Um
olhar brasileiro em Astrologia
Arquivos de Constelar - Edição 04 :: Outubro/1998 :: - |
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ASTROLOGIA, CIÊNCIA E PRECONCEITOO abre-alas da respeitabilidade
Em 1998, no auge do sucesso dos Disk-900 (que depois acabaram
proibidos em todo o país), a Astrologia de boa qualidade via-se
ameaçada, por um lado, pelo rolo compressor de negócios
oportunistas como o de Walter Mercado e congêneres; por outro lado,
eram os conselhos profissionais de médicos e psicólogos
que, brandindo o argumento da "falta de comprovação
científica", lançavam resoluções que
proibiam na prática o contato interdisciplinar entre estes saberes
e as técnicas ditas alternativas. Ó abre alas que eu quero passar, (Chiquinha Gonzaga, 1899) Nas entrelinhas do depoimento de Josilene Sousa pode-se perceber que espécie de expectativa o astrólogo brasileiro, em geral, e o do interior, em particular, alimenta: a de obter do público o reconhecimento de que exerce uma profissão tão respeitável quanto qualquer outra. Na verdade, o astrólogo é visto ainda hoje como o músico popular do início do século: alguém que, em vez de trabalhar de verdade, dedica-se a uma atividade que, para os mais complacentes, poderia ser considerada uma espécie de hobby, e, para os críticos mais severos, só pode ser enquadrada como uma forma de alienação social ou de picaretagem. Nas primeiras décadas do século XX, a festa da Igreja da Penha, no Rio de Janeiro, era o local onde se reuniam os sambistas e os chorões do subúrbio que, com seus violões e instrumentos de percussão, formavam rodas entre as barraquinhas para mostrar uns aos outros as últimas composições. Os shows improvisados duravam apenas até a chegada da polícia: como fazer samba não era considerado trabalho, as autoridades encarregadas da lei e da ordem sentiam-se no direito de reprimir aquelas inequívocas manifestações de marginalidade, mandando prender compositores e instrumentistas, confiscar violões e dissolver rodinhas a golpes de cassetetes. A história da MPB só começou a mudar quando as elites dirigentes descobriram que samba dava lucro. Na medida em que os desfiles de escolas de samba passaram a ser oficializados e incluídos no calendário turístico da cidade, a relações entre os donos de poder e os compositores do morro saíram do ambiente das delegacias de polícia e ganharam como novo cenário os escritórios dos produtores artísticos e dos empresários da indústria fonográfica. Da mesma forma, até pouco tempo atrás, interpretar cartas astrológicas e fazer previsões caracterizava um delito previsto nos códigos. Se bem que raramente aplicado, o dispositivo deixava bem claro o que a sociedade constituída achava dos tradutores de estrelas. Lugar de astrólogo era a mesma vala comum onde iam parar as cartomantes, os intérpretes de sonhos e as "madames" que viam o futuro em bolas de cristal. Aos poucos a situação vem mudando, mas as relações entre a sociedade respeitável e a comunidade astrológica ainda se revestem de um tom fortemente ambíguo. No início do século XX, a maestrina Chiquinha Gonzaga (foto) despertava junto à sociedade carioca o mesmo tipo de reação. Tratava-se de uma artista duplamente discriminada, por ser mulher separada e independente e por ganhar a vida tocando num conjunto de música popular. Ninguém deixava de reconhecer-lhe o enorme talento e, vencidas as primeiras resistências, as famílias passaram a contratá-la para animar bailes e saraus - desde que não puxasse conversa com as moças da casa e desde que os músicos entrassem pela porta dos fundos. Astrólogos podem hoje escrever em jornal, aparecer na televisão (onde são exibidos como seres exóticos), podem contribuir para aumentar índices de audiência e vender sua força de trabalho para animar feiras esotéricas em shopping centers. Mas a porta das universidades, dos centros de pesquisa e das bolsas de estudo oficiais continua fechada. Este quadro pode ser indiferente para os que estão de olho apenas no lucro, não se importando com a pecha de charlatanismo. Mas para os astrólogos que lutam para ampliar a própria qualificação técnica, que se dedicam à área da pesquisa e tentam estabelecer parâmetros de qualidade para as práticas de consultoria e de ensino, as dificuldades ainda são muitas. Convívio com a comunidade acadêmica? Nem pensar. Que o digam as resoluções baixadas pelos Conselhos Federais de Psicologia (em 1997) e de Medicina (em agosto de 1998) que ameaçam de processo, advertência e cassação de registro os filiados que macularem seu exercício profissional com a prática da Astrologia e de dezenas de outras técnicas ditas alternativas. O argumento - como sempre - é o da defesa dos interesses da população, que não pode ser confundida com a mistura entre saberes "comprovados cientificamente" e "conhecimentos ainda não validados". Que tipo de Astrologia praticam os profissionais que agora estão sob a mira dos Conselhos? Alguém conhece casos de médicos ou psicólogos prestando atendimento astrológico num serviço de disk-900? Na verdade, as referidas resoluções não visam a coibir a Astrologia fast-food praticada por gente despreparada ou interesseira. Ao contrário: atingem exatamente os núcleos de excelência, as boas escolas, as associações de classe que, nos últimos vinte anos, conseguiram estabelecer pontes interdisciplinares com pesquisadores de outras formações. No fundo, tais resoluções não estão sequer voltadas contra astrólogos ou terapeutas ditos alternativos, mas contra os próprios médicos e psicólogos que, numa onda crescente, questionam a mentalidade reducionista e mecanicista dos modelos convencionais de atenção à saúde. E por que esse questionamento é indesejável? Porque leva à experimentação de novas práticas que contradizem o interesse das multinacionais da indústria farmacêutica e a lógica mercantil dos planos de saúde. Basta verificar que a fitoterapia e os florais também foram incluídos no pacotaço decretado pelo CFM. Fitoterápicos são baratos, podem ser obtidos com tecnologia acessível e permitem o desenvolvimento de uma medicina genuinamente brasileira. O mesmo quanto aos florais de Minas e do Agreste. A Astrologia é perigosa porque, nas mãos de um médico ou psicólogo, tem recursos de diagnóstico que reduzem a necessidade de caros exames laboratoriais e de longos processos de anamnese. É inaceitável porque não cabe na moldura dos planos de saúde, com suas consultas de dez minutos. Já os disk-900 são tolerados porque, no fundo, têm a mesmíssima estrutura empresarial das organizações de prestação de serviço que contam com o aval dos Conselhos de Psicologia e de Medicina: investem na padronização de procedimentos, praticam a economia de escala e geram lucro rápido.
A Astrologia só interessa enquanto puder ser transformada em mercadoria descartável. Só pode ser consentida na medida em que não contamine outras áreas de conhecimento e não gere questionamentos indesejáveis. Cabe a ela animar a festa da sociedade de consumo, desde que entre pela porta dos fundos. E, para manter tal status quo, é preciso fazer a opinião pública acreditar que todos os astrólogos brasileiros são clones de Walter Mercado. Os médicos homeopatas e os acupunturistas conhecem muito bem essa história. No caso da homeopatia, a luta pelo reconhecimento profissional começou no Brasil em 1841 e, logo de saída, gerou uma violenta polêmica seguida de um longo processo judicial (veja na matéria seguinte). Foram precisos 130 anos para que a homeopatia pudesse ser institucionalizada como especialidade médica. E, mesmo depois disso, a perseguição continua. Há alguns anos, a polícia andou invadindo farmácias para confiscar medicamentos produzidos a partir do princípio ativo de substâncias entorpecentes. A cannabis sativa diluída e dinamizada, incorporada ao repertório homeopático há mais de 150 anos, foi tratada como se fosse a mesma maconha vendida nas bocas de fumo. No depoimento de Josilene Sousa, observa-se um toque de entusiasmo missionário. Como todo astrólogo, ela percebeu muito cedo que não precisava apenas provar que podia ser uma boa profissional: precisava fazer uma cruzada para provar que sua profissão existe. Esta cruzada - verdadeiro trabalho de formiguinhas - vem sendo conduzida incessantemente por astrólogos de todo o país, há várias décadas. Os primeiros resultados começam a aparecer: os Conselhos de Psicologia e de Medicina já decretaram nossa segregação, da mesma forma como, na virada do século, as famílias respeitáveis proibiam suas filhas de estudar piano com Chiquinha Gonzaga e os produtores de teatro condicionavam o aproveitamento das composições da maestrina ao uso de um pseudônimo masculino. Alguns anos mais tarde, a música de Chiquinha chegava ao próprio Palácio do Catete, tocada em público pela primeira-dama Nair de Teffé, esposa de Hermes da Fonseca. Da mesma forma, o abre-alas dos que falam de estrelas ainda vai invadir alguns salões proibidos. É questão de tempo. Outros textos de Fernando Fernandes. |
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