O "ócio astrológico"
Nem em enciclopédias, como as de Devore, Gouchon,
Carter ou Lebrón, nem em artigos se encontra menção
alguma ao tema que hoje nos ocupa, de forma que poderíamos
afirmar que para a Astrologia o ócio não existe, tal
a absoluta carência de referências. O mais perto que
se chega deste conceito relaciona-se com a casa V e a noção
de diversão, jogo, criatividade que, se bem que possam ser
manifestações do ócio, não chegam a
esgotar a amplitude do conceito.
Quais seriam os fatores associados com o ócio?
Em minha opinião, são basicamente três:
a - A casa XII
b - A Lua
c - O Nodo Sul
A casa XII
O eixo VI - XII exige domínio e transformação
de uma realidade - concreta e visível na casa VI, abstrata
e invisível na casa XII.
Na casa VI, a última da zona pessoal do hemisfério
inferior, o indivíduo se defronta com a administração
do cotidiano e põe à prova sua capacidade de adaptação
ao próprio corpo (saúde) ou à natureza que
o rodeia (trabalho). Para alcançar as metas deste setor,
é preciso lançar mão de discernimento, poder
de observação, método e sistematização.
O controle do mundo imediato tem como objetivo chegar ao encontro
com os demais, próprio do hemisfério seguinte, oferecendo
o melhor de si. Acontece que a teoria termina por aqui, porque a
exacerbação da ênfase neste setor a que se submetem
as crianças de hoje destina-se não a levá-las
a oferecer o melhor de si, mas tem por base a visão de que
há que trabalhar duro, porque o outro é um competidor
feroz que tirará partido de qualquer sintoma de debilidade.
A casa VI propõe o manejo da rotina, a incorporação
de hábitos (alimentares, higiênicos), a capacidade
para levar adiante uma vida metódica. É conveniente
destacar que a ordem não é uma categoria universal
e que, pelo contrário, existem vários ordenamentos
possíveis. Se uma criatura apresenta Libra ou Vênus
nesta casa, é provável que não possa realizar
esforços prolongados, pois carece da energia suficiente para
isso. Necessitará de uma longa série de impulsos curtos,
interrompidos por períodos de recreação, ainda
que - por exemplo - para sua mãe, com Capricórnio
na mesma casa, pareça uma extrema falta de eficiência
fazer em duas horas o que poderia realizar em uma.
Compreender os ritmos individuais, e não apenas
os acordos coletivos indispensáveis à convivência,
resulta numa infância com melhor saúde. Tal compreensão
tornaria desnecessário o recurso à enfermidade como
mecanismo para expressar dificuldades, no estilo das anginas que
a criança manifesta como reação ao fato de
não conseguir engolir a comida que obrigam-na a comer no
horário X ou na temperatura Y.
Mas, como afirmava no início do artigo, os
filhos da geração de Plutão em Virgem padecem
de uma exacerbada atividade neste setor, em detrimento da casa XII.
Na XII também é necessário mudar
uma realidade, mas interior. Uma zona onde o indivíduo corre
o risco de perder-se entre labirintos e passagens secretas e onde
pode temer que algum fantasma aterrador o atormente. Observe-se
que esta casa proporciona sensações de incerteza,
temores e autolimitações quando é vivenciada
como "o outro" da realidade e não como um área
que a complementa.
Jorge Antar, em uma conferência que ministrou
sobre o ócio e sua relação com os quatro elementos,
especificava quatro condições do estado de ociosidade,
que, no meu entender são condições da casa
XII:
· Diminuição da autoconsciência
e do pensamento autocrítico.
· Diminuição da consciência do tempo.
· Diminuição da vivência de esforço.
· Recarregamento energético.
Quatro condições inalcançáveis
para a criança superexigida, que sem dúvida se torna
"alienada", fora de si, na medida em que, estandardizada
e programada, não pode reconhecer-se naquilo que faz. Recordemos
que o conceito de alienação é usado por Marx
em seus primeiros tempos para descrever o estado de alheamento que
acomete o operário da indústria que, ao contrário
do artesão medieval, já não consegue reconhecer-se
no objeto produzido. Da mesma forma as crianças que não
podem brincar com suas imagens interiores e revertê-las num
proceso de encontro consigo mesmas - expressão da subjetividade
na realidade objetiva, criadora de situações que,
em sua própria liberdade, desencadeiam o efeito da catarse
- permanecem divididas entre o cumprimento de uma rotina massacrante
e profundos núcleos de temores que se manifestam como disfunções
físicas e/ou psíquicas.
É curioso que a casa XII, tão repleta
de significados obscuros, seja o setor, astronomicamente falando,
no qual se encontra o Sol nas primeiras horas do dia, quando nasce
no horizonte com grande luminosidade, mais ou menos entre as 6 e
as 8 da manhã.
Karen Hamaker Zondag, em seu livro A casa XII, afirma,
entre outras coisas, que os planetas ali posicionados manifestam
o que o indivíduo faz quando se encontra a sós, ou
seja, quando não se sente obrigado a responder às
demandas do entorno. Também assinala que este setor responde
pelo período de gestação do nativo, o período
idílico no qual o ser está protegido das tensões
polares como frio-calor, fome-saciedade etc.
Do ponto de vista psicológico, poder-se-ia
pensar que o paraíso, conceito comum a todas as culturas,
é uma idealização, uma nostalgia social do
período uterino. Em hebreu, Edén significa prazer,
jardim de prazer, enquanto Paraíso provém do persa
e significa recinto fechado. Em conseqüência, seguindo
este fio de pensamento, diríamos que a casa XII, na medida
em que é memória da gestação, é
um jardim de prazer protegido.
Teria sido por causa da história da serpente
e da perda da inocência que o correspondente individual do
Edén, esse lugar onde o homem é, sem que precise fazer
algo a respeito, converteu-se astrologicamente no setor dos inimigos
ocultos?
O mesmo Deus que trabalhou nos primeiros seis dias
para criar o mundo descansou no sétimo, segundo o relato
do Gênesis. Contudo, será que Deus descansou porque
se esgotou fazendo o mundo ou, ao contrário, no sétimo
dia desfrutou o prazer de não ter de andar por aí
fazendo pássaros, águas, gente e tudo o mais?
Como se comporta o eixo VI-XII
do ponto de vista dos elementos?
Astrologia infantil: a função
do ócio
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