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ASTROLOGIA E CULTURA DE MASSA

O Clone: um debate sobre os mitos
da ficção televisiva

Fernando Fernandes e Carlos Hollanda

 

Albieri, Parsifal e a busca do Santo Graal

A grande expressão criativa de Leão encontra seu resultado, seu reflexo e sua compensação em Aquário, onde o sentimento de dever para com o mundo assume uma dimensão quase tão mitológica quanto os personagens teatrais do leonino. Um bom exemplo desta relação está no cientista Albieri, personagem de Juca de Oliveira, na novela O Clone. Albieri é um visionário, com uma visão altruística da sociedade, numa tentativa de dar-lhe "uma oportunidade de vencer a morte", segundo suas próprias palavras, através do clone humano que ele havia produzido e feito nascer muitos anos antes da ovelha Dolly. Para ele, esse era um esforço altruísta, que ameaçava a própria felicidade, dado o risco de sofrer uma execração pública. No entanto, Albieri era extremamente vaidoso, louco por fama, por ser adorado pela comunidade científica. Morria de medo da execração, tendo a esperança de ser aclamado como um verdadeiro benfeitor para a humanidade. Sua base emocional necessitava de apoio público, de adoração, para ter consciência de sua importância como ser humano. Nada mais Leão-Aquário que uma história que unifique ao mesmo tempo a questão da posteridade, da procriação, da imortalidade, da fama, da tecnologia, da vitória sobre as limitações humanas e do drama de querer ser amado a todo custo.

Se Albieri é, indiscutivelmente, uma figura aquariana - e com uma forte sombra leonina - alguém, em contrapartida, deve estar na outra ponta da gangorra, vestindo a dourada capa do Leão. Interessante observar que os participantes do fórum não chegaram a qualquer consenso em relação a quem seria esse personagem. Alguns apostaram em Yvete, outros preferiram enxergar a juba leonina em Leônidas - a quem Yvete chama, a propósito, de Leãozinho. Outros ainda viram traços de Leão em Mel, na governanta Dalva, em Lucas, em Maysa, em quase todos os demais personagens, enfim. Falta um Leão em algum lugar, é o que todos parecem perceber, mas onde estará? Lembrar um pouco a trama da novela pode ajudar a localizá-lo. A história de O Clone gira em torno da decisão de Albieri de gerar um clone após a comoção provocada pela morte de Diogo, um dos filhos gêmeos de Leônidas. A morte de Diogo deixa um vazio na família, que nunca mais seria a mesma. A grande mansão torna-se triste e - como vários participantes do fórum opinaram - tanto Lucas quanto Leônidas são personagens um tanto mornos, a quem falta o calor das paixões arrebatadoras. Concluímos, então, que o drama dessa família é exatamente a perda de seu princípio leonino mais íntegro, que se vai com a morte do alegre Diogo, o irmão de Lucas.

Surge aí uma inesperada analogia entre a rica família de Leônidas e a Camelot das lendas do ciclo do Santo Graal. Nestas, o rei Artur desempenha a função de princípio solar e leonino que congrega em torno de si os cavaleiros da távola redonda - inequívoca representação do zodíaco. O poder de Artur é suportado pelo do mago Merlin, que funciona como um poder atrás do poder, mas utilizando seu conhecimento em benefício da comunidade (Aquário). Contudo, com a doença do rei Artur, o reino se desagrega. Tanto Artur quanto seu reino perdem o viço e a luminosidade, o que pode ser traduzido como a superação do princípio solar pelo processo saturnino de frieza e ressecamento. A partir daí entram em ação as forças especificamente desagregadoras, que podem ser associadas aos três planetas exteriores e invisíveis - Urano, Netuno e Plutão. Neste quadro dramático, surge Parsifal, um órfão que nada sabe sobre sua orgem e abandona sua casa a buscar o pai. Parsifal é admitido na corte de Artur, torna-se cavaleiro e parte em busca do graal. É o único cavaleiro que consegue alcançá-lo, o que só é possível em função da pureza de Parsifal. Quando descobre o graal, o jovem Parsifal se transubstancia e descobre que na verdade não faz parte da humanidade comum, mas é o princípio de abertura para novas possibilidades. Com a descoberta do graal, o rei Artur é curado e o reino parcialmente se recompõe - se bem que jamais com a vitalidade anterior.

Agora as associações: com a morte de Diogo, a dor e o sentimento de culpa levam Leônidas - o Sol da família, seu eixo organizador - a abrir mão de muitas qualidades leoninas e a assumir um perfil mais saturnino. Leônidas parece um tipo Capricórnio, mas é apenas um Leão doente, depressivo, que não se permite a entrega afetiva completa nem consegue evitar a desagregação do ambiente familiar. Albieri, com o poder da ciência (o correspondente moderno da magia de Merlin), tenta trazer de volta a luz criando um clone. É o eterno mito da busca da imortalidade, da vitória do Sol sobre as sombras invernais da morte. Estão presentes aí, portanto, símbolos de Leão, Aquário e Escorpião.

Quando adulto, o clone Léo, qual Parsifal, sai em busca de seu pai e, ao chegar ao reino de Artur (ao ser descoberto por Leônidas), precisa passar por um processo de reconhecimento de paternidade (uma iniciação para ser sagrado cavaleiro). Ao clone Léo deveria caber a função solar de restabelecer o eixo da família, mas sua origem anômala trabalha contra essa possibilidade. Além disso, Léo é desenraizado demais para poder reorganizar um "sistema solar" em torno de si. Sua ressonância não é com o Sol, mas com as possibilidades de ruptura e transcendência simbolizadas pelos três planetas exteriores, Urano, Netuno e Plutão. De qualquer forma, ainda em analogia com a lenda, o efeito de Léo sobre Leônidas é semelhante ao de Parsifal sobre Artur, ao descobrir o graal: o rei se restabelece, reencontrando a perdida coragem e a alegria leoninas.

Estamos "viajando na maionese"? Talvez. Novela é novela, dirão alguns, não merece qualquer abordagem mais séria. Mas nossa tese é exatamente a de que mesmo nos produtos mais descompromissados da indústria cultural - seriados de TV, histórias em quadrinhos etc. - as representações do imaginário popular presentificam-se aqui e ali, atualizando os velhos mitos e dando forma aos grandes dramas do coletivo. Assim, por mais que as novelas da Globo - ou os dramalhões mexicanos do SBT - sejam vistas como produtos descartáveis e alienantes, ainda assim (e até mesmo por causa disso) sempre serão um bom campo de estudos para o astrólogo e o estudante de Astrologia.

Leia outros textos de Fernando Fernandes e Carlos Hollanda.

DEBATE:
Introdução
Signos dos personagens
Albieri, Jade
Zoraide, Yvete, Leônidas
Maysa, Mel, Dalva e Dona Jura
Said, Latiffa, Mohamed e Ali
Nazira, Alicinha, Lucas e Lobato

OUTRA VISÃO:
Os dois lados de Saturno
Jade, mulher jogada no vento
Filhos do nevoeiro e do trovão
Albieri, Parsifal e o Santo Graal


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