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ASTROLOGIA E CULTURA DE MASSA

Hulk, o herdeiro do lobisomem

Fernando Fernandes

 

Hulk é um produto da cultura de massa que evoca lendas e imagens persistentes no imaginário popular, a começar pelo lobisomem, pela história de O Médico e o Monstro e por outras figuras igualmente assustadoras.

Receita prática para identificar um lobisomem

O enfoque na sexualidade ajuda a entender por que personagens como o Hulk encontraram tanta ressonância entre o público masculino adolescente e pré-adolescente (alguém conhece alguma menina fã do Hulk?). Mas as raízes do personagem são mais fundas. Mergulham na escuridão dos tempos e identificam-no com uma sinistra figura presente no imaginário dos povos europeus e que também muito apavorou nossos ancestrais brasileiros. É claro que estamos falando do lobisomem.

Nascido em 1832, em Campanha, sul de Minas Gerais, e falecido em 1893, Francisco de Paula Ferreira de Rezende foi advogado, fazendeiro de café, deputado provincial em duas legislaturas e Ministro do Supremo Tribunal Federal, no início da República. Por volta de 1890, escreveu Minhas Recordações, livro de memória em que um inteiro capítulo é dedicado ao relato das lendas contadas pela preta Margarida, sua ama de leite. Deste capítulo, retiramos o trecho que trata das crenças populares sobre o lobisomem.

Um lobisomem é uma espécie de alma penada que debaixo da forma de um cão preto, em certos dias do ano, sempre de noite e quase sempre em sexta-feira, são condenados a vagar pela terra e a correr o seu fadário. (...) Se alguém chega a ser mordido pelo lobisomem, imediatamente torna-se também lobisomem. Entretanto que este é insensível e invulnerável às armas de fogo e não pode ser ferido ou vencido senão a ferro frio. Eu não sei bem se todos os lobisomens são homens. Mas o que eu sei é que há homens ainda vivos que já são lobisomens. Sendo bem certo que, assim como se uma mulher tem sete filhas seguidas, a mais velha torna-se bruxa, assim também, se, em vez de filhas, são sete filhos que ela tem seguidos, o mais velho torna-se infalivelmente lobisomem. (...)

Tipos marcianos macilentos e sujeitos a enxaquecas são os candidatos ideais a lobisomem. Acompanhe a transformação em Carlos Hollanda.

De acordo com esta curiosa descrição, o lobisomen - tal como o Hulk - é um ser hipermasculino, na medida em que sua gênese está relacionada a uma série ininterrupta de sete filhos homens. Gerar tantos machos talvez seja entendido como uma afronta ao equilíbrio da natureza, do que resultaria uma punição. Esta se dá pela transformação do filho mais velho numa espécie de "cão preto" (ou lobo, em outras versões), sendo que tanto o princípio masculino no ser humano quanto lobos e cães ferozes são igualmente regidos por Marte. O lobisomem seria, assim, um Marte exacerbado, desequilibrado. O dia da semana em que é condenado a vagar pela terra é exatamente a sexta-feira, atribuída a Vênus desde tempos remotos. Basta lembrar que sexta-feira, em espanhol e francês, é, respectivamente, viernes e vendredi, termos que significam dia de Vênus.

Marte e Vênus, em condições normais, são opostos complementares. Em condições de desequilíbrio, o contato entre os dois princípios conduz à exaustão, como se depreende da continuação do relato do ministro do Supremo Tribunal Federal, que fecha com uma revelação surpreendente:

O lobisomem, desses pelo menos que andam entre nós e que portanto podem ser vistos de dia, é um homem mais ou menos macilento, de um caráter mais ou menos macambúzio, e que, em certos dias do mês ou do ano, se encerram em casa e como que desaparecem. Esses encerramento, que é mais ou menos periódico, dá-se justamente no tempo em que eles têm que correr o seu fadário, o que, de ordinário, tem lugar desde meia-noite até o primeiro cantar do galo. Como, porém, o fadário do lobisomem é o efeito de uma grande desgraça ou um castigo terrivelmente mortificante, no dia ou nos dias que se seguem à noite em que ele tem de correr, o pobre desgraçado não tem remédio senão conservar-se encerrado e muitas vezes de cama, para poder descansar, reparar as forças e disfarçar os vestígios de uma tão grande atormentação. Em suma, o que de tudo isso se colige é que infinito deve ser o número dos lobisomens que andam a vagar por este mundo, pois que, mesmo sem falar em todos esses cuja multidão deve ser enorme, mas que nos são mais ou menos invisíveis; pode-se, sem medo de errar, estabelecer como um princípio verdadeiramente inconcusso que, se todos aqueles que sofrem de uma enfermidade chamada enxaqueca não são outros tantos lobisomens, eles, pelo menos, com os lobisomens se parecem como um bicho a outro bicho ou como duas gotas d'água.

Eis então a técnica infalível para reconhecer lobisomens: todo homem macilento com enxaqueca é um lobisomem em potencial! Se lembrarmos que a enxaqueca é a dor ariana por definição (atinge o rosto, a testa, as regiões arianas do corpo), mais uma vez observaremos a ligação do lobisomem com o simbolismo de Marte/Áries. Por outro lado, a natureza compulsiva, noturna e atormentada deste estranho ser remete ao outro signo marciano, Escorpião.

Vemos assim que a história do Hulk tem uma forte base mítica, já que aproveita a espinha dorsal da lenda do lobisomem, presente em todas as culturas européias e daí transplantada para as Américas do Norte e do Sul. Esta nesma lenda já ganhara roupagem moderna desde o século XIX, ao servir de ponto de partida para a criação de um dos clássicos da literatura de terror, a novela O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson. Publicada em 1886, conta a história do Dr. Henry Jekyll, um médico respeitável que passa a ter uma personalidade dupla como conseqüência de um experimento em que ele foi, ao mesmo tempo, autor e cobaia. A contraparte perversa do Dr. Jekyll é o sinistro Mr. Hyde, um ser absolutamente sem escrúpulos.

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