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O Cavaleiro das Trevas
no traço do astrólogo e desenhista Carlos Hollanda. |
Batman, o Cavaleiro das Trevas, corporifica algumas
facetas sombrias que a sociedade americana não gosta muito
de encarar. Não foi o primeiro, mas inegavelmente tornou-se
o mais conhecido e carismático dos heróis no estilo
dark. Neste artigo João Acuio desce às profundezas
da bat-caverna e desvenda a dimensão mais plutoniana
de Gotham City.
Gênese num beco sem
saída
- Marginais... vocês sugaram a vida de Gotham
City, na alma! Essa festa durou tempo demais. Basta! De agora em
diante farei parte de seus pesadelos. A lei ganhou um nome... o
meu nome! Batman! Lembre-se dele quando cometer um crime...
Com essas palavras, Batman fez sua primeira aparição
nos Estados Unidos às vésperas da Segunda Grande Guerra,
sob o céu de 18 de maio de 1939.
Criado pelo desenhista de quadrinhos Bob Kane, a
Detective Comics precisava de um super-herói que fosse a
antítese de Superman, que havia sido lançado um ano
antes e fazia muito sucesso. Inspirado em Zorro, em histórias
de detetive e no genial Leonardo da Vinci, Bob Kane dá à
luz ao Batman - O Cavaleiro das Trevas. Um vigilante feito de sombras,
atormentado por suas lembranças e com faro de quem conhece
a dor de uma perda.
NOTA SOBRE ESTE ARTIGO
Em 1999 Fernando Fernandes, Carlos Hollanda
e João Acuio dividiram entre si a tarefa de produzir
um ebook com a análise astrológica dos
mais conhecidos super-heróis dos quadrinhos. Fernando
ficou com o Superman, Hollanda com o Fantasma e João
Acuio com o Batman. O trabalho saiu na série Constelar
Infolivros, em 1999. Mais tarde, João retirou seu
artigo da série para concorrer com ele a um concurso
promovido pela escola Espaço do Céu, do Rio.
João saiu vencedor e o texto, na época, foi
divulgado em Porto do Céu. Em 2002, Acuio incluiu o
artigo em seu livro Céu em Transe. Agora, seis anos
depois, o texto retorna a seu lugar de origem.
O ebook de 1999 acabou se transformando
no curso de Astroletiva Compreensão
Astrológica do Mito do Herói, onde a análise
astrológica de alguns personagens serve como ponto
de partida para a investigação das motivações
comportamentais da sociedade contemporânea. Para substituir
o estudo sobre Batman, João Acuio produziu um novo
artigo sobre o Homem-Aranha, enquanto Carlos Hollanda acrescentou
uma inédita análise dos mitos por trás
do Senhor dos Anéis.
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Bob Kane, com a ajuda do roteirista Bill Finger [1],
deu ao personagem uma origem mais próxima da morte e do apocalipse
do que da vida. Quem leu a Dectetive Comics n° 27 ou viu o primeiro
filme da série Batman, com Michael Keaton no papel principal,
sabe que Bruce Wayne (o homem que veste a roupa de Batman), presenciou
aos oito anos o assassinato de seus pais à saída do
cinema em que foram ver A Marca do Zorro. Com o passar do
tempo, a lembrança do crime ronda as suas não raras
noites de insônia. Aos 30 anos, já vivido o Retorno
de Saturno [2], com profundo
conhecimento de artes marciais e literatura policial, além
de deter tecnologia de ponta, converte-se num implacável
vingador vestido de morcego, que atormentará a alma dos criminosos
de Gotham City. Para você ter uma idéia de quanto ele
é vingativo, Batman mata já na primeira história.
Batman era um assassino no seu primeiro ano de vida.
Com a inteligência dos argumentos de Bill Finger
e desenhos de Bob Kane, Batman torna-se, com o passar dos anos,
o avesso do Superman. Enquanto o Super-Homem é um herói
solar, que protege todo o planeta assim como velhinhas indefesas
que perderam seus gatos, o Homem-Morcego é um justiceiro
noturno. Apenas mais um numa cidade suja pelo crime. Super-Homem
tem superpoderes, tais como visão de raio-x, velocidade ultrassônica,
além de voar. Já Batman usa seu próprio corpo
como arma de combate, sem falar de seu cinto de utilidades, que
lhe dá recursos para combater o crime com instrumentos. Muitas
vezes eles não funcionam, deixando-o literalmente na mão.
Ele é falível, portanto. Superman tem os aplausos
e o reconhecimento da opinião pública, Batman é
um ser solitário e em algumas histórias é criticado
por fazer justiça com as próprias mãos. No
entanto, há uma diferença fundamental entre os dois:
enquanto o eterno jovem Super-Homem é imortal, Batman é
de carne e osso. Gotham City, além de circos e parques de
diversão, também tem cemitério.
É importante lembrar que, no início,
o Homem-Morcego era um personagem solitário. O jovem Robin,
o menino-prodígio, aparecerá somente em abril de 1940,
para atenuar as características sombrias de Batman e assim
ganhar o público infanto-juvenil que acompanhava as tiras
de quadrinhos nos jornais. Contrariando a idéia original,
Batman passa a ter humor. E a ter que se relacionar. Nos anos seguintes,
até 1950, surgirão os outros personagens que vivem
em Gotham: Duas-Caras, Pingüim, Charada, Coringa, Mulher-Gato,
Alfred [3] etc. Enquanto Batman
vai sendo civilizado, renunciando a matar e a usar armas de fogo
e se dedicando à beneficência com o nome de Bruce,
seus arqui-inimigos vão nascendo e se assemelhando muito
a origem do Homem-Morcego, isto é, com caras e bocas que
expressam mentes doentias até à psicopatia.
Nos anos 60, durante a série televisiva, Batman
entra em crise de identidade de vez, sendo descaracterizado por
seus roteiristas até cair no ridículo. Mas essa história
eu conto daqui a pouco. Vamos primeiro definir o signo do Batman.
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[1] Bill Finger trabalhou com
Bob Kane desde a origem do Batman. Foi ele quem delineou os aspectos
sombrios do Homem-Morcego. Praticamente criou Coringa, além
de ter assinado o argumento das histórias em que surgiram
pela primeira vez Robin, Pingüim, Mulher-Gato e Duas-Caras.
Infelizmente, não foi possível conseguir seus dados
de nascimento para análise.
[2] Saturno é o Senhor
do Tempo. Carrega em seus ensinamentos o crescimento através
da dor. Disciplina, perseverança, pedras no meio do caminho
são suas marcas pessoais. O Retorno de Saturno consiste na
conclusão da andança de Saturno por todas as casas
astrológicas e signos que tem início ao nascermos
e que se conclui a cada 28 ou 29 anos, quando o Senhor do Karma
retona ao seu lugar de origem no mapa.
[3] Coringa - março/abril
de 1940; Pingüim - dezembro de 1941; Duas Caras - agosto de
1942; Alfred - abril de 1943; Charada - outubro de 1948.
O signo do Batman
Se você pensou em Escorpião, guarde
segredo. É isso mesmo.
Batman tem qualidades que associamos a Escorpião.
Absurda perspicácia, poder de concentração,
hábitos noturnos, tormentos, são algumas de suas características
mais fortes. Batman já foi considerado o maior detetive do
mundo. Morcego tem hábitos noturnos. E todo mundo sabe que
Escorpião vive no submundo do mundo cultuando sua obsessão
pela morte. Lembre-se que, nas melhores histórias, Bruce/Batman
sempre tem pesadelos com a morte dos pais. Aliás, o lugar
onde o casal Wayne morreu, conhecido como Beco do Crime, dizem os
bêbados, é habitado por fantasmas de órfãos
mirins, criminosos e muita raiva descontrolada. Os batmaníacos
juram que, no aniversário de morte dos pais de Bruce, Batman
faz plantão nesse beco, espancando e capturando criminosos.
Em outras palavras: Batman, assim como Escorpião,
é um signo da noite, que vive no submundo, guardando um segredo.
Neste caso, sua identidade e seu passado. Com um faro infalível,
como o de um detetive de romance policial noir, Batman enxerga no
escuro e o que acontece nas entrelinhas. É conhecida a capacidade
de percepção do escorpiano para o que é tramado
por baixo do pano. Aliás, é por isso que o associam
à manipulação e à paranóia. A
boca do povo diz que Escorpião é vingativo, muito
por lidar em linha direta com a raiva que mata ou envenena, principalmente
a si mesmo.
Se Escorpião tem tendência à
paranóia, nem precisa dizer que a desconfiança é
uma marca deste signo. E diga aí: Batman confia em alguém?
Somente no Batmóvel e no virginiano Alfred, o mordomo que
prepara sua comida e cobre sua retaguarda na Batcaverna quando o
Homem-Morcego sai à caça.
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Capa da primeira edição
do Batman. |
Morte e renascimento até
o juízo final
O renascimento também é uma marca de
Escorpião. E é o que ocorre em vários enredos
das histórias de Batman, que o conduzem até o fundo
do poço, para depois fazê-lo renascer das cinzas. Nada
mais Escorpião. Aliás, o escorpiano tem vocação
para escavar histórias perdidas, carregadas de veneno letal.
Escorpião lida sempre com sentimentos e situações-limite.
Ou, se você preferir, com aquilo que se chama crise. O lado
destrutivo da vida. Signo que passa a vida toda lutando, tentando
fazer do veneno que empedra seu coração algo construtivo.
Em linguagem astrológica, partindo do instinto destrutivo
de Escorpião para a busca de estabilidade representada pelo
seu signo oposto, Touro.
Batman é assim: vive com o que há de
mais negro e louco em Gotham City. Volta e meia ele leva o ariano
Coringa, ou o Gêmeos-Libra Duas-Caras, ou o gelado aquariano
Homem-Gelo para o Asilo Arkham, o hospital psiquiátrico de
Gotham. Apesar da genuína compaixão, o Cavaleiro das
Trevas, no íntimo, não acredita muito na recuperação
de seus inimigos. Como ele se conhece e é um Escorpião
convicto, sabe que a destrutividade pulsa dentro de cada ser. O
taurino Freud, com Ascendente Escorpião, desenvolveu o conceito
de pulsão de morte, criado pela psiquiatra russa Sabina Spielrein
[4], para essa realidade.
Outra característica hiper hiper escorpiana
é a possibilidade de concentração nas horas
mais difíceis. Escorpião concentra toda sua alma quando
se sente encurralado. Como Batman se sente sempre nessa situação,
acaba sendo silencioso como a morte, preferindo antes observar do
que falar.
Se você ainda tem dúvidas quanto à
ênfase no signo de Escorpião, veja só as primeiras
palavras de Batman em Batman vs. Aliens, de Ron Marz e Bernie
Wrightson, lançado em 98 no Brasil pela Mythos Editora:
- As noites de minha vida são gastas lutando
com psicóticos. Criminosos, cujas mentes são tão
deformadas quanto suas experiências externas... Eu acreditava
ter visto a face do horror. Hoje eu descobri que não. (...)
Os eventos se repetem em minha mente... Todos eles. O início...
Ou, em Um Conto de Batman: Gangues, de Steven
Grant e Shawn McManus, lançado pela editora Abril Jovem,
em ano impreciso:
-Gotham à noite fervilha com violência.
Eu sinto a infecção se espalhar, dos becos mais imundos
do centro até o mais tranqüilo quarto nos bairros elegantes.
Ela é transmitida pelo orgulho, pela ganância, pelas
razões mais insensatas, até irromper como uma chaga
purulenta.
Eu quero parar a epidemia, curar minha cidade. Mas
também estou infectado. Eu luto contra minha própria
violência, contra o ódio que me impulsiona. Eu controlo
a fúria, soltando-a quando é preciso e só na
dose necessária.
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[4] Quem ler o livro Um Método
Muito Perigoso, de Jonh Kerr, Editora Imago, poderá acompanhar
os primeiros anos da psicanálise, a relação
de Sabina Spielrein com Jung e Freud e o quanto essa relação
influenciou as obras dos dois gênios.
Batman é pai, não
é padrasto
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