Astrólogos anti-regulamentação:
os irredutíveis gauleses
Enquanto os astrônomos esperneavam, o debate
se estendia para as listas de discussão de Astrologia na
Internet. Entre os opositores da regulamentação estão
Alexey Dodsworth (Bahia), Valdenir Benedetti (atualmente no Paraná)
e Vanessa Tuleski (Rio), que mantiveram aceso o clima de celeuma.
Eis alguns trechos do debate:
VANESSA TULESKI - Parece haver dois grupos. O primeiro
é o daqueles que pretendem ocupar cargos, como presidentes
de conselhos, vice-presidentes. Atualmente, somos todos iguais.
A regulamentação gera, naturalmente, uma estrutura
vertical, e (...) vai permitir o que nunca foi possível na
astrologia: poder sobre os outros colegas de profissão. O
segundo grupo é o de donos de escola. (...) Hoje estas escolas
concorrem com professores particulares, alunos autodidatas, cursinhos
menos estruturados etc. Com a regulamentação, esta
concorrência será eliminada, pois, se bem compreendi,
a longo prazo será mais fácil você ser astrólogo
se passar por uma delas. Isto fará com que mesmo aqueles
estudantes que a princípio não querem ser astrólogos
profissionais passem a freqüentar estas escolas, que serão
as oficiais. Isto, querendo ou não, é um ganho
de poder. Hoje nenhuma escola é oficial, por melhor que seja.
Com a regulamentação, estas escolas irão ganhar
um status que, querendo ou não, elas não tem
hoje. Embora possam ter respeito (até por seus méritos
conquistados), são vistas como "uma opção
entre tantas". (...) Dentre as estruturas decadentes, a escola,
tal como conhecemos, é uma das mais problemáticas.
O que é o ensino senão decorar, fazer provas, tentar
adivinhar o que o professor quer que você diga e pensar
o mínimo possível? O meu temor é que, ao tornar
as escolas "oficiais", você, justamente, transplante
esta estrutura decadente para dentro do ensino da astrologia. Imagine
uma pessoa entrando em uma destas escolas, com o currículo
completo, e, tal como acontece na escola normal, ela diga: "este
professor de sinastria é péssimo, mas eu quero ter
o meu diploma, por isto vou aturá-lo, depois eu aprendo a
fazer sinastria." (...) Eu temo, igualmente, que estas escolas
oficiais, com o tempo, tragam um ensino uniformizado. (...) Acho
interessante que alguém faça um curso com a Maria
Eugênia, outro com outra pessoa, e assim por diante. Como
você mesmo disse, Val, uma das melhores coisas da astrologia
é a liberdade que elas nos proporciona, e eu acho maravilhosa
esta liberdade de escolha de com quem aprender, o que aprender,
quando aprender.
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O senador Artur
da Távola (esquerda, em foto de divulgação
de seu site oficial) e o deputado Luiz Sérgio (direita,
idem) provavelmente não imaginavam que as propostas de
regulamentação gerassem tantas resistências. |
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VALDENIR BENEDETTI - Bem, quem sabe não seja
uma estratégia muito bem elaborada para cooptar e anular
o poder da astrologia, hein?
VANESSA TULESKI - Acaba tendo este sentido. Dependendo
do modo como for feita a regulamentação, do que for
priorizado, podemos estar construindo o futuro de uma astrologia
burra e alienada. Isto é o que acaba acontecendo quando há
um excesso de burocracia, oficializações, amarras,
e, mesmo, unanimidade forçada. (...) A regulamentação
não me parece ter sido um movimento de todos os astrólogos.
Realmente, alguém assumiu a dianteira disso porque viu algum
benefício imediato. Talvez não tenha estado inteiramente
consciente de todas as implicações. O rótulo
da oficialidade, de algo "legal", é muito reluzente.
As pessoas gostam de dizer que são oficiais, certas, aprovadas
por isto ou por aquilo etc.
VALDENIR BENEDETTI - Nenhum astrólogo que
conheço foi preso ainda (o prof. Waldyr já disse diversas
vezes que, quando um astrólogo for preso, daí a astrologia
vai ser finalmente reconhecida. E ele está certo.).
ALEXEY DODSWORTH - Quando surgiu a notícia
de que o projeto da regulamentação da profissão
de astrólogo havia sido aprovado, li algumas mensagens entusiasmadas,
do estilo "mais um ponto para a astrologia brasileira".
Como você, não consigo ver que ponto é esse,
ou que vantagens isso nos traz. Como disse o Bola, sabiamente, "passaremos
a ser regidos por um dos mais cruéis, desonestos e desumanos
sistemas previdenciários do mundo".
VANESSA TULESKI - No fundo, é uma afirmação
do tipo "agora vamos existir". Infelizmente, porém,
não é deste modo que vamos existir. Para boa parte
do público, que acha que astrologia é embromação,
o fato de a profissão de astrólogo existir será
visto como mais uma das leis malucas que conseguiram fazer aprovar.
ALEXEY DODSWORTH - "Eliminar" os charlatães
é uma árdua tarefa que não será realizada
com uma simples regulamentação. Considerando que o
adjetivo "charlatão" é deveras subjetivo
quando se trata de astrologia (posto que para uma enorme parcela
da sociedade nós astrólogos somos charlatães
e deveríamos ser eliminados), como determinar o que é
e o que não é "charlatanismo" dentro de
uma área do saber que ainda não está madura
o suficiente para definir de forma clara o que é efetivo
e o que é bobagem? Alguém aqui sabe dizer e provar
o que é sério e o que é pachecada em
Astrologia?
VANESSA TULESKI - Bem lembrado. Ele pode ser um charlatão
muito apreciado. E até mesmo famoso. Além disso, enfatizando
este ponto: (...) Quem vai definir o que é certo e errado
em astrologia? Uma vez encontrei uma mistura de astrólogo
com astrônomo (é, isto existe!) que disse que, se na
astronomia não existe planeta retrógrado, então
estávamos errados em fazer esta interpretação
na astrologia. A veemência com que esta pessoa defendeu este
e outros pontos de vista me assustou. Não tive dúvida
de que se ela estivesse no topo de uma estrutura proibiria qualquer
artigo mencionando planetas retrógrados, Lilith e outros
pontos dos quais ela discordava.
ALEXEY DODSWORTH - Vera Facciollo enviou a seguinte
mensagem em 1998 para a lista Astroforum: "Os astrólogos
contrários à regulamentação têm
medo de ser julgados e verem seus pontos fracos identificados."
(...) Esta afirmação "forçação
de barra", que diz que quem não deve não teme,
considera que nós estamos temendo algo. Eu não
temo regulamentação alguma. Só acho a regulamentação
algo ingênuo para o momento, um carro na frente dos bois,
como vivo dizendo. E se por acaso algum dia eu não passar
no crivo do CRAS, não tem problema, viro cosmobiólogo,
invento outro nome pra mesma coisa que faço, e tal. O que
eu acho difícil é muito astrólogo que tem por
aí, que defende a regulamentação, passar pelo
meu crivo. (...) É irônico que alguns astrólogos
se queixem de que a astrologia seja considerada charlatanismo, e
estes mesmos astrólogos se submetem a fazer horóscopo
de jornal. "Amiga geminiana, não faça fofocas
hoje. Amiga escorpiana, você é um torpedo na cama!"
Blargh.
A discussão esquenta com a participação
de Alexandre Fücher, da Escola Regulus, de São Paulo,
defensor da regulamentação:
ALEXANDRE FÜCHER - Uma das críticas que
se fala muito é que (...) "vamos ter que pagar mais
impostos" etc. Quando trabalhamos legalmente pagamos os mesmos
impostos, sendo astrólogos ou não. A Regulus é
uma empresa, tenho que pagar todos os impostos e contribuições
sociais e sindicais, o que muda é o destino do imposto pago,
e não o valor. A única taxa cobrada a mais será
a do Conselho Regional.
ALEXEY DODSWORTH - Pois é, este é um
ponto que parece bobo, mas faz sentido. Brasileiro adora parecer
que é rico, afinal de contas o que é uma taxazinha
a mais? (...) Somos tão ricos, mas tão ricos que não
nos importamos em pagar CPMF, PIS, Cofins, INSS, ISS, IPTU, IPVA,
IR, somos tão ricos que gastamos tudo isso e ainda dançamos
carnaval!!! (...) Nós, ricaços brasileiros, pagamos
por mês em juros o que um americano paga por ano. Diante disso,
(...) o que custa pagar o CRAS? Afinal de contas, o Brasil será
o primeiro e único país a ter a profissão de
astrólogo como algo regulamentado. Não somos, além
de ricos, inteligentes? A classe astrólogica brasileira é
muito menor e menos representativa do que a americana, mas somos
nós que teremos que pagar a carteirinha do CRAS! É
magnífico!!!
ALEXANDRE FÜCHER - Muita gente acha que a astrologia
não interessa a nenhum outro órgão de classe
e não precisamos reconhecer a profissão. Aí
é que está o problema, na área de RH e mesmo
na Psicologia tem muita gente utilizando a Astrologia. Até
há pouco tempo o CRP caçava psicólogos-astrólogos,
hoje a coisa está mudando... Existe o perigo, embora muitos
não acreditem, de a Astrologia ser abraçada pela Psicologia,
como a Acupuntura foi engolida pela Medicina. Teremos que ser psicólogos
para sermos astrólogos.
ALEXEY DODSWORTH - Há uma pequena distorção
nessa sua última afirmação, Alexandre. Veja
bem: ainda que a psicologia encapasse a astrologia, como
diz-se que a medicina fez com a acupuntura, os astrólogos
que tivessem um determinado tempo de atividade seriam reconhecidos,
assim como a medicina fez com os acupunturistas que atuavam há
um certo tempo. Entretanto, até onde sei, a medicina reconheceu
a acupuntura como uma prática médica, entretanto não
conseguiu os direitos de copyright sobre ela. Rola uma briga
sobre isso, e por enquanto os acupunturistas estão ganhando,
tanto que todas as escolas de formação de acupunturistas
continuam funcionando tanto em Salvador quanto no Rio, são
legais e não é preciso ser médico para cursá-las.
Mas você sabe que seria uma excelente idéia precisar
ser psicólogo para ser astrólogo? Pelo menos teríamos
menos pseudo-analistas e mais analistas reais. Mas estou brincando,
não gostaria que a psicologia encapasse a astrologia. E duvido
que a própria psicologia queira.
Nota de Constelar: neste ponto, pedimos
a opinião de Roseane Debatin, médica e professora
de Acupuntura, e que inclusive já deu alguns workshops
na escola de Salvador a que Alexey se refere.
ROSEANE DEBATIN - Apenas uma observação:
quando a Medicina reconheceu a Acupuntura, também tornou
sua prática privativa de profissionais da área
de saúde, como médicos, fisioterapeutas, veterinários
e dentistas. O acupunturista sem formação num
desses cursos ainda pode exercer a profissão, mas apenas
em nível técnico, sem fazer diagnóstico
e sob rigorosa supervisão do médico. Na prática,
isso significa dizer que a Acupuntura foi engolida sim. A
briga realmente continua, mas agora é para criar um
curso superior específico de Medicina Oriental, cujo
currículo deveria ser bem diferente daquele dos cursos
de Medicina Ocidental.
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ALEXANDRE FÜCHER - Agora, o que isso tem a ver
com a regulamentação? Pois bem, uma universidade já
desenvolveu um curso de extensão universitária nesta
área (Gestão e RH), ligando com Astrologia, a primeira
turma será em agosto. Os profissionais que atuarão
nesta área serão contratados como profissionais de
RH ou como astrólogos com especialização em
RH? Os professores serão contratados como astrólogos
ou profissionais de RH?
ALEXEY DODSWORTH - Uma universidade de Salvador,
a FACEBA, está organizando o primeiro curso de extensão,
e a astrologia entra como matéria eletiva. Eu serei o responsável
por este curso, e estou contratado como astrólogo. E caso
aconteça de a astrologia virar curso universitário,
neste país maravilhoso onde a universidade é uma estrutura
em decadência, os "beneficiados" seremos nós:
os astrólogos mais antigos serão convidados para serem
professores, e ganharão o magnífico salário
de professor. Os prejudicados serão os alunos, pelos motivos
que nem discorrerei, posto que a Vanessa já os elucidou.
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