Como se fosse
o baú da vovó...
CONSTELAR - Por que o Tablado era tão especial
em comparação com as outras escolas de teatro?
MÁRCIO - Uma das diferenças é
que a Maria Clara tinha um teatro próprio, que já
dava ao ator a possibilidade de praticar e se apresentar para o
público. Os espetáculos que ela fazia eram muito bons,
ela praticamente foi a fundadora do teatro infantil no Brasil.
|
Uma rápida pesquisa na Internet revelou
notícias e fotos de montagens recentes de Pluft, o
Fantasminha de Roraima ao Rio Grande do Sul. Para ilustrar,
eis duas fotos de divulgação de montagens em Brasília,
respectivamente dos grupos Neia e Nando (acima) e de ex-alunos
da Escola de Teatro da UnB (abaixo)... |
|
...Mas também poderia ser em Santarém,
Uberlândia, Ponta Porã ou Feira de Santana. A magia
das peças de Maria Clara Machado não se desgasta
com o tempo. |
CONSTELAR - Qual era a metodologia de trabalho de
Maria Clara na formação do ator?
MÁRCIO - O tempo inteiro ela estimulava a
imaginação. O forte do curso era a improvisação.
Ela desenvolvia no ator uma capacidade de resolver problemas cênicos,
de reagir criativamente ao desafio do palco. Éramos todos
adolescentes, e Maria Clara era uma mestra para lidar com essa faixa
de idade.
CONSTELAR - O que você quer dizer exatamente
com "reagir criativamente ao desafio do palco"?
MÁRCIO - Só pra exemplificar: um dos
exercícios do curso era imaginar que havia um vaso com uma
florzinha, e que de repente a florzinha começava a crescer,
crescer, crescer, e virava uma planta carnívora monstruosa,
que assustava todo mundo e botava todos para correr. Pra entrar
na proposta do exercício já era preciso soltar a imaginação,
embarcar na fantasia.
CONSTELAR - Os exercícios de improvisação
dos Cadernos de Teatro que o Tablado editava influenciaram
praticamente todos os professores de Educação Artística,
não?
MÁRCIO - Sem dúvida. Fiquei lá
dois anos, e a experiência do Tablado me ajudou muito nos
primeiros passos do teatro profissional, além de influenciar
minha atuação mais tarde como professor de teatro.
Mesmo como ator e diretor de espetáculos, sempre usei muito
o recurso da improvisação, que aprendi a valorizar
com a Maria Clara.
CONSTELAR - No contato pessoal, como ela era?
MÁRCIO - Era uma pessoa cativante, porque
defendia com muita veemência a fantasia da criança.
Dizia que, se a criança acreditava em Papai Noel ou em contos
de fada, não temos que destruir isso e obrigá-la a
ser adulta precocemente. Ela era uma cúmplice da imaginação
infantil.
CONSTELAR - Esse é o lado mais empolgado,
mais passional. Mas não havia também um lado sério,
cobrador?
MÁRCIO - Maria Clara tinha muito convicção
no que fazia, era muito apaixonada e passava essa paixão
pra nós. Ao mesmo tempo, era muito rigorosa. Ela ensinava,
por exemplo, que teatro é rito, é concentração.
Adquiri com ela a consciência de que é preciso respeitar
a experiência que está sendo vivida no palco. Entrar
no teatro é como entrar na igreja, é quase uma vivência
sagrada. A Clara nos ensinava a entrar no ensaio do colega, por
exemplo, com respeito, em silêncio, de forma disciplinada.
E também era muito reservada. Pensando bem, percebo agora
que não sabíamos nada de sua vida pessoal, é
como se ela vivesse para o teatro. Por outro lado, também
respeitava muito os limites pessoais de cada um. A Clara era muito
alegre, e o Tablado era um lugar aconchegante. Mas o ambiente do
Tablado não era uma farra.
CONSTELAR - Severo mas aconchegante...
MÁRCIO - Pra nós era como se fosse
o baú da vovó, o sótão da casa, uma
espécie de mistério. Eu ia para as aulas numa expectativa
gostosa, de qual seria a descoberta que iria fazer naquele dia.
O teatro que Maria Clara propunha tinha essa profundidade, havia
sempre alguma coisa a descobrir. Lembro que atores adultos e já
consagrados às vezes voltavam ao Tablado para participar
de alguma montagem.
O Lobo Mau
não era um estuprador
A improvisação no mapa de Maria
Clara
A importância de Saturno na dramaturgia
Navegação reversa:
Introdução
|