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 Edição 106 :: Abril/2007 :: -

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RESGATANDO UMA TÉCNICA MEDIEVAL

Leitura astrológica do pensamento

Raul V. Martinez

A astrologia árabe medieval tentou o que seria o sonho de qualquer consultor moderno: desenvolver uma técnica segura para desvendar o pensamento do consulente a partir do próprio mapa do momento do atendimento.

Este estudo se baseia em Memória de Licenciatura, na Área de Estudos Árabes e Islâmicos, apresentada em 2002 por Mônica Herrera Casais na Universidade de La Laguna, das Ilhas Canárias (Espanha), com o título Um exemplo de horóscopo para ler o pensamento no "Compêndio de Ibn Mas'ud Ibn Farmiya" (1394).

Resumo dessa Memória: Estudo de um horóscopo de interrogações para ler o pensamento do consultante, um breve tratado de astrologia política compilado por Ibn Mas'ud ibn Farmiya no norte da África nos finais do século XIV ou princípios do XV. O horóscopo pode ter sido copiado de um dos textos de al-Kindi, está traçado segundo as diretrizes do "método da rotação" e seu objetivo é investigar as perspectivas de uma íntima amizade.

Palavras-chave: astrologia de interrogações, Abu Yusuf (al-Kindi), leitura do pensamento, método da rotação.

O trabalho de licenciatura resultou da tradução e análise de parte de pequeno livro, intitulado Satisfação dos propósitos e esperanças: Compêndio de procedimentos e apontamentos astrológicos para calcular o tempo de permanência dos governadores e altos funcionários, recopilado por Ibn Farmiya. Preservado no Fundo Árabe da Biblioteca do Real Monastério de El Escorial (MS D. 916/7, ff. 264v - 267v) - até então inédito.

A astrologia das interrogações, ou astrologia horária, procura responder a consultas sobre qualquer assunto de cunho pessoal, familiar, nos negócios, governo, economia e entretenimento. As questões podem ser formuladas de forma ilimitada, sendo respondidas pelo astrólogo apenas com auxílio da carta astrológica levantada para o momento e o lugar em que tomou conhecimento da pergunta. O estudo dessa figura parte do princípio que há correlações significativas entre as posições astrológicas de determinado instante e lugar e tudo que está acontecendo aí nesse instante, incluindo indagações, respostas e pensamentos. Além disso, de forma mais simples, sem prejuízo de análise mais elaborada, posições planetárias proeminentes, particularmente de Marte e de Saturno, no instante em que o astrólogo entra em contacto com o consultante, podem ajudar a descobrir as verdadeiras intenções da pergunta.

Saber com o que se correlaciona o pensamento de quem faz a pergunta certamente era importante para o astrólogo, principalmente quando atendia a governantes e a poderosos - nesses casos podia estar correndo risco de até perder a vida. Técnicas astrológicas empregadas para ler a mente com relativo êxito são pouco conhecidas, embora o interesse que despertaram entre os astrólogos árabes pareça evidente, dado que existem vários textos e capítulos de tratados, quase todos inéditos, dedicados a essa questão, como diz Mônica Herrera.

Do livro de Mas'ud Ibn Farmiya

O autor resume ao máximo a descrição teórica do método para ler o pensamento do consultante. Para explicar de forma prática com um exemplo, inclui unicamente os dados imprescindíveis: signos nas casas e planetas significativos, sem posições numéricas.

Pelo texto, se deduz que algumas casas a que se refere são casas celestes, ou seja, são signos. Outras referências dizem respeito a casas terrestres, onde estão determinados signos. Por exemplo, a casa VII do Ascendente pode significar signo oposto ao Ascendente.

O método: para se ler o pensamento do consultante na figura astrológica deve-se observar onde está o regente do Ascendente e o signo oposto a ele. Esse signo e casa opostos determinam o Ascendente da carta do pensamento. Essa carta difere da inicial apenas na numeração de suas casas. Ou seja, essa segunda figura é obtida pela rotação da primeira. Assim, a posição e as condições do regente do Ascendente dessa segunda carta indicam o pensamento mais significativo ligado à pergunta - sendo valorizadas as relações entre o regente do Ascendente do pensamento e seu dispositor. As regências e os planetas são os da astrologia clássica.

Procurando justificar o método

O consultante, a pessoa que formula a pergunta, é representado pelo regente do Ascendente e pela Lua (esta, de forma geral); esse regente se correlaciona com significados da casa e do signo onde se encontra; o signo e a casa opostos a ele, conseqüentemente, são ligados a tudo que o conflita ou o complementa. Assim, a carta do pensamento, por ter essa origem com conotação de casa VII (oposição e complementação, avaliação e comparação), concorda de certa forma, com processos mentais, aqueles nem sempre revelados, diferentes dos da casa III, ligados à comunicação.

O exemplo fornecido por Ibn Mas'ud

Mônica Herrera diz que Ibn Mas'ud chama a primeira figura de carta da interrogação, à segunda, a do pensamento, de carta do assunto, e ao conjunto de diretrizes para computá-la denomina de método da rotação. Diz que o texto não especifica qual foi a pergunta que gerou a figura do exemplo, sabendo apenas que é uma pergunta de "casa VII", uma das casas mais recorrentes em astrologia de interrogações, devido ao seu variado significado.

O Ascendente da figura está em Câncer; a Lua, sua regente, está em Sagitário. Gêmeos o signo oposto a Sagitário, passa a ser o Ascendente da figura do pensamento. Mercúrio, regente do novo Ascendente, está em Áries - signo da undécima casa a contar de Gêmeos; undécima, a casa dos amigos.

Ibn Mas'ud diz: "Estabelecemos, portanto, que a consulta era sobre um amigo com quem desejava contatar; como Mercúrio estava se separando de Marte, sentenciamos que os dois amigos eram muito diferentes. Se Marte entrasse em quadratura com Mercúrio enquanto se encontrasse em Câncer, signo de sua queda, ocorreria grande escândalo entre eles. Devido a Mercúrio ser significador, indicava que o amigo era pessoa distinta". De toda forma, os signos onde estão Mercúrio e Marte estão em quadratura, indicando relação conflituosa, principalmente por Marte estar em queda. Ao falar dessa relação, Ibn Mas'ud utiliza o termo "fahisa", sem no entanto contextualizá-lo - termo ligado a condutas censuradas pelas normas sociais e moral religiosa islâmicas, como fornicação, adultério, prostituição e homossexualidade. Possivelmente "fahisa" esteja ligado à posição de Marte no Ascendente.

Mônica Herrera diz que a razão para que Ibn Mas'ud decidisse incorporar esta questão em seu compêndio ficou pendente. Cabe apontar que a astrologia antiga e medieval se ocupou com naturalidade de quase todos os aspectos da sexualidade, perversões incluídas, tanto dentro como fora do matrimônio (perda de virgindade, fidelidade e promiscuidade do homem e da mulher, número de esposas e amantes, preferências carnais, etc.). Conclui dizendo que o amplo tratamento da sexualidade nas obras astrológicas evidencia sua demanda na sociedade e, portanto, pode servir de orientação para conhecer a realidade dos costumes em cada época.

Mais informação:

Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
Johann Wolfgang Goethe Universität
CASAIS, Mónica Herrera - "Una aproximación al compendio astrológico de Ibn Masud ibn Farmiya: los Husul almaqasid wa-l-amal (ca. 1398)", Revista del Instituto Egipcio de Estudios Islámicos (Madrid: Instituto Egipcio de Estudios Islámicos), 33 (2002), pp. 153-164.
"La astrología de interrogaciones y un ejemplo de horóscopo para leer el pensamiento", Boletín de la Asociación Española de Orientalistas (Madrid: Universidad Autónoma), 28 (2002), pp. 169-180.

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