Um
olhar brasileiro em Astrologia
Edição 170 :: Agosto/2012 |
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BAHIA, LUA DO BRASILBrasil, o país onde comeram o bispo
Um dos mapas mais importantes para a compreensão da identidade astrológica do Brasil é o da instalação do Governo Geral com chegada de Tomé de Sousa à Bahia, em 1549. Essa mapa inaugura um padrão de permanente atrito entre o povo da terra e as autoridades, cuja vida nunca foi fácil: uma delas acabou virando jantar dos índios. Chegada de Tomé de Sousa em gravura do século XIX. Nem só de A chegada de Tomé de Sousa ao Brasil marca uma virada na atitude da coroa portuguesa em relação à nova colônia. Durante algumas décadas relegada a segundo plano, já que os esforços lusitanos estavam concentrados no Oriente, a colônia tivera sua ocupação deixada até então nas mãos de intermediários, que aqui estabeleceram feitorias e depois as capitanias hereditárias. Como se sabe, tal modelo fracassara, devido à carência de recursos dos donatários e à desarticulação do projeto frente às dificuldades de ocupação do território. Ao instituir o governo geral e para cá enviar Tomé de Sousa, a coroa inicia, de fato, a fase da administração direta e sistemática em territórios do Novo Mundo. Tomé de Sousa é um militar e administrador, e comporta-se como tal. O padre Manuel da Nóbrega e seus companheiros representam a chegada do elemento civilizatório da igreja, consubstanciada numa ordem religiosa – a dos jesuítas – também organizada em bases militares. Sabemos, com base nas cartas do Padre Nóbrega, única testemunha ocular a deixar registro escrito do acontecimento, que a chegada da esquadra de Tomé de Sousa se deu com o "sol a pino" e "pouco antes do almoço". Isso significa que o mapa deve ser calculado para pouco antes do meio-dia, o que nos deixa dois Ascendentes possíveis: Gêmeos ou Câncer. Entendemos que o Ascendente em Câncer, com Áries no Meio do Céu, responde de maneira mais adequada à necessidade básica que sempre orientou a atuação de governadores gerais e vice-reis: garantir a integridade territorial e o controle das riquezas da colônia mediante a presença ostensiva do colonizador e o uso da força militar (Sol, Lua e Júpiter em Áries na casa 10). Do ponto de vista territorial, a atuação do governo geral sempre foi muito mais defensiva do que ofensiva, dadas as sucessivas ameaças consubstanciadas nos espanhóis, franceses, holandeses e, a partir de um certo momento, nos próprios impulsos nativistas da população local. Chegada de Tomé de Sousa ao Brasil - carta retificada - 29.3.1549, 11h45 LMT. O mapa que aqui apresentamos é especulativo, calculado para 29 de março de 1549, às 11h45, hora local. Nele vemos os primeiros graus de Câncer ascendendo. Seu regente, a Lua, encontra-se em Áries, signo do guerreiro e do pioneiro, em conjunção com Sol e Júpiter na casa 10. Temos aí o simbolismo da nova terra (Câncer, que bem descreve o ambiente de uma baía, uma porção de água protegida) submetida ao controle da autoridade real (o Sol) e espiritual (a Igreja, Júpiter). O stellium na casa 10, onde além dos planetas citados ainda estão Netuno e Mercúrio, reforça o significado daquele momento como um ato público, de impacto coletivo, relacionado ao processo administrativo e à instituição de mecanismos de poder. Já a presença de Marte, regente da 10, nos últimos graus de Gêmeos, em conjunção com o Ascendente, reforça o aspecto pioneiro e militar do empreendimento. Veja-se que Tomé de Sousa gastará boa parte dos nove anos que aqui passou combatendo tribos rebeldes e lançando as bases da administração colonial, inclusive de sua burocracia (Marte em Gêmeos parece um bom símbolo para o início de uma estrutura burocrática, ou seja, para um processo que institui aqui a cultura do papel, do documento, da ordem escrita). Veja-se que, neste mapa, Júpiter em 29 de Áries está em conjunção com Netuno nos primeiros graus de Touro, o que une os dois regentes de Peixes, signo na cúspide da casa 9, da lei e da religião organizada. Como Sagitário está na cúspide da 6 (a dos funcionários), temos aí a imagem de uma igreja que se coloca a serviço do Estado e que age em uníssono com este (Júpiter e Sol em Áries). Realmente, o jesuíta Manuel da Nóbrega foi um assessor e conselheiro permanente de Tomé de Sousa, como seria, mais tarde, de Mem de Sá. Além do mais, tudo que se refere à Bahia tem um forte toque canceriano. O Ascendente aqui já antecipa esta tendência, se bem que não estejamos falando ainda do mapa de Salvador, fato que fica evidente por duas razões: 1. O desembarque ocorreu na chamada Vila Velha, um arraial de taperas criado por Caramuru desde muitos anos. Tomé de Sousa ali ficou abrigado cerca de um mês, o que mostra que, mesmo inadequado para os fins da administração, já existia um assentamento urbano anterior à chegada do primeiro governador geral; 2. A chegada de Tomé de Sousa não representou um acontecimento de impacto meramente local, mas sim de caráter nacional. Era a chegada do Governador Geral de toda a colônia, e o mapa daí resultante deve ser considerado uma das cartas necessárias para a compreensão do processo de formação do Brasil como um todo, e não apenas da Bahia. A fundação de Salvador decorreu de uma necessidade administrativa e é um fato posterior, que se insere no quadro mais amplo. Além disso, o local onde surgiria a futura cidade não é o mesmo da Vila Velha de Caramuru (se bem que esta tenha sido, mais tarde, absorvida por aquela). A este propósito, Alexey Dodsworth acrescenta: No caso de Salvador, a consideração de 29 de Março como "data de fundação" é uma coisa extremamente recente. Antes de 1949 não havia consenso algum, ao contrário. Mas, lendo os textos da época, não encontrei um que não considerasse 1º de Maio como sendo a data da fundação. Não se considerava 29 de Março como o nascimento de Salvador, e sim apenas como a chegada de Tomé de Sousa às terras que seriam Salvador. Cabe, finalmente, considerar o mapa da lunação, que aconteceu poucas horas antes da chegada de Tomé de Sousa. A Lua Nova teve lugar às 0h49 LMT, em 17º50’ de Áries, com o Ascendente no primeiro grau de Aquário e Saturno, em 27º49’ de Capricórnio, colado ao Ascendente. Lunação de 29 de março de 1549, calculada para Salvador, às 0h49, algumas horas antes da chegada de Tomé de Sousa. Sendo Saturno o próprio regente do Ascendente, esta Lua Nova marca o momento de submissão da Bahia, em particular, e de todo o Brasil, em geral, a um princípio de autoridade maior, à ordem, à hierarquia da administração colonial. O sentido é claro: acabara-se a farra, acabara-se a liberdade dos portugueses e gentios[1] que faziam o que bem entendiam abrigados pela distância da metrópole. A partir daí, a comunidade organiza-se sob leis rigorosas e severas. Aos índios, foi proibida a antropofagia; aos colonos portugueses, a prática da poligamia (alguns degredados chegados aqui nos primeiros anos mantinham verdadeiros haréns). Tudo o que não estava em concordância com a lei e a moral portuguesa passou a ser objeto de repressão. Basta notar que Saturno está em quadratura com Júpiter, como estará com a Lua algumas horas depois, quando da chegada efetiva de Tomé de Sousa. Todas essas ênfases nas duas cartas – a da lunação e a da chegada do governador – chamam a atenção para o princípio da autoridade e da ordem impositiva: Saturno, Sol, Marte, casa 10. Todo esse projeto de trazer ordem para a colônia funcionou? Não exatamente, como veremos mais adiante. O mapa da lunação coloca em evidência as casas 3 (onde estão Sol, Lua e Júpiter) e 4 (com Netuno e Mercúrio, além de Júpiter colado ao Fundo do Céu). Ficam marcados aqui os significados de acontecimento cultural com forte impacto civilizatório (casa 3) e de fundação das bases de uma nova etapa para a colônia (casa 4). Esta etapa é de forte presença portuguesa e jesuítica, sendo ambas simbolizadas pela conjunção de Júpiter e Netuno no Fundo do Céu (Portugal = Peixes e seus regentes). No mapa da chegada de Tomé de Sousa, Saturno se desloca para a casa 7 e encontra-se em quadratura com o regente do Ascendente. Como o Ascendente mostra os nativos, os donos da terra, é assim que eles viam a chegada do governador: uma figura de autoridade que veio para restringir e cercear. 16 de julho de 1556: o bispo Pero Fernander Sardinha é devorado pelos índios caetés. Ironicamente, o bispo Sardinha foi substituído pelo bispo Leitão, cujo nome já era um convite à antropofagia. A instalação do governo geral não garantiu paz à coroa portuguesa. As oportunidades de desafio ao poder do governador se multiplicaram ao longo de três séculos. Já em 1556, por exemplo, os índios caetés aproveitaram o naufrágio de um navio português para capturar e devorar o bispo Pero Fernandes Sardinha, maior autoridade eclesiástica na colônia. O mapa do festim em que o bispo Sardinha foi servido como prato principal, superposto ao da chegada de Tomé de Sousa, mostra como a vida das autoridades coloniais não era fácil: Saturno e Urano, em oposição no céu do momento, ativam a Lua, regente do mapa do Governo Geral. "Desafio à autoridade", eis o sentido dessa ativação, complementada pelo agressivo Marte transitando sobre o Ascendente. Mais um detalhe: no mapa da chegada de Tomé de Sousa a Lua ariana está em conjunção com o restritivo Nodo Sul, o que contrabalança o sentido positivo da conjunção com Júpiter. Não por acaso, o Brasil do período colonial sempre foi terreno fértil para a guerrilha, a insurreição, a sabotagem, o contrabando, a corrupção, a pirataria, o desrespeito à autoridade e a irreverência (Marte em Gêmeos na 12!). Dois séculos depois da chegada de Tomé de Sousa, um de seus sucessores escreveria ao rei do Portugal, em desespero: "Nessa terra todo mundo rouba, menos eu..." Apesar de todos os percalços, a colônia se manteve territorialmente íntegra, cumprindo, talvez, a melhor promessa da ênfase Câncer-Capricórnio dos mapas da chegada de Tomé de Sousa e da lunação do mesmo dia. A herança do Governo Geral foi um país de administração emperrada, mas de dimensões continentais. O mapa da chegada do primeiro Governador Geral merece, aliás, maior atenção dos astrólogos, na medida em que reflete um dos mais importantes momentos de construção da Administração Pública no Brasil. Temos nele uma das chaves para compreender os eternos problemas dessa terra equatorial: o "jeitinho", o "sabe com quem está falando?" e a corrupção endêmica. [1]Gentios: expressão usada para designar os índios. Outros artigos de Fernando Fernandes. |
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