A literatura astrológica ignora por completo
o tema do ócio e sua importância como pré-requisito
para o enriquecimento da vida interior. Silvia Ceres, neste trabalho
apresentado no XVIII Congresso Ibérico de Astrologia (Madri,
2001), aponta o grande drama da criança de hoje - a síndrome
da agenda lotada - e destaca alguns antídotos: a vivência
adequada da casa XII, da Lua e do Nodo Sul.
Astrologia infantil: a função
do ócio
Há aproximadamente 15 anos venho dedicando
parte do trabalho de consulta às cartas natais de crianças,
e é interessante observar como foi mudando o discurso dos
pais ao solicitar o estudo astrológico de seus filhos.
Pelo início dos anos 80, na transição
da ditadura militar para o governo civil, havia uma preocupação
de como educar as crianças para que fossem mais felizes.
Logo já se discutiam quais eram os esportes ou as atividades
extra-escolares (música, idiomas, artes plásticas)
adequadas, mas sempre com vistas a um certo estado de plenitude
pessoal da criança. Um pouco depois começaram os pedidos
de conselho sobre a escolha de colégios, e aqui já
se observava um deslocamento no discurso: há alguns anos
anos perguntava-se basicamente pela estrutura curricular, mais tarde
pelo nível de exigência acadêmica.
Entretanto, as causas de consulta atuais se concentram
especialmente em temas ligados à saúde: colesterol,
pressão arterial, perturbações do sono e da
alimentação, alterações de conduta,
atitudes bipolares de excitação seguida por desinteresse
e depressão etc. Resumindo, poderíamos dizer que os
pais consultam sobre o estresse de seus filhos, gerado pela hiperatividade
e pelas exigências que pesam sobre eles; ou ainda por situações
de violência que se tornam inadministráveis para os
adultos.
Como bem observa Ismael Gil em seu artigo A geração
da chave e da mochila (Mercurio 3 Nº 29, 3º trimestre
de 2000), os filhos de Plutão em Virgem padecem, entre outras
coisas, da síndrome da agenda lotada.
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Paradoxo de nossos dias: enquanto se promovem
campanhas contra empresas multinacionais que utilizam mão-de-obra
infantil em suas fábricas do Extremo-Oriente, os filhos
das classes mais favorecidas trabalham arduamente para treinar
sua futura sobrevivência num mundo hipercompetitivo.
Observando da perspectiva astrológica:
rotina sobrecarregada de obrigações, horários
a cumprir, tarefas disciplinadas e regulamentadas por outros
(até mesmo aquelas supostamente recreativas e que sempre
têm um coordenador dizendo como e quando é necessário
divertir-se), sintomas de enfermidades físicas resultantes
da alimentação ou de hábitos sedentários,
como o colesterol ou a obesidade infantil, tudo isso define
uma exagerada manifestação de temáticas
de casa VI.
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Qual é a enorme carência das crianças
desta geração? A possibilidade de desfrutarem o ócio,
tema que merece pouca atenção entre os profissionais
da saúde e que não recebe nenhuma menção
na bibliografia astrológica.
Proponho então desenvolver o tema do ócio
como assunto que merece um enquadramento teórico adequado,
para a seguir rastrear seus indicadores astrológicos.
Algumas ociosas reflexões
sobre a preguiça
O que queremos dizer com a palavra ócio? Em
princípio, falamos de dispor de um tempo isento de obrigações
(estudantis, laborais, familiares), e cuja forma de desfrute é
decidida livremente pelo indivíduo. Ter o controle de um
certo quantum de tempo e resolver o que fazer com ele é hoje
uma das situações mais raras da vida infantil.
Em vez de jogar bola com os coleguinhas, o menino
vai à escola de futebol: horário, regulamentos, treinamento,
competição. Em vez de recriar sua realidade através
do jogo criativo, vai à escolinha de artes plásticas
onde deve enquadrar sua imaginação aos critérios
que o professor estabelece. Em vez de investigar com curiosidade
o ambiente em volta, freqüenta a aula de ciências que
lhe diz como questionar o mundo. E se é seu aniversário
ou o de um amiguinho, aparecerá uma senhorita para dizer-lhes
como devem divertir-se.
Deixando de lado a chamada indústria do ócio
- videogames, turismo, empresas de entretenimento, filmes etc. -
está evidente que a infância pouco sabe do ócio,
e sim muito do negócio (etimologicamente, a negação
do ócio).
Como se desenvolveu, ao longo dos séculos
no ocidente cristão, este raro entrechoque da preguiça,
um dos sete pecados capitais, com a maldição bíblica
do "ganharás o pão com o suor do teu rosto",
isto é, com trabalho (do latim trepalium, que era o nome
de um instrumento de tortura)? Como podemos notar, salta-se do caldeirão
e cai-se direto no fogo (do inferno?).
O ócio, idealizado na antiga Grécia
como atitude necessária para alguém elevar-se às
formas superiores do conhecimento, carecerá de espaço
significativo no pensamento pragmático dos romanos, mas voltará
à ordem do dia no século XIII, quando ganhará
corpo o conceito de a preguiça como "mãe de todos
os vícios". Com o protestantismo, a ideologia do trabalho
como valor supremo se solidifica ainda mais, construindo-se certa
sinonímia entre ócio, vício e pobreza e, por
outro lado, entre laboriosidade, virtude e riqueza.
E, salvo algumas vozes solitárias, como a
de Paul Lafargue, que em 1880 escreveu O direito à preguiça,
quase nada se teorizou sobre o assunto.
Resumindo: o ócio não é desperdiçar
tempo, mas ter tempo para si, para o que se deseja; não é
tempo livre - no sentido de ainda não usado - mas sim o tempo
que conseguimos liberar das ocupações. O grau de liberdade
pode medir-se por nosso deambular pessoal, em que nos encontramos
e nos perdemos de nós mesmos à revelia de qualquer
consideração utilitária.
Como antítese de que "o tempo é
dinheiro", podemos afirmar que o tempo é um valor sem
preço na medida em que pudermos dispor dele do jeito que
nos der na telha.
O "ócio astrológico"
Como se comporta o eixo VI-XII do ponto de vista
dos elementos?
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