O Incrível Hulk simboliza uma das facetas
da liberação sexual dos anos 60, sob o trânsito
de Plutão em Virgem. Nele pulsa a efervescência adolescente
e o instinto de preservação da espécie frente
ao risco da guerra nuclear.
Hulk, o personagem que atualiza o velho tema da história
do médico e do monstro, é uma criação
da editora Marvel Comics, a mesma que tornou famosos personagens
como o Homem-Aranha, Thor, o deus do trovão, o Homem de Ferro,
Demolidor e os mutantes X-Men. A Marvel é responsável
pela grande explosão dos quadrinhos na década de 60,
mais precisamente a partir de 1961, quando da criação
do Quarteto Fantástico, e ao trazer de volta da década
de 40 os sucessos Namor (o Príncipe Submarino) e o Capitão
América. Stan Lee, o criador da maioria dos personagens do
universo Marvel, fortaleceu extraordinariamente o tom mitológico
das narrativas, em especial no que tange aos aspectos subliminares
envolvendo os mitos greco-romanos e escandinavos. Homem-Aranha,
Hulk, Surfista Prateado e X-Men, ao surgirem como super-heróis
desajustados e cheios de conflitos, foram verdadeiras revoluções
sobre um produto que apresentava apenas heróis bonitinhos,
infalíveis e sem uma problemática humana.
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Na capa do primeiro Hulk
é possível observar claramente a data: 1°
de maio [de 1962]. Foto: divulgação. |
O Incrível Hulk retrata o temor norte-americano
diante da possibilidade do descontrole na fabricação
e uso de armas nucleares, posto que o personagem originou-se da
explosão de uma bomba de radiação gama. Na
história original, Bruce Banner era o responsável
pelo projeto do exército norte-americano e testava sua bomba
no deserto do Novo México. Rick Jones, um adolescente tentando
provar sua coragem, estava bem próximo do local onde seria
feito o teste nuclear. Bruce, sentindo-se responsável pela
vida do garoto e já não podendo interromper a iminente
explosão, conseguiu salvá-lo, jogando-o numa vala
[1]. Mas o cientista não teve
a mesma sorte e absorveu a radiação, sendo alterado
geneticamente. Aqui está implícita uma relação
bastante curiosa entre o potencial múltiplo de destruição
do mundo pelas potências nucleares e a necessidade animal
de reprodução da espécie humana. Em geral,
as espécies, quando ameaçadas em sua existência,
tendem a proliferar mais, e isso não exclui a espécie
humana. De fato, a década de 60 foi, ao mesmo tempo, marco
de uma paranóia mundial de destruição em massa
e a década do apogeu do baby boom, que tivera seu início
no pós-Segunda Guerra. E isso ocorreu mesmo com o uso de
anticoncepcionais [2]. Como veremos
mais adiante, o Hulk representa um princípio fálico.
Símbolos de sexualidade:
a efervescência adolescente
O Hulk, tanto quanto o Homem-Aranha, apresenta alusões
ao desenvolvimento sexual da adolescência, à potência
masculina e à questão da auto-afirmação.
O próprio corpo do Hulk é um símbolo fálico
em ampla demonstração de potência. Bruce Banner
se irrita (ou seria melhor dizer: "se excita"?), incha,
cresce, enrijece os músculos, mostra-se potente e resistente.
Após extravasar sua fúria ele retorna ao estado original.
É um paralelo com o clímax de uma ereção
e a ejaculação, que faz com que o pênis retorne
à normalidade.
Com esta alusão ao falo, vemos que o monstro
verde não poderia deixar de ser associado a uma grande ênfase
nos significados de Marte. Os paralelos não terminam por
aí. O exército, outra representação
marcial, faz de tudo para liquidar o monstro, assim como a sociedade
e a própria relação edipiana do jovem com o
pai ou com homens de idade superior mostra-se uma verdadeira batalha
entre a repressão da sexualidade/individualidade e tal força
emergente. É um complexo Saturno-Marte de castração
da libido.
É oportuno ressaltar que embora o Hulk cresça
muito em tamanho, perca suas camisas e sapatos, as calças,
apesar de rasgadas nas extremidades, permanecem cobrindo suas partes
pudendas. E mesmo com toda a brutalidade do monstrengo elas não
se desfazem. Isto também faz parte do sentido repressor da
sexualidade, mas o Hulk representa o emergir da mesma não
apenas nos indivíduos, mas em toda a sociedade. Não
se pode esquecer que ele foi criado em 1962, início de uma
década onde a liberação sexual chegou com toda
a força pelo uso dos anticoncepcionais e pela popularização
de pensadores como Herbert Marcuse [3],
com interpretações filosóficas do pensamento
de Freud.
Nos quadrinhos originais, Rick Jones, o adolescente
salvo por Bruce Banner, é quase um segundo alter-ego do gigante
verde. Nas primeiras aventuras do personagem ele monta nos ombros
do Hulk e, de uma certa forma, guia-o em cada empreitada. O Hulk
fica literalmente entre as pernas do rapaz, numa sutil indicação
de que as ações de Rick são motivadas por um
gigantesco falo (verde, mas com calças vermelhas). Convém
recordar que Bruce Banner muda de personalidade quando se torna
Hulk. Toda a timidez e delicadeza dão lugar a um comportamento
ao mesmo tempo destrutivo e espontâneo, que toma para si aquilo
que deseja. O paralelo real com esta mudança fictícia
é o fato de que o comportamento masculino também é
alterado de acordo com o nível de testosterona no sangue.
Tal nível é muito alto na adolescência, diga-se
de passagem, mas em qualquer idade todo homem estimulado por este
hormônio tende a um comportamento menos retraído, mais
agressivo, sentindo-se mais capaz para a conquista sexual. Dependendo
do quão forte é o estímulo e de quais circunstâncias,
alguém muito tímido pode vencer sua barreira interna
e aparentar extroversão para conseguir obter favores de uma
"fêmea". A mudança comportamental é
bastante visível. É a manifestação do
Hulk que todo homem tem dentro de si, isto é, é o
Marte em busca de sua Vênus ou o guerreiro ariano buscando
satisfação num acolhedor leito taurino. São
ainda aspectos marcantes da adolescência a insatisfação,
a insegurança e a agressividade. Nada mais Hulk-Rick Jones
do que isto.
NOTAS:
[1] No recente filme de Ang
Lee, a situação é ligeiramente modificada,
mas mantendo o sentido do original.
[2] Outro bom exemplo desta relação entre ameaça
de mortalidade, mortalidade de fato e natalidade está recente
edição do Correio Braziliense, onde há
um artigo sobre a expectativa de um novo baby boom após
os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque.
[3] Herbert Marcuse - Filósofo judeu alemão
(Berlim, 1898 - Munique, 1979). Suas obras criticam a civilização
industrial (Razão e revolução: Hegel e o
advento da teoria social, 1941; Cultura e sociedade,
1965, 1966). Em 1934, perseguido pelo nazismo, emigrou para os E.U.A.
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