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RENATO RUSSO

"Ouça no Volume Máximo!"

João Acuio

 

Enquanto o caos segue em frente, com toda a calma do mundo

Acredito que a exposição franca de suas angústias, tristezas e de dor tão intensa, como se tivesse sido inexoravelmente abandonado por deus, é que fez a Legião ganhar milhares de fãs. É como se Renato Russo operasse uma catarse coletiva. Quando alguém consegue representar sentimentos e contradições que todos nós compartilhamos, acaba atraindo legiões e aliviando tensões coletivas.

Com Renato Russo, os meninos e as meninas choram. E se sentem compreendidos pelo mundo.

Para que se possa representar os sentimentos do mundo é preciso que o poeta possa transitar em vários universos e, assim, como um camaleão, ir expressando tons e matizes sobre o mesmo tema. Os quatro signos mutáveis - Gêmeos, Virgem, Sagitário e Peixes - têm facilidade para a metamorfose. Principalmente Gêmeos e Peixes, signos duplos e plurais no nome e no glifo.

A impessoalidade está em letras como "Índios", Eduardo e Monica, Metrópole, Faroeste Caboclo e tantas outras, nas quais não se pode dizer que retratam a opinião de Renato ou da banda, simplesmente dão vazão a diferentes vozes e opiniões, como diz Hermano Vianna no texto que compõe o box da banda. Ele cita, por exemplo, Pais e Filhos, em que a cada frase se cantam diferentes lugares para diferentes pais e filhos.

Eu moro com a minha mãe mas meu pai vem me visitar/ eu moro na rua, não tenho ninguém/ eu moro em qualquer lugar/ já morei em tanta casa que nem me lembro mais/ eu moro com meus pais

Ou em Química, na voz de um adolescente contrariado e raivoso por ter que ficar em casa estudando para passar no vestibular. Ou em 10 de Julho, canção que fez para Cássia Eller quando ela esperava o filho Chico.

Não vale o compromisso/ Vale mais o coração/ /Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher/ Sou minha mãe e minha filha, minha irmã, minha menina

Essa condição de despersonalização ocorrerá por toda a obra da Legião. É como se não fosse possível achar um eu coordenando as narrativas ou, quando se acha, ele é habitualmente ambivalente. É como se o coração mudasse de cor da mesma forma como uma escama varia a cor com a incidência da luz.

Começo a ficar livre/ - espero./ Acho que sim./ De olhos fechados não me vejo/ e você sorriu pra mim (Se fiquei esperando o meu amor passar)

Um outro agora vive minha vida/ sei o que ele sonha, pensa e sente/ não é coincidência a minha indiferença/ sou uma cópia do que faço/ o que temos é o que nos resta/ e estamos querendo demais (A Montanha Mágica)

A única dimensão permanente, entretanto, é a tristeza: lágrima do peixe que não cai.

Já que você não está aqui/ o que posso fazer é cuidar de mim/ Quero ser feliz ao menos/ Lembra que o plano era ficarmos bem? (Vento no Litoral)

Minha papoula da Índia/ Minha flor da Tailândia/ Chega: - vou mudar a minha vida/ Deixa o copo encher até a borda/ que eu quero um dia de sol num copo d'água (A Montanha Mágica)

Desenho toda a calçada/ acaba o giz, tem tijolo de construção/ eu rabisco o sol que a chuva apagou (Giz)

Peixes lembra Cristo, mito que guarda o salvador e a vítima sacrificial no mesmo ícone. Inclusive as letras da palavra grega para peixe, Ikhtys, significam "I"(Iesus, Jesus), "Kh"(Kristós, Cristo), "T" (Theou, de Deus), "Y" (Yiós, filho) e "S"(Sóter, Salvador): Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador. Sofrer pode ser a prova que nos autoriza ir para um mundo melhor. "Meu reino não é deste mundo". Saudade, dor, amor romântico e religiosidade se tornam tônicas dessa configuração pisciana.

Ensinamentos cristãos e budistas estão em toda a obra, assim como um imenso sentimento de desamparo:

Meu amor, disciplina é liberdade/ Compaixão é fortaleza/ ter bondade é ter coragem/ e ela disse:/ - lá em casa tem um poço mas a água é muito limpa (Há Tempos)

Até bem pouco tempo atrás/ poderíamos mudar o mundo/ quem roubou nossa coragem?/ Tudo é dor/ E toda dor vem do desejo/ De não sentirmos dor (Quando o sol bater na janela do teu quarto)

Ainda que eu falasse a língua dos homens/ e falasse a língua dos anjos/ Sem amor eu nada seria/ é só amor, é só amor/ que conhece o que é verdade (Monte Castelo, adaptação de Coríntios e Soneto 11 de Luís de Camões)

Aonde está você agora/ além de aqui dentro de mim?// Agimos certo sem querer/ Foi só o tempo que errou/ Vai ser difícil sem você/ Porque você está comigo o tempo todo (Vento Litoral)

Ou o máximo da idéia cristã de compaixão, de amor incondicional:

Meu filho vai ter nome de santo/ quero o nome mais bonito/ é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã/ porque se você parar para pensar, na verdade não há (Pais e Filhos)

 

E quando chegar a noite, cada estrela parecerá uma lágrima

Introdução
Urbana Legio Omnia Vincit
A minha religião é Renato Russo
Calculei seu ascendente num recibo de aluguel
Se me vejo feliz, quase sempre exijo um talvez
A violência é tão fascinante e nossas vidas são tão normais


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