Ao colocar em departamentos estanques o homem,
a natureza e o sentido do sagrado, o pensamento ocidental perdeu
a noção do Todo e fragmentou a experiência vivencial.
A reflexão astrológica corre o risco de apenas reproduzir
a ideologia dominante, que justifica a degradação
ambiental e torna o homem escravo de um modelo produtivo alienante.
Para cumprir seu papel libertador e integrativo, a Astrologia precisa,
a exemplo da alquimia e da homeopatia, assumir o papel de intérprete
da natureza.
Religião e crise
ambiental
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Dentro de uma visão holística, é
quase consenso o fato de que a rejeição da crença
pagã, que diviniza a natureza, em prol da linha de pensamento
monoteísta, onde o homem é o centro e a natureza sua
"serva", contribuiu para a superpopulação,
a poluição do ar e da água e outras ameaças
ecológicas. Considerando-se o "ser supremo" que
caminha sobre o planeta com as bênçãos de Deus,
o homem abusa deste título e desconsidera o sentimento de
unidade. A própria representação imagética
da natureza (Pan) passou a ser a representação do
diabo cristão, com suas patinhas de bode e chifres, assombrando
virgens donzelas. A natureza tornou-se "o mal" a ser dominado.
A Astrologia nos oferece uma outra forma de ver, resgatando o sentido
de que todas as coisas estão intrinsecamente relacionadas,
que tudo é espelho de tudo. A visão holística
é a própria visão de Pan, que, como holos,
significa O Todo.
A transformação da natureza no "mal" reflete
perfeitamente a tendência humana de rejeitar a sua verdadeira
natureza íntima. Todo sofrimento, toda dor intensa advém
quando o indivíduo se afasta de sua verdadeira natureza,
que pode ser identificada, ou ao menos "esclarecida",
através da interpretação das posições
planetárias relativas ao momento do nascimento - o chamado
mapa astral. O tempo todo estamos agindo segundo modelos
comparativos, ou tentando nos adequar a um senso de "normalidade
social". Parafraseando Pierre Weil, "o mal do século
XX é a normose, a ansiedade de ser normal".
Sendo a Astrologia uma ciência-arte uraniana, ela já
começa nos ensinando que todas as coisas manifestas no Universo
possuem suas idiossincrasias e particularidades, e que "normal"
é uma questão de ponto de vista, ambiente e época.
É ao rejeitar sua singularidade, sua "natureza real",
que o ser humano se desconecta de Pan, o deus do Todo, mestre da
natureza.
Durante vários séculos, a teologia tradicional do
ocidente distanciou o homem da natureza - não apenas da natureza
"externa", mas também (e principalmente) da natureza
interna do homem, classificando como "pecado" os impulsos
animais naturais de todo ser humano. Ao enfatizar o valor da natureza
somente na medida em que ela "contribui para o bem-estar da
humanidade" - uma mera serva - tanto o teocentrismo como o
antropocentrismo sancionaram a exploração do meio
ambiente pela ciência e pela tecnologia. Afinal, dentro desta
distorcida linha de pensamento, o ser humano é "o mais
importante animal que caminha sobre o planeta", todo o resto
existe apenas para servi-lo.
Mas, considerando-se "racional", o homem demonstra ser
exatamente o contrário. Qual animal, enfim, extingue outra
espécie ou a sua própria? Destacando-se da unidade
da natureza, a raça humana tem se revelado, em verdade, como
a mais tola entidade que caminha sobre a face da Terra.
Muitos podem questionar: como é possível que valores
religiosos, morais e filosóficos tenham influência
na crise ambiental? A religião tradicional na forma de fé
exteriorizada tornou-se vazia de significado para muitos. Como expressão
simbólica dos valores espirituais do ser humano, a religião
tradicional perdeu muito de sua força justamente porque se
distanciou da natureza. Assim, do mesmo modo que o "burguês"
de Molière, que se surpreendeu ao perceber que "falou
em prosa" a vida inteira, o homem racional moderno ficaria
chocado se percebesse que sua atitude em relação à
natureza exprime os seus valores religiosos: pura forma sem substância.
Separado, fracionado, a natureza "fora" e "Deus"
em qualquer outro lugar bem distante, menos aqui.
Poderíamos até dizer que religião e filosofia
são escopo da Casa 9, mas pessoalmente acho esta visão
um pouco limitada. Observo aspectos de religião e filosofia
em todas as casas mutáveis do mapa: a Casa 3 como assimilação,
inspiração, a Casa 6 como digestão daquilo
que se aprende, a Casa 9 como expressão dos valores, e finalmente
a Casa 12 como da união com o Todo Sagrado. Ou ainda: no
eixo 3-9 temos a assimilação e expressão de
valores, e no eixo 6-12 temos a experiência destes mesmos
valores. Um estudo apurado dos planetas presentes nestas casas,
assim como de seus regentes e dos aspectos que formam, pode conduzir-nos
a uma compreensão dos valores filosóficos que norteiam
o indivíduo, assim como de suas contradições
morais particulares.
Eliminamos da natureza e do próprio mundo material (Casa
6) o sentido de sagrado, considerando-o como algo impalpável
e abstrato demais, até incompreensível (Casa 12).
Nossas maiores preocupações transpessoais modernas
parecem reduzir-se a idéias abstratas e teóricas,
ou mesmo sobre o controle tecnológico, a realidade extraterrena,
o domínio da genética. Nossos atuais deuses sem rosto
são a tecnologia, a produção, o bem-estar físico.
A natureza nos parece nada mais do que uma coleção
de coisas insensíveis e irracionais, o que na verdade não
passa de uma projeção nossa, nós, os insensíveis
e irracionais senhores do mundo.
O problema, em verdade, não está na tecnologia, na
preocupação com o espaço ou com a genética.
A problemática tem consistido na ausência de alma.
Esta alienação da natureza não é apenas
uma rejeição da natureza exterior. Afastamo-nos de
nosso daimon, de nossa real essência, elaborando "valores
ideais", morais e restritivos (o próprio conceito de
pecado enquanto restrição). E, como toda alienação,
esta, em particular, ameaça com neuroses e psicoses não
só o homem enquanto indivíduo (Casa 1): ameaça
sobretudo o homem enquanto grupo (Casa 11).
A falácia do trabalho
e da responsabilidade
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