Um
olhar brasileiro em Astrologia
Edição 12 :: Junho/1999 :: - [Arquivos de Constelar - Republicado: maio/2007] |
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O jogo da vítimaExiste outra parte de nós que recebe os julgamentos, e essa parte chama-se: a Vítima. A Vítima carrega a culpa, a responsabilidade e a vergonha. É a parte de nós que diz: "Sim, você não é bom o suficiente". E tudo isso é baseado num sistema de crenças que não chegamos a escolher. Essas crenças são tão fortes que, mesmo anos mais tarde, depois que fomos expostos a novos conceitos e tentamos tomar nossas próprias decisões, descobrimos que essas crenças ainda controlam nossas vidas. O movimento da vida, seja no Sonho ou fora dele, é sempre um fluir e refluir, a vida vem em ondas como o mar, como diz a canção. Tudo é energia, tudo flui através de ondas, e isto é um fenômeno comprovado fisicamente. Neste vai-vem, o julgamento e sua contrapartida também estão submetidos ao fenômeno ondulatório. O julgamento é o mundo se oferecendo para a gente e, filtrado por nossos canais distorcidos e modulados pelo Sonho, provoca uma resposta à altura, que é a conduta de vítima. Ser vítima é uma reação e uma conseqüência da expectativa inadequada, ou melhor, adequada apenas ao Sonho, e não ao nosso instinto e nossa natureza essencial. O jogo da vítima é absolutamente institucionalizado e aceito dentro do plano do Sonho. É incômodo, é verdade, mas nossa maneira de construir uma realidade sustentada por julgamentos implica a reação inevitável de sermos vitimados por estes mesmos julgamentos que fazemos todo o tempo. A Vítima, óleo sobre tela do pintor William Ranney (1813-1857). Ranney, que faleceu com apenas 44 anos, sofria de tuberculose, doença ainda sem cura no século XIX. Provavelmente este quadro, que mostra três lobos atacando um boi, seja uma metáfora da luta mantida pelo artista contra a doença mortal. Os planetas no horóscopo cumprem a dupla função de julgar e de ser vítima, que é a mesma coisa que ser julgado como conseqüência dos nossos julgamentos. Júpiter, por exemplo, julga moralmente, e depois
se torna vítima moral do julgamento que faz, como forma de justificar-se
e suportá-lo. Saturno julga o peso, a medida e a conveniência
das coisas todas, e torna-se vítima do medo de sair da medida,
perder os limites, perder a estrutura. Marte julga a energia investida,
por si mesmo e pelos outros, julga a sexualidade e o vigor das coisas
- em vez de vivê-las como lhe compete - sempre com base em regras
que nem sempre correspondem ao tônus e à natureza da pessoa;
depois se torna vítima de seu desejo, vítima de seu gesto,
que isto faz parte do script de manutenção do Sonho. Mercúrio
vive do julgamento que cada palavra de seu discurso, cada movimento de
sua compreensão produz; e é vítima da incompreensão
que isto provoca, é vítima de eternos mal entendidos, ou
pior, vítima da interpretação inadequada do que é
real e do que é imposto a nós pelo Sonho. Vênus, o
senhor do desejo, julga acompanhando os critérios impostos pelo
Livro da Lei, em vez de simplesmente desejar com o coração;
torna-se uma vítima contumaz de suas escolhas inadequadas e de
seus desejos sem coração. Quem ama sem julgamento? Quem não conhece a condição de ser vítima do amor? Vítima das escolhas amorosas que foram produto de julgarmos entre o certo e o errado, entre o bom e o ruim, com base em critérios que são culturais, em vez de obedecermos nosso coração. O que quer que vá contra o Livro da Lei irá fazer você experimentar uma sensação estranha no plexo solar, que é chamada medo. Quebrar as regras do Livro da Lei abre seus ferimentos emocionais, e sua reação cria veneno emocional. Porque tudo que está no Livro da Lei tem de ser verdade, qualquer coisa que desafie aquilo em que você acredita irá produzir uma sensação de insegurança. Mesmo que o Livro da Lei esteja errado, ele faz com que você se sinta seguro. Quebrar as regras é muito difícil. Sempre temos a sensação de que temos algo muito precioso a perder, fomos convencidos disto desde a infância. Mas nunca sabemos o que é este algo que podemos perder. O que será? Bem, entre outras coisas, perdemos a sensação de "pertencer", esquecemos que pertencemos naturalmente ao mesmo plano, à mesma espécie, ao mesmo planeta, ao mesmo organismo cósmico, e vivemos a ameaça de, por qualquer transgressão ao Livro da Lei, sermos excluídos da tribo, e este medo constante nos assombra. Sermos excluídos da espécie ou deixarmos de fazer parte do gênero humano é uma impossibilidade natural, mas isto não nos avisaram. Acabamos convencidos pelo contexto dos sonhadores que "pertencer" é poder prestar contas continuamente do que somos, de quem somos, do que estamos fazendo, do que fizemos. Somos na verdade uma biografia ambulante, uma descrição de nós mesmos e do que esperam de nós, e é comum esquecermos quem somos na verdade e nos confundirmos com a descrição de nós mesmos - a que fazemos e a que os outros fazem. Talvez nos primórdios da humanidade, ou em pessoas que sobrevivem em condições muito precárias e selvagens, a presença da tribo realmente representasse proteção, mas, curiosamente, entre estas pessoas a ausência de medo e a auto-suficiência é notavelmente maior que entre os homens civilizados. A idéia de que "não nos bastamos" muda completamente o código de leitura do horóscopo. Toda interpretação passa a ser feita em função da pressão, das cobranças do contexto onde a pessoa vive. Toda interpretação dos símbolos astrológicos passa a ser uma descrição das expectativas que a sociedade tem do indivíduo, e se ele está correspondendo ou não a elas, se está sendo feliz por sentir-se aceito na tribo, ter algum grau de importância na tribo, ter status por ser o que esperam dele. Bem, talvez isto seja o certo, não é? Quem sabe? Os vínculos pessoais e sociais em geral, que poderiam corresponder a uma troca amorosa, a uma complementação energética e afetiva, acabam funcionando como desafios e questionamentos desnecessários; funcionam como exercedores de pressão, como se cada pessoa fosse uma "quadratura" que nos mantém eternamente vigilantes e atentos às ameaças do julgamento do "outro", e sempre preparados para assumir o papel de vítima, completando a trama das relações de dependência. Quando ousamos sermos nós mesmos, seguir nosso instinto ou coração, a reação que surge não é apenas a angústia existencial: realmente abrem-se as feridas de nossa desconexão com a essência, e temos que nos intoxicar de ilusões, ou de comportamentos típicos de vítima, para suportarmos a dor desta ruptura com a gente mesmo. Como Vítimas, fica mais fácil, a coisa se justifica, redime-se de certa forma. Outros textos de Valdenir Benedetti. |
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