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olhar brasileiro em Astrologia
Edição 85 :: Julho/2005 :: - |
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COLUNISTASAstrologia:
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Gilbert Ryle (1900-1976 - foto à direita) estabeleceu uma refutação lógica ao dizer que o erro cético está no fato de que, se a verdade completa das coisas nunca é alcançada, poderíamos estar sempre em erro. Mas a falha cética não é essa. O cético pergunta como, dado que algumas vezes erramos, podemos negar a possibilidade de estar em erro em qualquer ocasião de julgamento. A falha cética está em esperar da astrologia, uma ciência humana, um retorno exato, tal qual o hidrogênio inexoravelmente se torna água ao combinar-se com o oxigênio, ou em comparar um instrumento que se pauta no olhar humano como sendo tão exato quanto, por exemplo, a lei da gravidade.
Vale dizer que existem dois tipos de ceticismo: o metodológico, útil à astrologia, em que as afirmações são observadas e testadas. Um astrólogo que crê em tudo que lê em livros é um mau pensador. Mas há o ceticismo problemático que, à moda do comportamento religioso mais fervoroso, não aceita nada que não possa fornecer um retorno exato.
Kant (1724-1804), por intermédio de sua obra Crítica da Razão Pura (1929), apresenta uma possível solução para o dito ceticismo problemático. Segundo Kant, nossas mentes impõem uma estrutura de conceitos interpretativos sobre nossa sensações, algo similar ao que Robert Anton Wilson chama de "realidades-túnel". É a partir da interação de nossa capacidade de interpretar com a dita "realidade" que transformamos as coisas em experiências propriamente ditas. Todas as nossas experiências, consideradas como "exteriores" a nós, definem-se como experiências de um mundo estruturado espacialmente, e toda nossa experiência interior é de um mundo temporalmente estruturado. Temos então "dados espaço-temporais", e a carta astrológica é criada a partir de dados espaço-temporais: o local em que me encontro, o céu a partir deste ponto de vista, e o momentum em que vim ao mundo, assim como suas características sociais únicas, seu zeitgeist, por assim dizer. Deste modo, segundo Kant, nossas mentes impõem categorias e conceitos que tornam a experiência possível dando a elas seu caráter determinado. E aqui está a resposta de Kant: se o cético pede que justifiquemos nossas afirmações de conhecimento, nós assim fazemos dispondo esses fatos sobre como a experiência é constituída. E nem o cético escapa disso, com as perguntas que faz e com suas "formas de ver".
Um questionamento cético típico em relação à astrologia é concernente à crença na existência de uma "força planetária invisível". Se nem todos os astrólogos não compactuam com a teoria da "influência", e se pautam na teoria da sincronicidade, não há desafio. Eles querem que provemos que a astrologia se trata de uma ciência exata, mas se nós mesmos não a classificamos deste modo, que desafio pode haver? Diante de astrólogos que pleiteiam para a astrologia o desnecessário status de "ciência exata", mesmo eu - astrólogo que sou - torno-me cético e eu mesmo os desafio: que provem. Provem que somos "objetos do céu" e que aspectos planetários nos conduzem a apenas um significado previsível. Provem que é possível "adivinhar" quem será médico, enfermeiro, juiz, prostituta ou psicopata. Uma análise minuciosa (feita por mim) no mapa dos mais famigerados psicopatas do mundo não demonstrou nenhum aspecto em comum que "indicasse" a psicopatia, posto que tal traço não é "nato" num sentido de ser "inerente aos céus", mas é antes o resultado de multifatores. O que se percebeu, no caso dos mapas dos psicopatas, é que o estilo de seus crimes correspondia aos seus mapas. John Wayne Gayce, o palhaço assassino, tinha um acúmulo planetário em Sagitário e em Peixes - ele dizia que matava as crianças para que elas não sofressem no futuro, um "argumento compassivo" para seus crimes. Jeffrey Dahmer seduzia de forma cortês suas vítimas, posando de elegante e atraindo-as para a armadilha, bem em conformidade com o ascendente em Libra. Mas o "crime em si" não estava lá, apenas o estilo. Se Dahmer ou Gayce não fossem psicopatas, aplicariam o mesmo estilo às outras coisas que seriam, e então voltamos à minha definição da astrologia como um palco em que a alma se derrama: quem eu sou quando resolvo ser qualquer coisa que seja.
Segundo Berkeley (direita), o ceticismo se pauta na idéia de que existe apenas um mundo "material". Pois bem, "mundo material" significa "feito de matéria", e "matéria" é um termo técnico que suportamente denota uma substância detectável sensorialmente, tal como uma cor, uma forma, uma textura. Berkeley ampliou o conceito de matéria assim entendido. Ele afirma o óbvio: que o mundo material só existe porque há um sujeito que o percebe. E este "mundo material" só pode existir porque o sujeito lhe deu este nome. E quem é este "sujeito que nomeia" senão a alma? Como podemos então dizer que mesmo as coisas externas a nós sofrem uma leitura objetiva? Como defender a imutabilidade das próprias leis da Física, se o que dispomos é o nosso entender de tais leis, sendo que a própria Física continuamente se recicla e passa a abordar os fenômenos de uma forma que estes não eram anteriormente abordados? Voltamos então a Kant: toda a percepção da realidade se traduz pela interação do conjunto espacial com o conjunto temporal. Se mudamos o conjunto temporal, teremos outra leitura para a mesma "realidade". Se mudamos o conjunto espacial, idem.
É muito comum que se interprete Berkeley erroneamente, supondo que ele está a negar os objetos físicos. Não se trata disso, e sim de considerar que:
Sendo assim, como poderia um cético, qualquer que seja, determinar a "natureza da realidade"?
Obviamente, muitos leitores acríticos interpretam erroneamente Berkeley, e supõem que ele diz que os objetos existem apenas na cabeça das pessoas. A melhor maneira de interpretar Berkeley é entender que ele fala acerca de pontos de vista. Ou, parafraseando Aleister Crowley: uma rosa só é vermelha para nós, para uma abelha terá outra cor. E, na verdade, "vermelho" é a única cor que a rosa não é, já que ela absorve todas as cores e só é por nós vista como "vermelha" porque reflete esta faixa do espectro.
Para o objetivo do nosso trabalho, a questão é que Berkeley buscou criticar o ceticismo por meio da eliminação do suposto abismo entre "experiência" e "realidade", propondo que experiência e realidade são a mesma coisa. "Assim é se lhe parece". E, deste modo, a própria psicanálise se pauta não na busca da "realidade da vida do sujeito", mas sim das experiências que este sujeito teve - tornadas reais para ele, mas passíveis de ressignificação. E a astrologia não foge à proposta: não estudamos o "céu real", pois não há "céu real", uma vez que qualquer um deles pode sê-lo, mas sim um céu perspectivista, o céu do lugar e do momento em que nos encontrávamos quando nascemos. A partir deste raciocínio, qualquer limitação da astrologia a um saber "provado cartesianamente" transforma o nosso saber numa pálida sombra do que ele pode vir a ser.
Dewey (esquerda) sustenta que o "modelo cartesiano" torna o sujeito um recipiente meramente passivo de experiências, um "objeto do céu", como alguém sentado no escuro do cinema assistindo a fita da vida; mas, apontou ele, nossa visão é de uma perspectiva participante - somos atores no mundo, e nossa aquisição de conhecimento é o resultado de nossos feitos no mundo.
O perspectivismo astrológico é uma ferramenta muito mais poderosa de abordagem da realidade do que o próprio ceticismo pretende ser, pois se pauta na idéia de que "conhecimento e verdade" são relativos a um ponto de vista, um tempo, um lugar, um meio ambiente cognitivo ou cultural: e conhecimento e verdade, assim entendidos, não são e nunca serão "O Conhecimento" ou "A Verdade". E, deste modo, recuperamos nossa posição de "sujeitos", e nos descobrimos capazes de ressignificar nossas próprias vidas - de forma alguma negando as "constelações" sob as quais nascemos, mas aprendendo a co-criar nossas próprias experiências; não mais como "objetos do céu", e sim como seres desejantes de um universo que não terminou de ser criado, mas que ainda se encontra na reverberação explosiva e mágica da contínua criação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ZOJA, Luigi - "História da Arrogância"
(Editora Axis Mvndi)
JUNG, Carl - "O Segredo da Flor de Ouro" (Vozes)
WILSON, Robert Anton - "O Gatilho Cósmico" (Madras)
GRAYLING, A C - "Epistemology" (não editado no Brasil;
tradução de parte do texto pelo filósofo Paulo Ghiraldelli
Jr.)
FREUD, Sigmund - "Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade"
(Imago)
KANT - "Crítica da Razão Pura" (Acropolis)
Este trabalho é dedicado à memória de Maria Luigia Magnavita Galeffi (1920-2005), fundadora das faculdades de Letras e Filosofia em Salvador. Ela ajudou a criar universos.
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