A falácia do trabalho
e da responsabilidade
Tal mudança de um "cosmo sagrado",
panteísta, à "monoteização",
levou-nos à secularização do trabalho em detrimento
do lazer e do prazer. Encarando a si mesmo apenas como "instrumento
de progresso" de forma compulsiva, urgente e competitiva, ignorando
a importância da criatividade, do bem-estar e do lazer, o
homem termina por retirar todo o sentido de sagrado que existe no
trabalho. E é a perspectiva do sagrado que confere satisfação
pessoal, e não apenas o trabalho em si. Tal perspectiva reflete,
ainda, a concepção religiosa ocidental que diz que
"a vida é trabalho, a vida é labor e sofrimento".
Mesmo em filosofias ditas mais alternativas, a Terra é
encarada como "um planeta de expiação e de queima
do karma".
Curiosamente, este mesmo homem moderno que corre para ganhar o tempo
que nunca tem, ao buscar situações de lazer tenta
"matar" o tempo de forma compulsiva - a mesma compulsividade
com que aborda seu trabalho. A diversão precisa ser "bem
sucedida", porém está frequentemente carregada
de culpa e destituída de alegria. E o trabalho, vazio de
prazer.
Esta forma de viver está em total desarmonia com a lógica
natural segundo a Astrologia: a Casa 6, do labor e do trabalho aplicado
ao cotidiano, vem após a Casa 5, do lazer, da diversão,
da criatividade e do romance. É mais do que lógico
que nossos mais bem-sucedidos trabalhos venham da diversão,
mas infelizmente não é assim que o homem tem vivido.
Há uma separação bem nítida entre uma
coisa e outra, quando na verdade o trabalho deveria ser uma extensão
do lazer.
Do mesmo modo vemos como esse problema arquetípico de Casa
5 - Casa 6 afeta a polaridade: nossa visão de Deus (Casa
12) afeta todo o grupo humano (Casa 11).
Ao alienar-se do sagrado e da natureza (externa e interna), o homem
moderno está ameaçado de perder a oportunidade de
construir sua própria alma e imprimir sentido à própria
vida. Ao alienar-se da natureza lúdica, sensual e hedonista
de Pan, o homem está arriscado a se tornar um autômato,
um escravo da produção.
A pergunta que todos deveríamos nos fazer, é: produzir
para quê? Se não há senso de sagrado (Casa 12)
e de prazer (Casa 5), não pode haver nem produção
eficiente (Casa 6), nem integração com o grupo maior
da Humanidade (Casa 11).
A dominação
do pensamento ocidental
Os três primeiros mandamentos judaico-cristãos
descortinam ao homem uma nova realidade: uma divindade separada
do homem. Esta mesma "divindade" teoricamente moldou e
elegeu o homem como o único beneficiário das promessas
divinas, da glória e da própria Terra. No princípio,
a ordem era: "a imagem desta divindade jamais poderá
ser reproduzida, deve ser apenas adorada". Psicologicamente
falando, todavia, o homem tem necessidade do elemento da imaginação
(imagem em ação), o homem tem a necessidade e o direito
de simbolizar o seu sentimento de sagrado, e isso se expressa através
da arte, da música, da poesia, da literatura e das imagens
míticas, simbólicas, folclóricas. Como pode
ser visto, mesmo na igreja católica a sutil lei do "não
representarás" caiu por terra, porque representar é
uma necessidade humana, e as imagens existem, o teatro fervilha,
a poesia pede passagem, os mitos reclamam seu direito de expressão.
O próprio mapa astral pode ser encarado como um "Teatro
dos Deuses", o nosso script pessoal, a peça que representamos.
O sagrado foi limitado ao conceito que James Hillman chama de "espírito"
- os altos picos nevados, distantes, longínquos. Na própria
tradição astrológica vemos o sagrado transferido
quase totalmente para as Casas 9 e 12, e esta é, ao meu ver,
uma grande falha. O Sagrado se manifesta sobretudo na realidade
cotidiana. As experiências do sagrado, na forma de manifestações
concretas e materiais, tais como bosques, animais e elementos do
imaginário, as coisas da alma, são declaradas malignas.
Ou seja: a imaginação simbólica foi banida.
Pan virou o diabo e passamos a sofrer de PANico.
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Uma pintura idealizada
de Pã e Psiquê.
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Na medida em que esse Deus inatingível das
Casas 9 e 12 se tornou a representação simbólica
sem rosto do "bem absoluto", coube à natureza humana
carregar consigo a projeção do "mal" - o
que exprime a implacável inimizade existente entre o mundo
patriarcal e a realidade matriarcal da "Grande Mãe",
resgatada pelos círculos Wicca. Pois mater, que é
matéria, também é mãe
ou feminino, a experiência do êxtase sensual,
a carne instintiva. A mulher, dentro do pensamento ocidentalizado
e sobretudo no pensamento judaico-cristão, tornou-se a instigadora
do mal, a perversora do homem. Mas, sutil que é, conseguiu
infiltrar-se na mitopoética cristã na forma da Imaculada
Virgem Maria...
Poderíamos viajar mais ainda, e concluir que
se Deus e a Verdade estão nas casas 9 e 12, o que está
nas casas 3 e 6 é o diabo? Ora, afinal o regente das Casas
3 e 6 não é Mercúrio, a equivalência
romana do nórdico Loki, o Deus da Mentira?
O problema é que qualquer "imagem de
Deus" que se submeta a uma casa específica é
uma imagem dividida, não-integral, que desconsidera O Todo.
O Sagrado está em todo o mapa, e não apenas num ou
noutro aspecto, numa ou noutra casa.
E apesar de estarmos condenando no homem ocidental
esta separação do seu lado instintivo, há de
se reconhecer a inevitável necessidade de livrar-se do modelo
da Grande Mãe. A fim de estabelecer uma personalidade independente,
a humanidade teve de se render a um modelo patriarcal único,
esquecendo-se dos poderes da realidade da natureza que nos rodeia,
"os deuses que também são animais, plantas, pedras,
lugares e tempos", como cita Edward Whitmont em seu Psique
e Substância. Ele teve que "dominar essa terra"
e transformá-la num serviçal do eu. Podemos entender
esse processo como a transição necessária de
um estado indiferenciado (feminino) até uma atitude mais
distinta, mais individualizada (masculino).
A questão emergente agora é que esse
movimento tem ultrapassado os limites. Urge agora a busca de uma
via de integração, onde a realidade não é
masculina ou feminina, mas andrógina, como nos recorda bem
a imagem assexuada de Aquarius, símbolo da nova era em que
estamos entrando. A atual erupção da bissexualidade
pode ser interpretada, sob este ponto de vista, como uma teatralização
do androginato arquetípico - e isso também é
Sagrado.
Visão herética:
a alquimia resgatada
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