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MITOLOGIA E LITERATURA
O mito da Moira
Eugenia Maria Magnavita Galeffi |
Um escritor italiano traz para o mundo contemporâneo
a marca da Moira, ou da tragicidade compulsiva, e tematiza questões,
como a determinismo e do livre arbítrio, que sempre foram caras
a todos os astrólogos.
"
nada é tão
vivo, nem tão atuante quanto a alma grega,
cuja marca indelével facilmente se reconhece
"
Guida Nedda B. Parreiras Horta
Imagem: templo de Juno em Agrigento,
Sicília.
Escritor genovês de origem siciliana e
professor de Literatura Italiana da Universidade de Roma III,
Sergio Campailla demonstra, através de toda a sua obra,
as marcas da cultura helênica enraizadas na antiga Magna
Grécia: válvula de escape para a transmissão
do seu fazer poético. Trágico por excelência,
os seus romances e contos têm como fio condutor a marca
da Moira ou tragicidade compulsiva. |
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Campailla, no seu livro Il Paradiso Terrestre, objeto
do nosso estudo, faz uma ponte entre o passado ultra milenar e o presente.
Tendo como pano de fundo a atual herança da civilização
grega, o Vale dos Templos, em Agrigento [abaixo] , o escritor em
questão vai tecendo o seu romance, entremeado de intertextualidades
pós-modernas, assim como de mitos e figuras da cultura grega e
universal (Ulisses, Eros e Thánatos, Caim e Abel e tantos outros),
com maestria e vigor, dignos de um verdadeiro artista. Os elementos da
tradição insular combinam muito bem com os problemas sociais
da Sicília moderna dos anos Oitenta, levando-nos a diversas leituras:
mitológica, psicológica, sociológica, simbólica,
inclusive esotérica.
Para uma melhor compreensão, vejamos o que viria
a ser exatamente Moira.
Na cultura grega arcaica, Moira significava "parte" ou
"quinhão", vocábulo derivado do verbo "meiromai",
"dividir" [1]. Deusa distribuidora
das partes, era o nome mais comum para designar a divindade do Destino.
Por outro lado, a denominação latina de destino é
"fatum", particípio passado de fari, "falar",
assim como "Fatae" ("aquelas que falaram") e as "Parcae"
("aquelas que fazem parir") são as deusas fatais da religião
romana.
Martin Nilsson, como historiador, diz que a noção de parte
possui um valor sociológico, além de um valor próprio,
abstrato e "leigo", isto é, o destino seria a "parte"
ou o "papel" que uma sociedade hierarquicamente organizada tem
para com cada um dos seus cidadãos [2]
Em Homero às vezes significava a parte da vida decretada para cada
indivíduo, ou seja, a sorte que era pré-estabelecida desde
o nascimento, segundo o pensamento religioso comum aos gregos e a quase
todos os povos da antiguidade; às vezes num sentido mais limitado,
dizia respeito à duração da existência individual
e coletiva. Outras vezes, em Homero, confunde-se com a própria
morte ou com a vontade de Zeus.
A Moira (Moira) essencialmente simbolizava a lei suprema da vida cósmica,
à qual até os próprios deuses estavam sujeitos.
Não é possível estabelecer com certeza
se já, antes de Homero, "Moira" fosse representada como
coletivo, mas é muito provável que sim, devido à
origem antiquíssima do esquema trinitário e em geral das
concepções múltiplas de divindade. Em Delfos eram
duas as Moiras veneradas e na gigantomaquia tomavam parte duas Moiras,
armadas com clavas. Na sua mais antiga representação, no
vaso François, estavam retratadas como quatro. Mas a imagem mais
conhecida e mais freqüente entre os líricos e os trágicos
e em toda a literatura posterior são as três Moiras.
Quando
concebidas em número de três chamam-se Cloto ("a
fiandeira") - símbolo dos altos e baixos que cada qual vive
entre acontecimentos tristes e alegres); Láquesis ("a
que distribui" a cada um a própria sorte); Átropos
(a "imutável" ou a "inelutável", que
ninguém consegue aplacar quando é chegado o momento da própria
morte) [3].
Platão, na República, fala das fiandeiras
que tecem nosso destino. A fábula de Her, o Armênio - que
ressuscita doze dias após a morte - conta como as Moiras determinavam
a nossa vida aqui na terra..
Em Ésquilo, a divindade em maior evidência, ao lado da Justiça,
Díke (Dikh), é a Moira.
Na época da difusão da astrologia, Moira vai se relacionar
com a astrologia na medida em que Moirai são os "graus"
do círculo zodiacal com os quais se calcula a posição
dos planetas no quadro do horóscopo.
É importante lembrar também da relação
existente entre as Moiras e a lua. Como é sabido, nas culturas
primitivas, o romântico satélite exerceu um papel mitogênico,
ligado tanto à noite (pelo seu caráter noturno), quanto
à fecundidade (pela sua relação com as águas)
e ainda devido à sua ciclicidade natural (por causa da periódica
presença astronômica). Tal relação com a lua
é atribuída, tardiamente, a fontes derivadas da filosofia
e da astrologia.
Não podemos negar que a relação com a lua esteja
ligada à idéia de tempo. De fato, Hesíodo considera
as Moiras como irmãs das Horas [4],
além de filhas tanto da Noite [5],
como da união de Zeus com Themis [6].
Na verdade, o conceito de "tempo" (chrónos) na
religião grega nunca se separou do de Moira, nem do ponto de vista
fatalista, nem do ponto de vista mitológico.
A Moira está presente em toda a obra de Sergio Campailla, e em
modo particular no seu romance Il Paradiso Terrestre.

Sergio Campailla nasceu em Gênova em 24
de novembro de 1945 e sua família tem antigas raízes
sicilianas. Com formação em Letras e Filosofia,
é professor de Literatura Italiana da Universidade de Roma.
Romancista e conferencista, conduziu seminários em diversas
partes do mundo, inclusive no Brasil (Salvador e Rio de Janeiro).
Significativamente, a foto que Sergio Campailla escolheu para
ilustrar seu próprio website mostra-o tendo ao fundo a
Zona Sul do Rio.
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Ao longo do seu texto, Campailla consegue resgatar a origem
helênica contida no gens siciliano que por um lado está arraigada
no próprio povo da Nova Magna Grécia, e do outro, se origina
no grande amor pelos estudos clássicos, pilar de sua cultura. De
fato, em Il Paradiso Terrestre o escritor em tela extrai da atmosfera
natural de Agrigento, com seus templos gregos, o cenário ideal
para uma neo-tragédia fantasiada de romance.
Assim como seu autor, o personagem Vanni Corvaia é genovês
de origem siciliana e por isso não se sente nem completamente siciliano,
nem tampouco genovês. Vai para a Sicília em busca da própria
identidade. Ele procura inconscientemente, através das raízes
da nobre origem materna, um sentido para a sua vida. Tencionando ir até
Módica, cidade de origem materna (também do próprio
Campailla), detém-se em Agrigento para visitar os templos. Como
arquiteto-arqueólogo não podia escolher melhor lugar, tanto
como profissional, quanto para poder dar asas à sua fantasia mítica.
Nada mais romântico do que conhecer uma grega, linda e morena como
sua mãe, que lhe corresponde e que ainda por cima tem o nome de
Penélope. Por outro lado, Vanni tinha deixado em Gênova a
namorada Elena (Helena), nome sugestivo no contexto da Hélade.
NOTAS:
[1] P. Chantraîne,
Dictionnaire Étimologique de la Langue Grécque . Paris:
Éditions Klinchsieck, 1983, p. 679.
[2] Cf. A. Magris. L'idea del destino nel
pensiero antico. Trieste: Del Bianco, 1984, vol. I, p. 41.
[3] Cf. F. Magnavita. A essência do
drama em Ésquilo. Salvador, Bahia, 1961, p. 154.
[4] Ibidem, p. 53.
[5] Hesíodo. Teogonia. A origem dos
deuses. São Paulo: Iluminuras, 1991, vv. 217-219, p. 117.
[6] Ibidem, vv. 904-906, p. 157.
O tema da Moira no Paradiso Terrestre
e na obra de Ésquilo
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