O Homem-Aranha e o
Inconsciente Coletivo
As histórias em quadrinhos de super-heróis
são repletas de ação e violência,
talvez demonstrações de força pela força,
é verdade, mas, se apreciarmos devidamente o contexto
geral das histórias, conseguiremos perceber que sempre
se repete o desafio, o ordálio e a vitória final.
Reflexo da cultura norte-americana, profundamente influenciada
pelas antigas raízes nórdicas e pela cultura
híbrida da Idade Média. De fato, é isso
o que os fãs de super-heróis inconscientemente
buscam encontrar nas histórias. É com o arquétipo
de luta, sofrimento e vitória final que eles se identificam.
Neles há sempre aquele guerreiro germânico convertido
ao cristianismo, que ao mesmo tempo busca provar seu valor
e seguir o exemplo da figura redentora que a partir de então
passa a adorar.
Mas o que tem a ver a cultura guerreira da
Idade Média, a Igreja, a miscigenação
cultural e o Inconsciente Coletivo com o Homem-Aranha? Tudo
"e mais um pouco". Ele, como muitos outros, é
um herói criado nos moldes da civilização
ocidental. A cada aventura ele passa por terríveis
dificuldades, busca proteger os fracos e indefesos e, apesar
de seus inimigos sempre retornarem, ele sempre vence, não
importando os problemas que tenha enfrentado no decorrer da
trama.
Mas o Aranha tem um algo mais que reflete um
segundo arquétipo aliado ao do guerreiro entranhado
em nossa mentalidade . Talvez o que mais atraia os fãs
do personagem seja a dicotomia entre a inocência e a
corrupção. A essência das histórias
do aracnídeo gira em torno da pressão que o
mundo considerado adulto exerce sobre os indivíduos,
fazendo com que muitos percam a confiança na honestidade
humana. É uma verdadeira luta entre a total descrença
em preceitos éticos e a responsabilidade de fazer com
que eles sejam cumpridos.
Peter Parker, o alter-ego do Aranha, é
um adolescente franzino, tímido, de quem os fortões
do colégio vivem debochando e tirando vantagem. Ele
é órfão. Foi criado por seus tios com
certa dificuldade financeira. O mundo a seu redor repetidas
vezes tenta provar-lhe que não vale a pena pensar nos
outros, pois os outros não só não estão
nem aí para ele, como se puderem irão prejudicá-lo.
Ainda assim, Peter insiste em enxergar uma possibilidade de
reverter esta situação. O que ele faz? Ele se
esforça ao máximo para ser um exemplo ou pelo
menos para fazer sua parte, cumprindo sua responsabilidade,
obtendo um lugar social através da outra identidade.
Ele age por força da necessidade, pois em sua ótica,
se não se envolver com os problemas que o rodeiam,
quem o fará? Alguém precisa fazê-lo, e
se esse alguém tem que ser ele, que assim seja. Assumirá
o fardo, não sem ressentir-se disso, mas movido por
um terrível complexo de culpa, obrigar-se-á
a abraçar toda uma problemática social - combater
a criminalidade - em detrimento de seus interesses pessoais.
O "algo mais" do Homem-Aranha, é
que, por ser um personagem adolescente, retrata todo um universo
de conflito entre as duas parcelas que lutam na mente humana
durante esta fase da vida. É o "adulto desiludido"
versus a "criança esperançosa". A
primeira faceta é a do homem manipulador e mesquinho
que pouco se importa se o resto do mundo está decadente.
Se assim está, ele nada tem a fazer senão aproveitar
seu poder para controlar o ambiente apenas em função
do próprio bem-estar. A segunda faceta é aquela
que todo adolescente vai aos poucos suprimindo devido às
pressões da sociedade em torno de seu amadurecimento.
O problema é que este amadurecimento muitas vezes significa,
para a mentalidade coletiva, a perda da inocência, de
valores éticos, do sonho. No caso do Homem-Aranha,
é o lado infantil que sobrepuja as maiores dificuldades
justamente por manter a fé na vida e por ser extremamente
criativo. Mas Peter Parker, a identidade secreta, é
um jovem que amadureceu extremamente depressa, assumiu o fardo
de trazer o sustento à própria casa, abandona
seus sonhos em função da necessidade de sobrevivência.
Ele se sente o mais azarado e o mais inadequado ser da face
da Terra. Notem que todos nós, mesmo os adultos, trazemos
este conflito interior entre a criança e o homem maduro.
Leia na seqüência:
O Homem-Aranha como um
herói aquariano
Ou use a teia e salte
para:
O Super-Herói
sofre como um Cristo medieval
O Homem-Aranha e o Inconsciente Coletivo
O Duende Verde e outros bandidos muito
simbólicos
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