Uma patente
Engenharia genética é a manipulação
do padrão de proteínas de um organismo através
da alteração de seus genes [6].
O que importa, no fim, são as proteínas. Ocorre que
algumas proteínas são fabricadas pela planta em resposta
a mudanças do ambiente. Por isso a planta transgênica
precisa ser testada nos diferentes climas do Brasil. E a EMBRAPA
está testando [7].
[6] Couch, Martha L. (1998),
artigo já citado.
[7] ver no site da Embrapa.
Mas... subitamente, sub-repticiamente, subterraneamente,
por "coincidência", sem que ninguém visse
ou que os deuses se importassem, sem que Zeus punisse tal atrevimento,
enfim, de repente, saiu das profundezas da terra uma novidade: os
grãos geneticamente modificados já foram plantados
no Brasil. Lamento portar essa notícia, mas nossa terra não
é mais Kóre. O Brasil é Perséfone, já
provou do fruto, digo, da semente de um poder mais profundo do que
o nosso imaginário ainda envolto em ciclos é capaz
de compreender.
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Se bem que tenha sido vítima
de seqüestro e violência sexual, Perséfone
parece não ter resistido aos encantos de seu sedutor.
A peça de cerâmica grega mostra Perséfone
e Hades num idílico momento de relaxamento. |
A MONSANTO teve uma visão de negócio:
comprou várias produtoras de sementes através do mundo,
realizou parcerias e fusões e investiu milhões de
dólares pesquisando alimentos e produtos farmacológicos.
Já enfrentou processos questionando a adequação
de seus produtos para o consumo humano.
Atualmente ela deseja a liberação do
plantio e comércio da soja transgênica no Brasil. Por
coincidência, a idéia do "Programa Fome Zero",
é semelhante à imagem que a empresa, há anos,
projeta de si mesma em seu perfil de "marketing". A MONSANTO
diz estar investindo no fim da fome e da miséria no mundo
e, seguindo esse filão, já tem seu próximo
negócio delineado: tecnologia para tratamento de água.
Além da soja, o Brasil é um local promissor também
para o novo negócio... [8]
Praticamente toda a produção norte-americana
de soja (primeiro maior produtor) está contaminada pelo transgênico,
mas o mercado internacional está dividido. Segundo pondera
Jean Marc von der Weid [9], países
mais tradicionais não gostam de servir de cobaia para o consumo
de alimentos geneticamente modificados. Os compradores relutantes
teriam opção? Sim: o Brasil, segundo maior produtor.
[10]
No entanto, a opção da soja natural
prejudica comercialmente quem investiu milhões em pesquisa
genética. Uma solução oportuna seria ver "transmutada"
essa opção. O procedimento aqui, como no tema do rapto
de Perséfone, parece envolver a política do fato consumado.
[8] Veja no site da Monsanto
as áreas do Brasil que têm representantes da empresa.
[9] Economista, assessor da FAO. Artigo publicado no Jornal do Brasil
em 24/04/2002, citado em http://www.planetaorganico.com.br/jeanmarc2-fome.htm
[10] confirme no site da Monsanto.
Uma Votação
O que hoje paira no ar e enche os olhos do povo brasileiro
é a idéia de uma agricultura mais lucrativa. Porque
o sonho de ter um futuro brilhante domina o imaginário nacional,
inclusive o de membros do Senado Nacional, que pensam ter bons motivos
para votar a favor da liberação do plantio da soja
transgênica [11].
Pensa-se que o que temos não é tão
bom quanto a "modernidade" estrangeira. Ocorre que muitas
vezes a "modernidade" é apenas uma experiência
que não obteve os resultados desejados em seu país
de origem, que deixou esse país de algum modo mal, e que
precisa urgentemente ser transplantada para algum outro lugar para
que o investimento não seja totalmente perdido. Pode ser
o caso da soja. [12]
O fantasma da inferioridade é daninho a todos
nós e precisa ser exorcizado. Um bom começo é
abrir os olhos para o óbvio: somos um grande produtor, temos
ainda o melhor produto e, embora não sejamos mais Kóre,
a pátria-virgem de anos atrás (já plantamos
o "fruto de Hades"), ainda não estamos totalmente
contaminados, ainda temos a terra fértil e podemos lucrar
com isso [13].
Podemos chorar como Demeter, mas, diferente dela,
nós já sabemos o que houve. E sabemos que nossos "Zeus"
vão ter que se manifestar para votar essa questão
[14]. Sabemos, desde os tempos míticos,
que "Zeus" está interessado em manter bom convívio
com Hades (cabe agora chamá-lo por seu nome latino: Pluto,
"o rico"). Mas "Zeus" precisa começar
a compreender, e antes agora do que quando a terra estiver seca,
que o que é da superfície da terra deve continuar
sob o poder da superfície da terra para que não sejamos
obrigados a comer grãos-bactéria ao molho de glifosato.
Como intervir nos fatos? Simples. O poder de Hades
está nas profundezas, no que é oculto e deve permanecer
oculto. Certas coisas não ficam bem sob holofotes. Assim,
nossa única e poderosa possibilidade é jogar luz sobre
o assunto, e ventilá-lo. Uma forma imediata de jogar luz
é lutar pela rotulagem dos produtos. É preciso saber
o que estamos consumindo, e para o bem de quem.
Outra forma é pressionar "Zeus"
[15]. E, seguindo o mito, podemos,
como Hélios, estar conscientes do que está acontecendo;
podemos, como Hécate, indignar-nos e clamar por justiça
para a terra; podemos ativar nossos "Mercúrios",
nossos jornalistas, nossos comerciantes, para que intercedam pelo
bem estar do solo que nos alimenta.
[11] Jornal do Senado, dia 29/08/2003:
o Senador Valdir Raupp aplaude decisão de liberação
do comércio da soja transgênica. Jornal do Senado,
dia 01/09/2003: o Senador Sibá Machado defende a rotulagem
dos produtos transgênicos, é contra o plantio imediato
mas quer estudar a questão.
[12] Confira estudo no site
do PT.
[13] Confira no site do Crea-RJ.
[14] No momento em que o artigo foi escrito o projeto de lei que
regulamenta a questão da biossegurança estava em discussão
na Casa Civil.
[15] Em 24.09.2003 o JB On line publicou: "No Tribunal Regional
Federal, o desembargador Antônio Souza Prudente advertiu que
a edição de uma MP contra decisão do Poder
Judiciário, que suspendeu o plantio, poderia ser configurada
como crime de responsabilidade, punido até com o impedimento
do presidente da República."
[16] Cio da Terra, Milton Nascimento/Chico Buarque.
Leia outros artigos de Valeria
Bustamante.
Leia também, de Fernando Fernandes:
Monsanto, o veneno multinacional
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