), ou melhor, que deveriam deter o saber. No entanto, a Astrologia desde a sua gênese carrega uma forte vertente mística e religiosa, o que impede que ela possa ser vista como "um campo do saber" que, como qualquer outro saber, tem seus métodos e seus critérios, não podendo se furtar a eles. Se os astrólogos se furtam do compromisso que a lógica deveria exercer no campo da investigação e da pesquisa e delegam tudo ao exercício de uma analogia falsa e desvairada, isto me parece um grave problema - um dos mais graves mencionados por você - e é, ao meu ver, no meu individual modo de ver, o que impede que a Astrologia evolua e volte a ocupar seu lugar dentro do campo dos conhecimentos humanos, como, inclusive, já teve no passado (vide as Artes Liberais).
3) a exclusão e ausência da lógica no discurso e na pesquisa astrológicas, tal como expliquei acima.
Quisera, sim, continuar conversando com você, pois as suas perguntas são totalmente pertinentes, ainda mais porque estas são as perguntas que a sociedade dirige à Astrologia, e que os astrólogos deveriam se dedicar a responder, contribuindo, é claro, para o seu prestígio. Mas enquanto estes profissionais estiverem ocupados não com o prestígio da astrologia e, sim, com o prestígio e o sustento próprio, vejo um destino terrível e deplorável para esta disciplina: continuar proscrita e marginalizada.
Para mim, no meu individual modo de ver, o grande impasse e problema no qual a Astrologia se encontra é teórico, e é para este campo que todos os esforços deveriam ser empreendidos. Mas meu modo de ver não compartilha de unanimidade da comunidade astrólogica que, inclusive, sequer reconhece que haja problemas no saber de que se utiliza, pois considera que o domínio técnico que tem sobre o assunto já é o suficiente - e que a Astrologia que existe e que sempre existiu está muito bem e obrigado.
No entanto, graças a Deus que nesta unanimidade haja exceções, e que na sociedade existam pessoas como você - que perguntam.
E que precisarão um dia de boas respostas.
Recife, 28 de Junho de 2004
Prezados amigos,
Vou meter minha colher (de chá) nessa questão. Os princípios que devem nortear sobre o que é verdadeiro e falso não podem ser antiquados ou modernos. Não podem depender de aprimoramento tecnológico algum. Avanços científicos podem desmentir ou esclarecer questões específicas, detalhes técnicos, uma ou outra medida, mas em nada alteram o fundamento metafísico onde repousa a astrologia, que é o de que o universo é um signo e que é passível de leitura analógica. A analogia entre o macro e o microcosmo pode ser verificada tanto na estrutura psíquica quanto na biológica, tanto histórica quanto biograficamente. Isso é uma questão de estudo, de aprimoramento em que a ciência, com sua metodologia, seu rigor, poderia ajudar e muito. Há vertentes astrológicas que buscam esse rigor científico no aprimoramento do objeto de leitura, como me parece ser o caso da Astrocaracterologia.
Essa possibilidade de leitura analógica, essa visão orgânica do universo, não é de propriedade da astrologia, mas de todas as ciências tradicionais, antigas, como a medicina oriental, todas as mancias de todas as tradições espirituais do mundo, Fundamento esse que inclusive fundou as universidades (unidade na diversidade), com o Trivium e Quadrivium, onde se inseria a astrologia.
Representação da geometria, uma das artes do Quadrivium. |
Pazotto enumerou alguns problemas chatos dentro da astrologia, são uns dos vários problemas. Ele nem desconfia do quanto de problemas nós, ditos astrólogos, temos. A própria astronomia tem em torno de 2000 especialidades. As teorias sobre a gênese do universo rivalizam entre si como duas nações fratricidas, há anos.
Descobertas científicas pareceram abalar o universo astrológico, como foi o caso do heliocentrismo, já que dizem ser a astrologia geocêntrica. A própria comunidade astrológica da época ficou abalada. Aliás a decadência intelectual e espiritual da comunidade astrológica concorreu para sua derrocada quando em 1666 Colbert a expulsou das universidades parisienses. Era uma astrologia palaciana, fútil, inculta e pedante. A Astrologia é topocêntrica e o heliocentrismo em nada abala seu sistema. O heliocentrismo é bem mais antigo que Copérnico. Aliás, a luz sempre foi o centro dos sistemas metafísicos. Concordo que novas descobertas trazem novas possibilidades: física quântica, psicologia, história, e a comunidade astrológica, ao mesmo tempo que goza de maior conforto, pois suas certezas se confirmam a cada descoberta, por outro lado tem sua responsabilidade aumentada pelo volume de informações a processar. Quando se quer o reconhecimento estatal de uma profissão, esta se inclui no Código Penal, inevitavelmente.
O céu visível, o céu real, como falou o Edil, é o céu astronômico, em seu aspecto puramente matemático, físico. O céu metafísico é o dos princípios, das leis, da abstração, das determinações virtuais. Só estudando metafísica pode-se entender como esse Céu metafísico suporta o físico, e não o contrário. A Astrologia não trabalha apenas com o céu metafísico. Precisamos medir o céu físico, pois não se trata de delírio de ninguém. A partir dessa medição, iniciamos o processo de interpretação, que precisa de formação intelectual: mitologia, simbolismo, estudo de religiões comparadas etc.
Nesse processo muitos problemas se colocam, tanto no nível físico:
- o de medir o céu, o de medi-lo em relação
ao objeto (topocêntrico);
- saber qual sistema de projeção usar e o porquê;
- precisar o instante de nascimento;
- quais fenômenos e objetos celestes incluir;
Quanto no nível intelectual:
- interpretações racionalistas, fisiológicas
(escola alemã que privilegia eletromagnetismos);
- interpretações esotéricas (com a colcha de retalhos
trazida pela teosofia e as várias escolas de mistério);
- interpretações psicológicas (junguianos e outros);
- milhões de vertentes de interpretações devido às
inúmeras escolas e tendências.
A questão de se usar ou não determinado astro no sistema interpretativo é séria. Já discuti com vários astrólogos, e dos bons, pois eu defendia que não deveríamos sair usando asteróides que nem órbita definida tinham. Quíron é por demais errático para alcançar o "status" astrológico, como bem disse o Pazotto. Sem falar dos milhares de asteróides que têm nome de personagens míticos e têm órbita definida, mas que não se encaixam no sistema. É preciso conhecer a matemática duodenária da astrologia, seu jogo harmônico, a tradição mítica dos signos, separar o joio do trigo, da confusão da cultura moderna, conhecer astronomia etc.
A coisa é complicada e, antes de estimular seu abandono, ao contrário, para muitos é um estímulo ao desenvolvimento constante do saber humano. É certo que a maioria dos astrólogos nem imagina onde se meteu. Obviamente usam a astrologia como um pintor que, desconhecendo a química que se esconde por trás das tintas, faz seu trabalho, bem ou mal.
Essa questão levantada pelo Pazotto é muito importante e deveria ser mais estudada.
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Atalhos de Constelar 74 - agosto/2004 | Voltar à capa desta edição |A Teoria do Conhecimento e a representação
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