O Lobo Mau não era
um estuprador
CONSTELAR - Nos anos setenta, as escolas de teatro
eram uma espécie de espaço de liberdade, onde se discutia
e se fazia muita coisa que não podia ser levado ao público,
em função da censura. Neste sentido, como era o Tablado?
Por exemplo, quanto à questão da droga?
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O cartaz lembra A bruxinha que era boa,
um dos maiores sucessos do Tablado. |
MÁRCIO - Nunca ouvi falar de drogas no Tablado,
acho que por causa da autoridade moral da Maria Clara. Não
que ela fizesse sermão, nunca fez. Mas era uma questão
do próprio comportamento dela, que acabava levando todo mundo
a respeitar a instituição. Na época, a impressão
que se tinha de atores e estudantes de teatro era a pior possível.
Mas, em relação ao Tablado, a atitude dos pais era
diferente. Eles confiavam seus filhos à orientação
da Maria Clara.
CONSTELAR - Ela era ciumenta com os alunos? Tinha
essa história de "o ator fulano de tal fui eu que descobri"?
MÁRCIO - Não. Era um pouquinho controladora
em relação aos alunos, mas não os impedia de
crescer. Mas achava que não devíamos misturar as coisas,
queimar etapas. Por exemplo, ela não via com bons olhos que
eu fosse aluno do Tablado e ao mesmo tempo já estivesse fazendo
teatro profissional. Por outro lado, recomendava os alunos a diretores
e produtores, quando achava que estavam prontos, e ia ver os espetáculos
dos ex-alunos. Não me lembro de vê-la fazendo críticas
destrutivas, nem diminuindo o trabalho de ninguém. Era uma
profissional absolutamente ética. Mas a nós, alunos,
ela criticava sim, era muito exigente quanto ao nosso desempenho
nos exercícios e jogos dramáticos.
Outra coisa boa que absorvi no Tablado foi a disposição
para colaborar. Ela estimulava muito a colaboração
voluntária entre atores.
CONSTELAR - As peças de Maria Clara sempre
têm uma ênfase muito grande na ação, em
enredos cheios de peripécias. Parece que ela era mais preocupada
com o pique do espetáculo do que com as "sacações
cerebrais" dos anos 60 e 70, não?
MÁRCIO - Ela dizia que todo espetáculo
teatral devia ter um "Acorda, Pascoal". É uma referência
ao Pascoal Carlos Magno, embaixador e apaixonado pela arte, filantropo
que construiu um teatro dentro de casa (o Duse, em Santa Teresa).
Só que Pascoal já tinha uma certa idade e sempre acabava
dormindo quando via os espetáculos. O que a Maria Clara chamava
de "Acorda, Pascoal" era uma quebra de ritmo no espetáculo,
alguma coisa imprevista que pegasse a platéia de surpresa,
desse um susto, evitasse que tudo caísse na mesmice. Essa
idéia do "Acorda, Pascoal" me marcou muito e usei
demais.
Houve uma época que acusavam os textos de
Maria Clara de serem pouco infantis. Mas ela dizia que a criança
não era débil mental. É um ser que tem suas
fantasias e tem também o direito de abrir mão delas
por livre vontade.
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Márcio Luiz (à direita, participando
de manifestação cultural em Roma), desenvolveu
a técnica do teatro-debate, onde a improvisação
tem grande importância. Sua escola de teatro, fundada
no Rio de Janeiro em 1982 com o nome de Teatro-Vida, ganhou
nos anos 90 uma filial em Latina, na Itália, e destaque
na imprensa local (acima). |
CONSTELAR - Os grupos de teatro infantil dos anos
setenta tinham umas discussões que chegavam a ser nonsense
de tanta elucubração teórica. Como a Maria
Clara reagia a isso?
MÁRCIO - Lembro de uma discussão uma
vez, durante uma aula, em que começamos a discutir a sexualidade
da Chapeuzinho Vermelho e do Lobo Mau. Teve gente na turma sugerindo
que a história pode ser vista como um estupro, essas coisas.
Aí a Maria Clara se colocou contra, dizendo que essa discussão
não fazia sentido do ponto de vista da fantasia infantil.
Ela não via a criança como débil mental, mas
também não a via como um adulto em miniatura, cheio
de traumas e intenções eróticas. Não
estava preocupada em fazer uma abordagem psicanalítica da
mente infantil: simplesmente sintonizava com a criança e
embarcava na sua temática.
Maria Clara era muito observadora. Uma vez, e eu
tinha uns 15 anos, no máximo, ela comentou que eu ainda seria
diretor. Minha vontade era a de ser ator, a minha e a de todo mundo
que estava lá, mas o observação dela realmente
se concretizou.
A improvisação
no mapa de Maria Clara
A importância de Saturno na dramaturgia
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Introdução
Tablado: Como se fosse o baú da vovó...
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