D. João VI será estigmatizado para todo o sempre como um rei covarde e sem iniciativa, mais preocupado em devorar coxinhas de galinha do que em assumir as altas responsabilidades de seu cargo. Nada mais injusto. Efetivamente, esse rei taurino com a Lua em Escorpião era bom de garfo, mas estava bem longe da figura caricata que os cronistas teimaram em fixar. Antes de tudo, era um tipo com os pés no chão (sete planetas em signos de Terra e Água), perfeitamente capaz de entender que, em face das circunstâncias, mais vale entregar os anéis do que perder os dedos. D. João nasceu em Lisboa, em 13 de maio de 1767. Era descrito como um moço “baixo, gordo, de pés e mãos muito pequenos, rosto redondo e sanguíneo, olhos também redondos e quase inexpressivos”. A descrição física parece destacar um fator lunar, enquanto alguns retratos da época mostram características netunianas, como os olhos meio esbugalhados e os lábios carnudos.
Netuno em sua carta está, aliás, no discreto signo de Virgem, um Ascendente possível para este rei pacato e que gostava de ocupar-se com jardinagem. Não tentaremos, porém, traçar uma retificação, até porque a carta solar já é suficientemente informativa. A ausência de fatores em signos de Fogo (com exceção apenas de Mercúrio, que está em Áries) pode explicar a falta de vivacidade. Mas, em parte, a postura de D. João pode ser também fruto de seu despreparo para a função real, já que não era o herdeiro do trono. Só se tornou regente em função das mortes sucessivas do avô D. José I, do pai D. Pedro III, do irmão, o infante D. José, e da loucura que acometeu a partir de 1792 sua mãe, D. Maria I. Rei por acaso, sem ter recebido a educação típica de um monarca, foi obrigado a compensar tal carência com o bom senso e a praticidade de seus signos de Terra.
Relutante em tomar decisões drásticas, amigo da paz e desejoso de harmonia, D. João teve pouco disso ao longo da vida. A primeira batalha que enfrentou foi a do casamento com a ambiciosa e intolerante Carlota Joaquina. A segunda, e ainda mais dramática, foi a de como salvar um país fraco, pequeno e cercado de inimigos.
Pressionado no meio da luta de gigantes que se processava entre a França de Napoleão e a Inglaterra da Revolução Industrial, D. João opta pelo lado mais seguro – o que acabará vencendo a guerra. Ao deixar Portugal para os invasores franceses, transfere a corte para a colônia mais rica e mais dinâmica do Império Português. Não fosse a transferência para o Brasil de toda a estrutura político-administrativa lusitana, dificilmente o país teria condições de chegar à Independência como um império unificado e de dimensões continentais. Por trás da “fuga covarde” do regente, havia, pois, pragmatismo e visão estratégica.
O rei que ruminava decisões
Como todo taurino, D. João VI não gostava de decidir sob pressão e transmitia muitas vezes uma imagem hesitante. Contudo, não era de raciocínio tardo. Mercúrio em Áries fluentemente aspectado com Urano, Netuno e Marte revela uma mente intuitiva e rápida, capaz de perceber num relance situações complexas. Raciocinar, porém, não significa decidir. Vênus em conjunção com o cauteloso Saturno em Gêmeos, a sagaz Lua escorpiana, o Sol no estável signo de Touro e o defensivo Marte canceriano desenham um quadro de ações lentas, ruminadas, que se estruturam em torno da proposta de correr poucos riscos e perder o mínimo possível.
Pessoalmente, D. João era um homem discreto, pudico, moralista e conservador. Mantinha a compostura numa corte onde a tônica eram os valores morais um tanto frouxos. O quanto disso era verdadeiro ou mera preservação das aparências é difícil dizer, mas os planetas em Virgem e Capricórnio têm parte nesta postura, assim como a conjunção Saturno-Vênus. Acrescente-se que o Sol e a Lua no eixo Touro-Escorpião não predispõem à tagarelice, e menos ainda ao exibicionismo.
Dom João, um príncipe em sintonia com o mapa da colônia
É interessante observar que a oposição Sol-Lua de D. João alinha-se ao longo do eixo Saturno-Plutão do mapa do Descobrimento do Brasil. Em nossa terra, D. João encontrou o clima favorável para exercer a autoridade real à sua maneira. Amava o Brasil e aqui ficaria para sempre, não fosse a radicalização de posições que pouco a pouco criava aqui o clima propício à independência, enquanto fazia de Portugal um reino convulsionado e a exigir a presença imediata do governante.
Sob seu governo, o Brasil já era um país soberano, se bem que não ainda autônomo. A importância de D. João foi a de transplantar para cá as instituições e os recursos humanos da administração de Portugal, deixando uma estrutura que, bem ou mal, o Brasil independente acabaria aproveitando. Todavia, nada guarda mais a marca pessoal do rei do que sua contribuição ao desenvolvimento das artes. D. João não era um governante de cultura sofisticada, mas sabia valorizá-la e cercar-se de artistas de primeira linha. Patrocinou a vinda da missão artística francesa, a reforma arquitetônica e urbanística da cidade, o surgimento de iniciativas ligadas às belas-artes e à música e a implantação do Jardim Botânico, onde costumava passar longas horas, numa típica ligação taurina com a natureza. Em tudo isso, revela uma função venusiana. A conjunção Vênus-Saturno de seu mapa ocupa a casa 1 do mapa do Rio de Janeiro, significando que D. João contribuiu para que a cidade estruturasse sua identidade e definisse seus valores. Qualquer visita aos museus do Rio confirmará que nunca a cidade foi tão retratada quanto nos anos em que D. João governou. Foram anos de transformações intensas, em que a população praticamente triplica e os costumes ganham um ar cosmopolita. Mudanças semelhantes no Rio de Janeiro só voltariam a acontecer no início do século XX, com as reformas de Pereira Passos e Rodrigues Alves.
Esta, talvez, a face que valha a pena guardar de D. João VI: o príncipe construtor, embelezador, contemporizador, o homem simples e sem grandes ambições de poder que, exatamente por causa disso, conduziu o barco luso-brasileiro a salvo num período turbulento e cheio de perigos.
Leia a série completa sobre as personalidades que levaram o Brasil da Colônia à Independência:
- Do Quinto dos Infernos ao Novo Mundo
- Carlota Joaquina, quase rainha da… Argentina
- D. João VI, apenas um comedor de coxinhas?
- Marquesa de Santos, a Titila do Imperador
- O dia em que a família real fugiu para o Brasil
- Chalaça, a sombra danada do Imperador
- Afinal, quem era o Chalaça?
- Chalaça, o homem do Chupa-Chupa
- Chalaça e PC Farias, estranhas semelhanças
- Dom Pedro I e Fernando Collor: a história se repetiu?