Sol e Lua em Áries,
Renato Russo foi o porta-voz da geração
que cresceu nos anos 80. Com a Legião Urbana, os
meninos e as meninas choram. E se sentem compreendidos
pelo mundo. |
O paganismo está mais vivo do
que nunca. O culto cristão, islâmico ou
judaico, a um deus único, organizador, só
fez com que a constelação de deuses das
diversas religiões pagãs mudasse de endereço.
Os deuses pagãos, seja qual for
sua origem, são craques em metamorfose. Ares
vira Marte, que se transforma em Ogum, vai à
Lua como São Jorge, surta em Hitler, veste-se
de Cérbero e, finalmente, entra em cartaz sob
a forma de Gladiador.
Os cultos pagãos são anteriores
aos cultos monoteístas, assim como a psicologia
esquizóide antecede o caráter obsessivo.
Esquizofrenia explode em vozes antagônicas. O
obsessivo se agarra numa idéia fixa. Muito versus
o Um. O que chamamos de personalidade é a sensação
de permanência no meio do caos.
|
|
|
Deuses pagãos são feitos à imagem
e semelhança do homem. Já nas religiões monoteístas,
os homens procuram criar-se à imagem e semelhança
de Deus. Há mais falha humana no panteão grego ou
iorubá do que qualquer filho de deus possa encarnar. Por
isso Vênus tem desejo enquanto Marte sofre de ira.
Os deuses gregos, por exemplo, possuem o dom da ambivalência:
o bem e o mal num mesmo ser. Deus e o Diabo na Terra do Sol. Estão
mais para Macunaíma do que para Superman. E, convenhamos,
é um alívio para a pretensão humana de onipotência
adorar deuses tão ou mais libidinosos que a sua vizinha ou
tão ou menos sábio que o seu irmão.
As iconografias de qualquer religião revelam
facetas humanas. Exu esconde-se nos caminhos, tanto quanto revela
que há um capeta dentro de cada um de nós. Doença
é coisa de Omulu, assim como a cura, e ele mora dentro e
fora de nós. Sacrifica-se uma virgem pedindo fertilidade
à terra.
Para vivenciar estes símbolos, porque símbolo
é vivência, foi necessário criar ritos, festas,
celebrações organizadas. Em outras palavras, espetáculos.
Aí reside a diferença religiosa entre o Ocidente e
o Oriente: enquanto o Ocidente precisa ver para ser tocado pelo
sagrado, o Oriente fecha os olhos para ver desde dentro.
Por necessidade psicológica, cultural e econômica,
surgiram sistemas de crenças monoteístas: Deus é
pai! Evidentemente, não se enterram, da noite para o dia,
ritos e mitos que um dia organizaram uma civilização.
Religiões são erguidas sobre o cadáver de outras
e antigos deuses se mantêm vivos em novas liturgias, com roupagens
diferentes.
Por isso, a pomba-gira rodando no terreiro, com seus
palavrões e sexo explícito, reclama o lugar de Vênus
no mundo sagrado. Dioniso diz que está vivo quando, regado
a cerveja e paixão, acompanha o linchamento de um inocente
pela torcida adversária. E é longa a trajetória
para ajoelhar-se amorosamente frente a Plutão. Deuses pagãos
são necessidades humanas travestidas de deuses. E necessidades
exigem atenção.
O paganismo, com seus deuses amorais e ambivalentes,
manteve-se vivo através do olhar da arte e da sabedoria popular,
a boca do povo. Hoje faz uso dos pulmões da Astrologia e
da cultura de massa. Como disse Glauber Rocha, "o cinema é
a igreja do século XX".
Ou você realmente acha que não há
semelhança entre o culto a Pã e os shows de Marilyn
Manson, nos quais se assiste, ao som de muita guitarra, orgia sexual
e mutilação?
Agora imagine seu filho, na idade de transição
psicológica chamada adolescência, assistindo sob cotoveladas
a um show da banda Legião Urbana, tendo à frente o
cantor e letrista Renato Russo, que, quase sempre e quase sem querer,
deixava todos em transe.
|