Albieri, Parsifal e a busca
do Santo Graal
A grande expressão criativa de Leão
encontra seu resultado, seu reflexo e sua compensação
em Aquário, onde o sentimento de dever para com o mundo assume
uma dimensão quase tão mitológica quanto os
personagens teatrais do leonino. Um bom exemplo desta relação
está no cientista Albieri, personagem de Juca de Oliveira,
na novela O Clone. Albieri é um visionário,
com uma visão altruística da sociedade, numa tentativa
de dar-lhe "uma oportunidade de vencer a morte", segundo
suas próprias palavras, através do clone humano que
ele havia produzido e feito nascer muitos anos antes da ovelha Dolly.
Para ele, esse era um esforço altruísta, que ameaçava
a própria felicidade, dado o risco de sofrer uma execração
pública. No entanto, Albieri era extremamente vaidoso, louco
por fama, por ser adorado pela comunidade científica. Morria
de medo da execração, tendo a esperança de
ser aclamado como um verdadeiro benfeitor para a humanidade. Sua
base emocional necessitava de apoio público, de adoração,
para ter consciência de sua importância como ser humano.
Nada mais Leão-Aquário que uma história que
unifique ao mesmo tempo a questão da posteridade, da procriação,
da imortalidade, da fama, da tecnologia, da vitória sobre
as limitações humanas e do drama de querer ser amado
a todo custo.
Se Albieri é, indiscutivelmente, uma figura
aquariana - e com uma forte sombra leonina - alguém, em contrapartida,
deve estar na outra ponta da gangorra, vestindo a dourada capa do
Leão. Interessante observar que os participantes do fórum
não chegaram a qualquer consenso em relação
a quem seria esse personagem. Alguns apostaram em Yvete, outros
preferiram enxergar a juba leonina em Leônidas - a quem Yvete
chama, a propósito, de Leãozinho. Outros ainda viram
traços de Leão em Mel, na governanta Dalva, em Lucas,
em Maysa, em quase todos os demais personagens, enfim. Falta um
Leão em algum lugar, é o que todos parecem perceber,
mas onde estará? Lembrar um pouco a trama da novela pode
ajudar a localizá-lo. A história de O Clone
gira em torno da decisão de Albieri de gerar um clone após
a comoção provocada pela morte de Diogo, um dos filhos
gêmeos de Leônidas. A morte de Diogo deixa um vazio
na família, que nunca mais seria a mesma. A grande mansão
torna-se triste e - como vários participantes do fórum
opinaram - tanto Lucas quanto Leônidas são personagens
um tanto mornos, a quem falta o calor das paixões
arrebatadoras. Concluímos, então, que o drama dessa
família é exatamente a perda de seu princípio
leonino mais íntegro, que se vai com a morte do alegre Diogo,
o irmão de Lucas.
Surge aí uma inesperada analogia entre a rica
família de Leônidas e a Camelot das lendas do ciclo
do Santo Graal. Nestas, o rei Artur desempenha a função
de princípio solar e leonino que congrega em torno de si
os cavaleiros da távola redonda - inequívoca representação
do zodíaco. O poder de Artur é suportado pelo do mago
Merlin, que funciona como um poder atrás do poder, mas utilizando
seu conhecimento em benefício da comunidade (Aquário).
Contudo, com a doença do rei Artur, o reino se desagrega.
Tanto Artur quanto seu reino perdem o viço e a luminosidade,
o que pode ser traduzido como a superação do princípio
solar pelo processo saturnino de frieza e ressecamento. A partir
daí entram em ação as forças especificamente
desagregadoras, que podem ser associadas aos três planetas
exteriores e invisíveis - Urano, Netuno e Plutão.
Neste quadro dramático, surge Parsifal, um órfão
que nada sabe sobre sua orgem e abandona sua casa a buscar o pai.
Parsifal é admitido na corte de Artur, torna-se cavaleiro
e parte em busca do graal. É o único cavaleiro que
consegue alcançá-lo, o que só é possível
em função da pureza de Parsifal. Quando descobre o
graal, o jovem Parsifal se transubstancia e descobre que na verdade
não faz parte da humanidade comum, mas é o princípio
de abertura para novas possibilidades. Com a descoberta do graal,
o rei Artur é curado e o reino parcialmente se recompõe
- se bem que jamais com a vitalidade anterior.
Agora as associações: com a morte de
Diogo, a dor e o sentimento de culpa levam Leônidas - o Sol
da família, seu eixo organizador - a abrir mão de
muitas qualidades leoninas e a assumir um perfil mais saturnino.
Leônidas parece um tipo Capricórnio, mas é apenas
um Leão doente, depressivo, que não se permite a entrega
afetiva completa nem consegue evitar a desagregação
do ambiente familiar. Albieri, com o poder da ciência (o correspondente
moderno da magia de Merlin), tenta trazer de volta a luz criando
um clone. É o eterno mito da busca da imortalidade, da vitória
do Sol sobre as sombras invernais da morte. Estão presentes
aí, portanto, símbolos de Leão, Aquário
e Escorpião.
Quando adulto, o clone Léo, qual Parsifal,
sai em busca de seu pai e, ao chegar ao reino de Artur (ao ser descoberto
por Leônidas), precisa passar por um processo de reconhecimento
de paternidade (uma iniciação para ser sagrado cavaleiro).
Ao clone Léo deveria caber a função solar de
restabelecer o eixo da família, mas sua origem anômala
trabalha contra essa possibilidade. Além disso, Léo
é desenraizado demais para poder reorganizar um "sistema
solar" em torno de si. Sua ressonância não é
com o Sol, mas com as possibilidades de ruptura e transcendência
simbolizadas pelos três planetas exteriores, Urano, Netuno
e Plutão. De qualquer forma, ainda em analogia com a lenda,
o efeito de Léo sobre Leônidas é semelhante
ao de Parsifal sobre Artur, ao descobrir o graal: o rei se restabelece,
reencontrando a perdida coragem e a alegria leoninas.
Estamos "viajando na maionese"? Talvez.
Novela é novela, dirão alguns, não merece qualquer
abordagem mais séria. Mas nossa tese é exatamente
a de que mesmo nos produtos mais descompromissados da indústria
cultural - seriados de TV, histórias em quadrinhos etc. -
as representações do imaginário popular presentificam-se
aqui e ali, atualizando os velhos mitos e dando forma aos grandes
dramas do coletivo. Assim, por mais que as novelas da Globo - ou
os dramalhões mexicanos do SBT - sejam vistas como produtos
descartáveis e alienantes, ainda assim (e até mesmo
por causa disso) sempre serão um bom campo de estudos para
o astrólogo e o estudante de Astrologia.
Leia outros textos de Fernando
Fernandes e Carlos
Hollanda.
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DEBATE:
Introdução
Signos dos personagens
Albieri, Jade
Zoraide, Yvete, Leônidas
Maysa, Mel, Dalva e Dona Jura
Said, Latiffa, Mohamed e Ali
Nazira, Alicinha, Lucas e Lobato
OUTRA VISÃO:
Os dois lados de Saturno
Jade, mulher jogada no vento
Filhos do nevoeiro e do trovão
Albieri, Parsifal e o Santo Graal
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