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olhar brasileiro em Astrologia
Edição 92 :: Fevereiro/2006 :: - |
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ASTROLOGIA E PERSONAGENS DE FICÇÃOPlutão e o Conde de Monte Cristo
A lenta readaptação ao mundoComeça a segunda fase de Edmond, a de procurar o tesouro. Ele também tem de se adaptar ao mundo do qual esteve tanto tempo distante. Depois das duras provações interiores, enfrentar os desafios do mundo lhe é relativamente fácil. Pela primeira vez na vida ele se comporta de forma realmente segura. Passou por coisas muito piores do que a que irá encontrar lá fora. O hemiciclo de Saturno é suficiente para transformar uma pessoa, e também endurecê-la. E dar uma segurança que o rapaz não tinha. A marca impressa por Saturno aparece no nome que o protagonista irá adotar depois que encontrar o tesouro: conde de Monte Cristo. Montes e montanhas são regidas por Saturno. Cristo é o avatar da Era de Peixes, e Edmond tinha muito deste signo quando moço. Era marinheiro (Peixes rege o mar), ingênuo e foi sacrificado. Porém, renasce como escorpiano. Realiza este signo conhecendo profundamente as fraquezas daqueles que não viram nenhum valor na sua vida. Teve longos anos para pensar neles e, no seu retorno, tem a vantagem de ser um 'homem morto' e ter todo o tempo do mundo para observar. Depois de tantos anos, seu ex-amigo agora é conde e Edmond também descobre com amargura que Mercedes se casou com ele apenas um mês depois de sua prisão. Com certeza, mais um golpe. Porém, um pouco do antigo Edmond ainda sobrevive nele, ainda que ele não saiba. No filme, Edmond, agora hábil com espada (antes não o era, assim como também não com a sua agressividade, que é o que a espada representa) tem a oportunidade de matar um pirata que traiu o seu bando e tomar o seu lugar no bando. Edmond, porém, não vê motivos para sacrificar o pirata. Ou seja, não é capaz de ser um executor frio, como os seus inimigos o foram. Ao salvar o pirata, Edmond ganha-lhe a lealdade eterna. Criaturas escorpianas terão sempre um taurino (signo oposto) leal a zelar por sua segurança e bem-estar, e será o caso do pirata com quem Dantès passará a fazer parceria (foto). Há, porém, uma diferença na confiança que Dantès tem em relação ao amigo e na que tinha antigamente nas pessoas. A anterior era gratuita. Todos eram bons. A atual decorre do conhecimento do ser humano, adquirido depois das duras provas pelas quais passou. Edmond salvou a vida do pirata e este prometeu devotar a vida ao seu salvador. Assim, é o seu companheiro de jornada na busca pelo tesouro e na estréia como Conde de Monte Cristo. Finalmente, o Conde de Monte CristoChega o espetacular momento de renascimento de Edmond. Pode reaparecer como outra pessoa porque o é de fato: física, emocional, cultural e mentalmente. Nos tempos de hoje, seria como ter passado por uma operação plástica completa, somada a uma reformulação mental, cultural e psicológica. O Edmond marinheiro era ignorante e ninguém mais quer lembrar dele, por diferentes motivos. Nenhuma possibilidade de retornar rico e seguro de si, e dominando comportamentos que nunca pertenceram ao seu universo. Ainda mais naquele tempo, de mobilidade social quase zero. Assim, Edmond pode agir livremente, sem enfrentar suspeitas. Conhecer o inferno é tão plutoniano quanto privar da riqueza e deter poder, e Edmond vai aos dois extremos. É também plutoniano conhecer o universo taurino de quais valores são aceitos, assimilados e qual é a moeda de troca em cada ambiente. O conde torna-se um prestidigitador disso, dominando o refinado mundo como se tivesse nascido nele. Sabe que impressiona. Em lugar dos gestos espontâneos e verdadeiros do jovem que foi, passa a ter o domínio da estratégia e do jogo de cena, com seus comedimentos e manobras. Nenhuma frase dita ao acaso: todas como um recado. Nenhum gesto gratuito: o 'ponto com nó' tipicamente plutoniano. No seu retorno, o antigo Edmond aparece naquele que recompensa os que o ajudaram. Mas também não se abstém de castigar os que o prejudicaram. Foi muito duro o que lhe aconteceu. As perdas foram irreparáveis: o pai que se suicidou ao saber que tinha um filho traidor, a mulher que ele amava que se casou com o amigo traidor, o futuro que ele tinha, toda a sua vida. Como novo escorpiano que é, o conde quer fazer com que cada um experimente o que causou. É quando Plutão assume o papel de vingador divino. Como cobrar anos de prisão, humilhação, indigência e desespero, enquanto todos levavam suas vidas, comiam e bebiam, faziam sexo e transitavam socialmente, como se nada tivesse acontecido? A vida sem valor. Quem é que vai pagar por isto? - é a pergunta de Plutão. O mistério é uma das facetas de Plutão. O rico conde chega 'do nada'. Ninguém sabe qualquer coisa de consistente sobre ele. Usa uma barba (o jovem tinha um rosto barbeado, em alusão a sua transparência e ingenuidade), esconde as feias cicatrizes nas costas em belas roupas. É um homem completo em cultura e modos, mas sem origens. Mas ninguém questiona isto porque ele domina inteiramente o código social e é rico. Edmond exerce o prazer plutoniano de saber de todos e ninguém saber de si. Mas é também solitário, pois nunca pode se entregar. A vingança de Edmond tem encaixe milimétrico. Os espertos de outrora lhe são, agora, profundamente previsíveis, quase ingênuos. Marionetes que se deixam seduzir. E sedução é um atributo deste deus mortífero, que, sem ela, fica muito feio. E Mercedes? O antigo Edmond, para ela, assemelhava-se a um cão: afetuoso, previsível. O novo é fugidio como um gato. Mercedes fica aturdida, pois reconhece seu amado, mas está completamente diferente. Tem, sobretudo, uma frieza no olhar que seu Edmond jamais lhe dedicou. Entretanto, ela acaba por descobri-lo. É a única pessoa a fazer isto. A única, portanto, a ligar o velho e o novo, e a talvez proporcionar uma ponte entre os dois. Já foi dito que a identidade de Edmond ficou perdida depois que ele saiu da prisão. Faz parte do processo de uma grave crise que os primeiros meses depois dela não sejam muito normais. A pessoa fica meio exagerada em alguma coisa. É um mecanismo compensatório pela perda, e uma sobra de energia de Plutão, o regenerador. Plutão rege o que pensamos que morreu e que renasce. É a ambigüidade de algo nunca preservar-se exatamente como é, mas também de o novo não deixar de conter uma parte do antigo. A semente original que nunca se desfaz. Em meio ao poder e à vingança, há, também, a amargura. Edmond não pode mais voltar a ser o jovem que foi. Acredita que sua amada o traiu. O plutoniano típico se acha o único sincero e de sentimentos profundos em um mundo de superficialidades, jogos, decadência e, sobretudo, fraqueza. Neste mundo, tudo é falho e tem de ser controlado. É o oposto da temática da ingenuidade, que crê em uma perfeição inexistente e dispensa a vigília. Plutão por vezes representará a vigília exagerada, que exaure e desgasta. Antes, Edmond vivia um mundo sem Plutão, inocente, em que as pessoas não invejavam, não agiam baseadas em paixões, não trapaceavam. Eram o que pareciam, cumpriam o que diziam. Agora, a maldade oculta - pronta para emergir se não for controlada com mão forte - transfigurando as pessoas. Apesar delas e mais forte do que elas. Um mundo somente com Plutão, tão desequilibrado quanto o anterior. Mais uma vez, porém, o outro mudará a trajetória de Edmond Dantès. O que seria dele sem Mercedes? No que iria se transformar depois de ter derrubado um a um seus inimigos, que, afinal, foram o motivo de sua nova vida? Quanto tempo gastou com cada um deles? Há, na vingança, uma espécie de amor sem objeto, amor congelado que não pode mais ser exercido. Destruí-los é morrer pela segunda vez. Fazer o que depois? Acreditar em quem? Nas mulheres, que traem com os melhores amigos? A verdadeira nova identidadeO reencontro com Mercedes é fundamental, pois ela mostra a Edmond que nem tudo foi falso. O sentimento dela realmente existiu. É ela quem irá restaurar o meio termo, representar o assentamento das lições aprendidas, fazer com que seu amado saia dos extremos. Se é preciso que a paixão tome de assalto para regenerar, como foi o caso, também é necessário que ela abandone o corpo febril. Depois do imenso gasto de energia, da atividade incessante, do esgotamento total e obsessivo de algo, só há uma coisa a fazer: o abandono. Terá de ser voluntário. Pára-se porque se quer, porque é preciso parar. Sair da roda obsessiva não é fácil. Lembremos, porém, que Edmond Dantès não foi libertado do exílio: teve de sair dele. Ninguém veio ao seu socorro. Ninguém virá ao nosso quando estivermos em meio a processos plutonianos de obsessão e prisão emocional, porque somente nós podemos sair deles, tal como Edmond. Plutão representa o que não pode ser solucionado, resolvido ou resgatado da forma como queremos. É uma imensa derrota, um doloroso não. Reconhecê-la é muito difícil. Há, inclusive, os que estejam sempre às voltas com temáticas plutonianas: já entram em propostas falidas, e lutam, lutam, lutam, até perderem, e tornam a entrar na luta pouco tempo depois. Parecem achar que estão imunes a Plutão. No filme, Edmond consegue se vingar de todos os seus inimigos e recuperar a mulher amada, mas isto é sabidamente raro. Trata-se de uma fantasia inconsciente, e é por isto que a história mexe tanto com as pessoas. Parece oferecer-lhes alívio em suas perdas, compensação para suas humilhações. Nos processos plutonianos, quando nos damos por vencidos, injustiçados, sacrificados, sacaneados, saímos do exílio quando admitimos que nada mais há para ser feito a não ser refazer a nossa vida, começar do zero e realmente deixar o passado para trás. De mãos vazias, sem compensação nenhuma, mas será tudo o que temos e que é muito precioso: somente a nós mesmos e a nossa vontade de viver. Plutão é ver o tamanho da enrascada em que estivemos, ser capaz de superar isto e aprender com o que foi vivido. É este o seu tesouro. De tudo, o mais difícil é o perdão pelo que podemos fazer a nós mesmos. É irônico que este seja o último perdão a ser concedido. Edmond vingou-se de todo mundo, mas, na prisão, teria perdoado a si mesmo pelo jovem ingênuo que fora? Pela carta que aceitou levar? Por não ter percebido quem era seu grande amigo? Era isto que no fundo o corroía tanto quanto o que fizeram com ele. A essência de Plutão é realizada quando deixamos tudo que esteja nos asfixiando, envenenando e seja sem solução. Através dos processos plutonianos, perdemos nossa faceta olímpica, pois é preciso admitir o engano, o dano, a perda de tempo. Nosso eu falível e que não pode ter tudo o que quer. Mas ganhamos outra, muito mais livre, humana, e, de certa forma, mais forte, estável e completa. São as lapidações de Plutão. Só descobre esta faceta quem renunciou completamente à anterior e ao passado. É exatamente a proeza de sobreviver da saída de uma ilha através de um longo lançamento ao mar. Leia outros artigos de Vanessa Tuleski. Leia também: Alexandre Dumas, uma vida de romance |
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