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Um olhar brasileiro em Astrologia
 Edição 114 :: Dezembro/2007 :: -

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A VIDA E O MAPA DA GRANDE PINTORA MEXICANA

Frida Kahlo, a força visceral da dor

Lúcia D. Torres

Marcada por um trágico acidente aos 18 anos e por uma vida inteira de sofrimentos físicos, Frida conseguiu ser, ainda assim, a grande pintora mexicana do século XX. Trágica, apaixonada e genial, ela sintetiza a alma feminina da América Latina.

Hexagrama 65

Propósitos ocultos na profundidade da alma... Desde Frankl estamos buscando, de forma mais objetiva, compreender o que se revela através do absurdo em nossas existências cotidianas. Escolhas que alteram de forma radical os nossos rumos. Encontros que perturbam nossas certezas, descortinam novos sentimentos e trazem novos horizontes. Acidentes que reorientam nossos valores e reduzem nossa auto-importância. O inexorável que nos desnuda diante de tudo, deixando-nos a sós com nossa perplexidade e angústia... simplesmente Plutão, que circunstancialmente nos encontra para nos convidar a sermos nós mesmos. Às vezes, as respostas se apresentam, outras vezes, não. Resta-nos apenas a travessia, por vezes amarga, sempre solitária - saber que somos os resultados de nossas escolhas, conscientes ou não, por vezes não consola nem parece ser suficiente - , resta-nos a sabedoria do poeta:

Quero lhe implorar para que seja paciente com tudo o que não está resolvido em seu coração e tente amar. As perguntas são como quartos trancados e como livros escritos em língua estrangeira. Não procure respostas que não podem ser dadas porque não seria capaz de vivê-las. E a questão é viver tudo. Viva as perguntas agora.Talvez assim, você, gradualmente, sem perceber, viverá a resposta num dia distante. (Rilke)

Há algum tempo, tenho-me debruçado sobre pesquisas em astrologia médica com os trânsitos Júpiter / Plutão. Os resultados têm sido impressionantes. Parte dos estudos desta pesquisa foi apresentada na III Jornada Gaúcha de Astrologia e Transdisciplinaridade (Porto Alegre, outubro de 2007) e ela continua em andamento. O que mostro aqui é um recorte da mesma. Chamei este capítulo da pesquisa de Hexagrama 65, aludindo a poema de Leminski que, me parece, evoca o mapa (e, por extensão, a vida) de Frida:

Hexagrama 65

Nenhuma dor pelo dano.
Todo dano é bendito.
Do ano mais maligno,
nasce o dia mais bonito.
1 dia, 1 mês, 1 ano.

(Paulo Leminski)

Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón nasceu a 6 de julho de 1907, às 08:30, em Coyoacán, subúrbio da Cidade do México. Seu mapa astrológico e sua origem - familiar, social e nacional - já sinalizam as contradições e ambigüidades que matizariam sua existência, marcada pela intensidade, pela paixão e pela dor. Além do Ascendente em Leão, observa-se uma ênfase no signo do luminar noturno (Netuno, Sol, Júpiter) e duas conjunções poderosas na casa XI - Sol / Netuno / Júpiter em Câncer e Vênus / Plutão, estes últimos em Gêmeos. O Sol, conjunto a um Júpiter exaltado, aliado a uma Lua também neste estado cósmico poderiam ilustrar sua tenacidade e gana de viver, apesar de tudo o que passou.

Frida Kahlo - 06.07.1907, 08h30 LMT - Coyoacán, México
099w10, 19n20.

Os fatos marcantes de sua vida, entretecidos pelos trânsitos (principalmente de Júpiter / Plutão) e revoluções solares, enfatizam as duas dinâmicas principais que este mapa oferece, a saber:

  1. conjunção Sol /Netuno XI oposta a outra conjunção Marte-Urano (Capricórnio, casa V); e
  2. conjunção Vênus-Plutão em Gêmeos na XI quadrada com Saturno em Peixes na VIII.

Em que pese que a vida desta mulher seja fascinante e complexa, vamos nos deter aqui, principalmente, nos aspectos que marcaram sua trajetória feminina a partir dos problemas de saúde, fazendo a interface com os trânsitos astrológicos do momento. Como o próprio nome de batismo já profetizava (e este artigo pretende ilustrar), o sofrimento na condição feminina mostra-se à existência de Frida desde a mais tenra idade, golpeando sua vaidade leonina e sensualidade lunar.

Não obstante a etimologia da palavra Frieda (nome teutônico) significar "pacífica", em ressonância com a Lua taurina, ela, mais tarde, vai mudar a grafia do seu nome para "Frida" (nome teutônico que significa "a que protege" - bem compatível para uma canceriana com fortes colorações netunianas). Magdalena (nome aramaico: "cidade das torres") e Carmen (nome latino: "poema"), por sua vez, evocam arquétipos desafiadores, valentes, ferozes e, porque não dizer, trágicos, se lembrarmos a ópera de Bizet e o que nos foi contado acerca da enigmática mulher bíblica - bem apropriados à uma conjunção Vênus-Plutão e a um Sol oposto a uma conjunção Marte-Urano.

Talvez seja interessante comentar, de forma ligeira, algumas questões de sua biografia.

O pai era um judeu alemão, Wilhelm Kahl, que "espanholou" seu nome para Guillermo Kahlo quando chegou ao México, vindo da Alemanha. Já era viúvo quando se casou com uma católica fervorosa (Matilde Calderón). Frida é a terceira filha deles e, em seguida, sua mãe engravidou novamente. Recém-nascida, foi entregue a uma ama-de-leite para ser amamentada. Frida expressa o sentimento profundo de rejeição materna no quadro "Eu a Mamar" (também chamado A Minha Ama e Eu), de 1937. Sua irmã caçula, Cristina, é onze meses mais moça. Mais tarde, estas duas mulheres, a mãe e a irmã, seriam protagonistas de momentos cruciais na vida da pintora.

A efervescência do início do século XX trazia em seu bojo muitas novidades culturais e muitas lutas sociais, além da revisão de costumes, questionamentos sobre os papéis dos gêneros e dos direitos de cada um deles. Desde jovem, Frida já mostrava seu perfil transgressor e rebelde: na foto familiar, veste-se de homem e fica em pé, numa atitude de clara contestação e desafio à cultura da época (Marte conjunto a Urano em Capricórnio na V, opostos a Sol-Netuno em Câncer na XI).

Comenta-se mesmo que, antes dos 20 anos, discutia o viés político de Hegel (tendo passado por Marx) e lia Schopenhauer, alternando-o com Spengler. (Bem mais tarde, tudo isto também propiciaria um encontro inusitado com Leon Trotski e sua esposa, quando os recebeu em casa, dando-lhes guarida da perseguição stalinista).

Aos quinze anos, converte-se em membro de um grupo político que apoiava as idéias socialistas-nacionalistas. Alejandro Arias, seu futuro noivo, era o líder do grupo. É também nesta época que muda a maneira de escrever seu nome, orgulhosamente proclamando ter nascido em 1910.

(Na revolução solar de 1922, encontramos o Ascendente em Peixes, com Netuno em Leão na V, além de uma conjunção aplicativa de Plutão ao Sol, em Câncer, na IV, trigonando com Urano em Peixes na XII).

As questões sociais e políticas (casa XI superenfatizada) permeariam de forma permanente a sua existência, como demonstra a biografia. Tendo o México como berço, um país tão vibrante, passional, multirracial, palco de disputas onde a colonização espanhola (e mais tarde norte-americana) não conseguiu extinguir as fortes influências nativas (principalmente maias e astecas), Frida via espelhado ao redor suas próprias contradições internas, pessoais e familiares (Ascendente em Leão, Sol conjunto a Netuno na XI).

"O que não me mata, me alimenta"

Frida forjou na própria carne a força visceral que a levou a fazer da dor a mais preciosa arma para continuar a viver. Seu corpo foi o palco e o pacto para os prazeres mais secretos e a agonia mais lancinante. Talvez, por isto, sua obra expresse esta passionalidade tão comum à alma das mulheres que encarnam uma Vênus plutônica. Vejamos, agora, quais foram os principais desafios que sofreu sob o ponto de vista da saúde e as conseqüências disto na sua trajetória feminina, observando também as efemérides planetárias que acompanhavam estes acontecimentos.

Aos seis anos (1913), quando Plutão ingressa no signo de Câncer, é vítima de poliomielite. Apesar de nove meses exercitando-se regulamente, o resultado foi uma seqüela na perna direita, que se tornou bem mais curta e delgada do que a outra, e um pé atrofiado... Na escola, os coleguinhas, ratificando a inata crueldade infantil, apelidaram-na de "Frida, perna de pau". Veja a revolução solar deste ano, com o Ascendente em Capricórnio conjunto a Júpiter (que por sua vez, em trânsito, ativava a conjunção Marte-Urano na V oposta a conjunção Sol-Netuno em Câncer na XI). Todos os regentes das casas de saúde (VI, VIII, XII e Ascendente) estavam envolvidos em oposições. A conjunção Lua / Mercúrio em Leão transitava na XII. Desde cedo, a vaidade leonina começou a receber duros golpes...

Frida Kahlo, Revolução Solar para 1913 - Cidade do México

Mas parece que a alma de Frida tinha marcado um encontro especial com o destino, aos 18 anos. (Observe tanto por progressão como na revolução solar, a posição de Plutão, encontrando-se com a conjunção natal Sol-Netuno e a oposição destes a Urano-Marte).

Frida Kahlo, Revolução Solar para 1925 - Cidade do México.

Ao voltar da escola, no dia 17 de setembro de 1925, sofreu um trágico acidente a bordo de um tranvía (mistura de ônibus com bonde) que resultou em inúmeras fraturas (onze somente na perna direita), um defloramento por uma barra de ferro que lhe atravessa o quadril, uma sucessão de trinta operações e intermináveis períodos de convalescença. Mais tarde escreveria em seu diário: "e a sensação nunca mais me deixou, de que meu corpo carrega, em si, todas as chagas do mundo" (Sol / Netuno / Júpiter em Câncer na XI). Sabemos que o acidente aconteceu quando voltava da escola - na falta de precisão, tomamos como padrão a hora média utilizada nestes casos (12h).

Acidente de Frida Kahlo - 17.09.1925, Cidade do México.
Carta calculada para o horário-padrão de 12h.

Robert Hand, em Planets in transit, escreveu:

É crença minha, que não posso "provar" aqui, que há um cerne criativo no interior de cada um de nós que cria ativamente o Universo... Seja inventando cada parte, a partir do nada, seja concordando, de antemão, antes da nossa encarnação física, em jogar determinado jogo, com determinadas regras...

Plutão despedaça tudo o que toca, principalmente quando forma aspecto com Júpiter - sob este trânsito, nossa vida pode mudar radicalmente. Lembre que Júpiter é o planeta associado à capacidade de estabelecimento de símbolos da psique, a inclinação de atribuir sentido a eventos e a estímulos que nos vêm "ao acaso".

No dia do acidente de Frida, Júpiter transitava aos 12 graus de Capricórnio (de novo!!!), acionando a difícil conjunção retrógada Marte-Urano na V oposta a Sol e Netuno em Câncer na XI, que, por sua vez, estavam sendo envolvidos pela inexorável energia de Plutão em conjunção exata com estes dois astros. Como se não bastasse, Urano em Peixes estava em conjunção com o Saturno natal na VIII (intensificando a dinâmica da quadradura com a conjunção Vênus-Plutão em Gêmeos na XI) e recebendo a oposição diária da forte conjunção Sol, Marte, Lua em Virgem (os quais, por sua vez, também reforçavam a quadratura Saturno / Vênus-Plutão já mencionada). Ou seja, aqui Júpiter e Plutão estavam literalmente, frente a frente...

Fatalidade, destino, circunstâncias fora do nosso controle, escolhas inconscientes, programações kármicas, seja como for, seja qual for o nome que nos parecer mais apropriado a estas situações, o fato é que não ficamos incólumes quando somos beijados pela morte. Ninguém volta do mesmo jeito que era depois de uma temporada no Hades:

Nenhuma dor pelo dano.
Todo dano é bendito.
Do ano mais maligno,
nasce o dia mais bonito.

De repente, não mais que de repente, a jovem mulher que tencionava cursar medicina e era noiva se vê confinada a uma cama, a uma série de tratamentos médicos, à solidão das horas e ao abandono amoroso (sim, Alejandro, o noivo, algum tempo após o acidente, anunciou sua mudança para a Europa... bem verdade, também, é que a mãe e a irmã dele nunca aprovaram seu romance com Frida). Neste deserto existencial, forja-se a artista plástica que viria a ser um ícone de seu tempo, posteriormente.

A família, sensibilizada por tamanha desventura, constrói um cavalete especial para que ela pudesse pintar sem se levantar da cama e instala um espelho no dossel, o que lhe valeria muitos auto-retratos ao longo dos anos. "Pinto-me a mim mesma porque estou com freqüência sozinha e porque sou a pessoa a qual melhor conheço".

Ao que tudo indica, e ela mesma percebeu mais tarde, este acidente foi apenas um trailer do que seria a vida de casada ao lado de Diego Rivera. De acordo com suas palavras textuais, "sofri dois grandes acidentes na minha vida: um foi em um ônibus e outro foi Diego".

"Coluna quebrada"

Vida amorosa: sob os auspícios de uma Vênus plutônica



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