Um
olhar brasileiro em Astrologia
Edição 120 :: Junho/2008 :: - |
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ASTROLOGIA E FILOSOFIAAstrologia e ceticismo
O ceticismo, longe de ser uma abordagem nefasta, é fundamental para qualquer saber. Contudo, nem todos que pensam ser céticos merecem essa classificação, do ponto de vista filosófico: os que negam a validade da Astrologia estão neste caso, já que trocam a dúvida salutar pelo dogmatismo puro e simples. Via de regra, é bastante comum encontrarmos astrólogos e céticos ocupando lados opostos do grande campo de futebol do saber. Imaginemos uma bola metafórica que representa o discurso: o astrólogo chuta pra cá, o cético chuta para lá, e volta e meia alguém marca um gol. Às vezes é o time cético que domina a bola e demonstra, numa determinada pesquisa publicada numa muito conhecida revista científica, que a astrologia não funciona. Em seguida, o time astrológico chuta e acerta, demonstrando em outra pesquisa que a astrologia funciona. Eventualmente (como seria de se esperar), alguém marca um gol contra por pura inabilidade em lidar com a bola. Jogadores afoitos tendem a meter os pés pelas mãos. E jogadores atrapalhados existem em ambos os times, vale salientar. E há também os competentes: atacantes brilhantes e goleiros especialistas em não deixar a bola entrar, valendo-se de uma retórica irresistível. Lembremo-nos: a bola é o discurso, o discurso é a bola. Enfiar a bola no gol, na metáfora que ora utilizo, significa tornar meus argumentos mais convincentes e ser ovacionado por uma platéia de torcedores. Entretanto, vejam só: a bola nunca fica para sempre dentro do gol. Após um tempinho lá dentro, após alguns segundos de comemoração, eis que a redonda é lançada no campo novamente, sendo chutada de um lado para o outro. Por isso mesmo que a bola é o discurso, e não a Verdade. A Verdade não entra no jogo, seja porque ela não existe, seja porque é inapreensível (não dá pra bater bola com ela). Surpreendente? Não é. Surpreendente, isso sim, é perceber que um dos times está usando a camisa errada. Um cético que pretende fazer da bola não um discurso, mas a Verdade, pensa ser cético, e se engana. Ele quer manter a bola no gol a qualquer custo, quer encerrar o jogo. Este é o primeiro problema: o que caracteriza um cético? O que se diz do ceticismo em jornais, revistas, no senso comum, não tem nada a ver com o uso aplicado deste termo em filosofia. É preciso, assim sendo, discernir o ceticismo coloquial do ceticismo filosófico. Ambos têm pouco (ou nada) em comum, a não ser a utilização da mesma terminologia. Modernamente, dizer-se cético significa mais ou menos o seguinte: “eu acredito apenas naquilo que a ciência me comprova. Acredito nos meus sentidos. Acredito na realidade empírica.” Todavia, a palavra ceticismo (do grego skepsis, “investigação” ou “questionamento”) pouco tem a ver com esta supervalorização da ciência. O ceticismo filosófico, nascido com o grego Pirro de Elis [1] após um período de contato com os gimnosofistas indianos, é uma corrente do pensamento que reconhece a Verdade como sendo inapreensível. Reconhece todas as verdades estabelecidas como sendo mero discurso e, portanto, não estabelece nada como sendo um modelo de Verdade. O discurso cético filosófico é um constante exercício da dúvida, jamais uma afirmação de que a Verdade está aqui ou ali, seja na ciência, seja em qualquer outro lugar. [1] Pirro de Elis (imagem à esquerda) viveu entre 365 a.C. e 270 a.C. Foi contemporâneo de Alexandre, o Grande, de cujas expedições participou. O oposto do discurso cético é o discurso tético, ou dogmático. Se eu afirmo que Deus existe, sou um dogmático. No senso comum, se afirmo que Deus não existe, sou um cético, mas esta idéia está absolutamente incorreta. Afirmar que Deus não existe é um discurso tão tético ou dogmático quanto afirmar sua existência. O mesmo vale para a astrologia. Afirmar a funcionalidade da astrologia pode até ser um discurso dogmático, entretanto afirmar a sua infuncionalidade também é. Creditar à ciência um status ontológico de Depositório da Verdade é simplesmente retirar um Absoluto do lugar e inserir outro no contexto. O cético filosófico, diferente de seu equivalente coloquial, recomenda a prática da epoché, termo grego que significa literalmente “suspensão do juízo”. Se a Verdade é inapreensível, devemos evitar emitir juízos como valores de Verdade. Isso não me impede de chutar a bola para onde eu quiser, defendendo um ponto de vista – mas eu, como jogador, sei que a bola é apenas um discurso, e não a Verdade. Eu, cético, posso até duvidar da existência de Deus, ou da astrologia, ou de extraterrestres, mas duvidar é uma postura totalmente diversa (muito embora muita gente não note a diferença) de uma outra postura, que afirma qualquer coisa. Afirmar existência ou inexistência é afirmar, e um verdadeiro cético filosófico não afirma. Duvida. E enquanto há dúvida, há jogo, e a bola pode rolar. E é divertido. Tudo isso considerado, é preciso lembrar ao leigo que supostos céticos como aqueles que corriqueiramente afirmam que a astrologia não funciona não são, filosoficamente falando, céticos. Eles afirmam uma Verdade (a Verdade da ciência; a Verdade de que a astrologia é um charlatanismo) e, portanto, seu discurso é dogmático. Dito isso, é possível ser astrólogo e cético? No sentido original, filosófico, da palavra “ceticismo”, sim. Diante da pergunta “por que a astrologia funciona?”, a resposta honesta que costumo dar é justamente a resposta cética: “não faço a menor idéia”. Na medida em que a utilizo, reconheço nela uma funcionalidade, mas não atribuo a ela um dogmático valor divino, mas um valor de discurso. A astrologia, até onde a vejo, é um discurso, e não uma Verdade. É possível fazer discursos funcionais com astrologia chinesa, védica, maia, com o tarot ou até mesmo com palitos de fósforo (citando um oráculo perfeitamente funcional, criado por meu colega astrólogo, João Acuio). Entra aí, é claro, uma série de problemas filosóficos difíceis de solucionar, mas deliciosos de debater: a astrologia é metafísica? Se sim, ela é realista (os planetas realmente têm uma natureza simbólica independente do homem) ou nominalista (os planetas têm tão somente a natureza que o homem lhes concedeu)? Este estado de dúvida é um estado cético altamente salutar, que proporciona visões mais amplas em torno de um mesmo assunto. O ceticismo, longe de ser uma abordagem nefasta, é fundamental para os saberes – qualquer saber, diga-se de passagem. Sem ceticismo, há apenas dogma e temas que se tornam indiscutíveis, como se fossem uma religião. O ceticismo só não é adequado quando se fala em fé, pois fé é da ordem do sentimento, e não da razão: fé se tem ou não se tem. É inútil discutir crenças. E a astrologia não é uma crença, mas algo que se experimenta. O “cético coloquial”, ao vaticinar que a astrologia não existe sem jamais tê-la experimentado apenas pensa que é cético. Mas é um dogmático como qualquer outro. Esta carência talvez se dê ao fato de o discurso astrológico ter-se desenvolvido a partir de bases dogmáticas, enquanto uma boa dose de ceticismo (filosófico) permitiria um novo olhar para a mesma paisagem. Os dogmas não são poucos, e os defensores destes discursos possuem veemência quase religiosa, não faltando obviamente gurus que não aceitam ser questionados. E os dogmas são tão contraditórios entre si que não é de se espantar que a astrologia não possua um corpo consistente – ela é cheia de buracos, e são justamente destes buracos que os jogadores do time oposto se aproveitam para realizar dribles e alguns gols, aqui e ali.
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