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 Edição 106 :: Abril/2007 :: -

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ASTROLOGIA E FILOSOFIA

As cartas de Saturno

Alexey Dodsworth

Sêneca e as Cartas de Saturno

Sêneca [retratado no bronze à esquerda] é conhecido como um dos mais expoentes filósofos estóicos. Nasceu em Córdoba, na Espanha, em 4 a.C. e morreu em Roma, em 65 D.C. Dedicou-se com grande sucesso à carreira política até tornar-se conselheiro do imperador Nero. É o autor do instrumento basal deste trabalho que ora apresentamos: o livro Cartas a Lucílio. Trata-se da primeira obra de auto-ajuda do mundo ocidental, de excepcional qualidade. É o resultado da compilação das cartas de Sêneca ao seu amigo Lucílio. Obra leve, espontânea, fácil de ser lida e compreendida, tão antiga e ao mesmo tempo tão atual. Os problemas e questões levantados por Sêneca em suas cartas são os mesmos dilemas e angústias que ora enfrentamos na sociedade moderna. Em toda sua obra, o filósofo salienta a importância de aspectos fundamentais para o bem viver, e todos eles refletem com maestria a simbologia do planeta Saturno, conforme demonstraremos nas páginas a seguir.

Vale destacar que "Lucílio", nome do amigo a quem escreve Sêneca, é o diminutivo de Luce, ou luz, termo que pode ser associado ao Sol. Lucílio era um homem público [papel solar], e Sêneca atuou como um seu conselheiro amigo. Aqueles que estudam astrologia regozijar-se-ão ao perceberem que o livro parece demonstrar os conselhos que Saturno daria ao Sol, caso déssemos voz aos planetas. De fato, toda a filosofia estóica parece fundamentar-se em princípios saturninos.

Os excertos abaixo demonstram o vasto potencial de leitura astrológica contidos no Cartas a Lucílio.

Em sua primeira carta, Sêneca exalta a importância de se dar valor ao tempo [Saturno]. Segundo ele, o tempo é a única coisa que podemos dizer que é inteiramente nossa, e que ninguém nos pode tomar. Ele é nosso, podemos jogá-lo fora ou aceitar de bom grado a responsabilidade de torná-lo útil. Ao contrário de ser visto como um inimigo, o tempo [Saturno] é nosso único garantido amigo [domicílio do planeta no signo de Aquário].

O passado é morto, não pode ser mudado [oposição Saturno-Lua]. Nos resta, portanto, abraçar o tempo presente, aquele do qual dispomos, e fazer algo com ele.

Escreve Sêneca:

"[...]reclama o direito de dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te de que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem reparares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.

Podes indicar-me alguém que dê o justo valor ao tempo aproveite bem o seu dia e pense que diariamente morre um pouco? É um erro imaginar que a morte está à nossa frente: grande parte dela já pertence ao passado, toda a nossa vida pretérita é já do domínio da morte!

Procede, portanto, caro Lucílio, conforme dizes: preenche todas as tuas horas! Se tomares nas mãos o dia de hoje conseguirás depender menos do dia de amanhã. De adiamento em adiamento, a vida vai-se passando.

Observação: é deste texto específico que nasce o ditado popular "não deixe para amanhã o que pode fazer hoje" – algo eminentemente capricorniano, que evoca a idéia da extrema responsabilidade sobre o tempo que nos é conferido.

Outras passagens da primeira carta versam sobre Saturno na Casa 2:

"Talvez te apeteça perguntar como procedo eu, que te dou todos estes preceitos. Dir-te-ei com franqueza: como alguém que vive bem, mas sem esbanjamento. Tenho as minhas contas em dia! Não te posso dizer que nunca perco tempo, mas sei dizer-se quanto, porquê e de que se modo o perco. Posso prestar contas da minha pobreza. A mim, porém, sucede-me o mesmo que a muitos que, sem culpa própria, ficaram reduzidos à miséria: todos perdoam, mas ninguém ajuda. [...] Que mais há a dizer? Não considero pobre aquela a quem basta o poucochinho que tem. Prefiro, contudo, que tu preserves os teus bens e que o comeces a fazer quanto antes. Conforme diziam os nossos maiores, 'já vem tarde a poupança quando o vinho está no fundo'. É que o que fica no fundo, além de ser muito pouco, são apenas as borras!"

Sêneca, que defende uma ética com diversos pontos de contato com a do Cristianismo, foi condenado a cometer suicídio em 65 d.C., depois de acusado de participar de um complô para assassinar Neto (acima), de quem era conselheiro.

Na carta segunda, Sêneca escreve passagens que nos reportam a uma crítica de Saturno ao eixo Gêmeos-Sagitário:

"Um excessivo deambular é indício de uma alma doente: eu, de fato, entendo que o primeiro sinal de um espírito bem formado consiste em ser capaz de parar e coabitar consigo mesmo. Toma, porém, atenção, não vá essa tua leitura de inúmeros autores e de volumes de toda a espécie arrastar algo de indecisão e de instabilidade. Importa que te fixes em determinados pensadores, que te nutras de suas idéias, se na verdade queres que alguma coisa permaneça definitivamente no teu espírito. Estar em todo o lado é o mesmo que não estar em parte alguma! Ora, a quem passa a vida em viagens acontece de ter muitos conhecimentos fortuitos, mas nenhum amigo verdadeiro; o mesmo se aplica logicamente àqueles que não se aplicam intimamente ao estudo de um pensador, mas sim perseguem todos de passagem e a correr. Um alimento que mal é ingerido é imediatamente devolvido, não aproveita e nem dá força ao corpo; [...] uma ferida não cicatriza quando lhe aplicam tentativamente vários remédios; uma planta nunca se robustece se continuamente a mudamos de lugar; nada, por fim, por mais útil que seja, preserva sua utilidade em contínua instabilidade. Demasiada abundância de livros é fonte de dispersão; assim como não poderás ler tudo o quanto possuis, contenta-te em possuir apenas o que possas ler. Dirás tu: 'mas sinto vontade de folhear ora este livro, ora aquele'. Provar muita coisa é sintoma de estômago embotado; quando são muitos e variados os pratos, só fazem mal em vez de alimentar. Lê, portanto, continuamente autores de confiança e quando sentires vontade de passar a outros, regressa aos primeiros. Reflete todos os dias em qualquer texto que te auxilie a encarar a inteligência, a morte ou qualquer outra calamidade; quando tiveres percorrido diversos textos, escolhe um passo que alimente a tua meditação durante o dia. É isso que faço: de muita coisa que li, retenho uma certa máxima."

O restante da obra é de tal riqueza descritiva e de compreensão tão fácil que o leitor astrólogo ou estudante tem a nítida sensação de estar a ler um Saturno vivo a discursar para a humanidade. E é a partir do entendimento deste mestre, tornado carne na figura de Lúcio Aneu Sêneca, que nossa moderna existência pode resgatar o mais verdadeiro e indestrutível poder: a força que subjaz àquele que aceita Saturno como sua base e fundamento, o esqueleto sobre o qual a carne se molda.

Literatura recomendada: Cartas a Lucílio, de Lúcio Aneu Sêneca.

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