Um
olhar brasileiro em Astrologia
Edição 144 :: Junho/2010 :: - |
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DEBATE ASTROLOGIA X UNIVERSIDADEOs infiltrados: astrólogos tomam de assaltoa universidade
Em 1666, durante o longo reinado de Luís XIV, o ministro francês Colbert baniu a Astrologia da Universidade. A partir daí, astrólogos e acadêmicos viveram em campos opostos, e muitas vezes trocando petardos. Mas lembra do filme Os Infiltrados, de Martin Scorsese? Nesta entrevista você vai conhecer os novos infiltrados: astrólogos que, numa bem articulada estratégia, conseguiram ocupar espaços dentro da casa do inimigo. Seis diferentes astrólogos - Carlos Hollanda, Martha Perrusi, Cristina Machado, Edil Carvalho, Alexey Dodsworth e a portuguesa Helena Avelar - debatem algumas questões essenciais para a definição do status da Astrologia como área de conhecimento, suas relações com a ciência e o poder e os prós e contras da vida dentro da estrutura acadêmica.
Eles juram que não são parte de um movimento. Garantem que não desejam poder, apenas conhecimento. Mas estão aos poucos conseguindo reverter uma situação que perdura desde 1666, quando Colbert, ministro de Luís XIV, decretou a expulsão da Astrologia do currículo universitário, sob a alegação de falta de comprovação científica. As descobertas de Copérnico haviam comprovado definitivamente a tese do heliocentrismo, fazendo parecer anacrônicos os mapas dos astrólogos, onde o sistema solar ainda era representado em bases geocêntricas. O argumento ainda é usado por cientistas intolerantes e jornalistas desavisados, perpetuando o mito de que o astrólogo é um ser totalmente à margem do conhecimento acadêmico. Nos últimos anos, porém, essa imagem de alienação não vem resistindo às evidências, na medida em que se multiplicam as dissertações de mestrado e as teses de doutorado produzidas por astrólogos inseridos no meio acadêmico. As investidas no campo do inimigo começam a se tornar cada vez mais frequentes: de um lado, são astrólogos profissionais que se transformam em professores de conceituadas universidades; na ponta oposta, são pesquisadores acadêmicos que descobrem a Astrologia e caem de cabeça na literatura proibida. Neste debate, reunimos seis astrólogos que estão no meio do vendaval. Do Rio de Janeiro, participaram três oriundos do grupo conhecido como Academia Celeste: Carlos Hollanda, mestre em História Comparada e doutorando em Artes Visuais pela UFRJ, universidade onde também lecionou em cursos de graduação; Cristina Machado, mestre em Filosofia e doutora em Letras com uma tese sobre o Tetrabiblos de Ptolomeu; e Edil Carvalho, que faz graduação em Filosofia na UFRJ. De Recife vem a professora universitária e mestre em Filosofia Martha Perrusi; do outro lado do Atlântico, a diretora da Academia de Estudos Astrológicos de Lisboa, Helena Avelar, que é mestranda em História Medieval; e, de São Paulo, o polivalente Alexey Dodsworth, consultor do site Personare, estudante de Astrofísica da USP e mestrando em Filosofia na mesma universidade. Prepare-se: eles adoram discutir. E têm argumento pra tudo. Da Psicologia dos anos 80 à Filosofia do século XXICONSTELAR - Durante o boom dos anos 80, o viés teórico mais comum entre astrólogos era em direção à Psicologia ou a Psicanálise. Nos últimos anos, porém, tem sido cada vez mais presente a figura do astrólogo-filósofo, especialmente aquele com boa base acadêmica na filosofia da ciência e na epistemologia. Por quê? EDIL CARVALHO - Talvez isto se deva a uma necessidade de compreender a Astrologia mais profundamente – o que pode ser feito, é claro, através de diversas disciplinas e não somente através da Filosofia. De qualquer modo, tal compreensão pressupõe que o astrólogo tenha abraçado suas próprias dúvidas, não passando por cimas delas, vislumbrando e assumindo que há rachaduras num prédio que é tomado por acabado e perfeito. E mais: que este prédio não está fundado no nada, boiando a esmo, e que suas bases se encontram profundamente alicerçadas na própria cultura humana, da qual todos os saberes fazem parte – o que implica admitir que a Astrologia não é um saber à parte dos outros mas que, ao contrário, se encontra profundamente enraizado e em pleno diálogo com estes. CARLOS HOLLANDA - A presença de astrólogos que vêm optando por uma sólida formação acadêmica é um sintoma de dois processos abrangentes. Um deles resulta de anos de ataques à prática da Astrologia por cientistas de várias áreas, tomando-a por charlatanismo ou mera ingenuidade de seus praticantes. O discurso científico atual possui, social e politicamente, o caráter de "verdade". Isso, a princípio, cria um impasse que se traduz em problemas de credibilidade social e em questões econômicas para profissionais da área, já que a desconfiança na validade ou mesmo na honestidade do astrólogo reduz as possibilidades de atuação exclusiva em seu campo. Em função disso, muitos astrólogos se viram compelidos a buscar uma base epistemológica ou um corpus teórico para a Astrologia que a pudesse legitimar perante um olhar mais crítico. Essa postura e essa crise, creio, são saudáveis, pois estimulam a procura por maior consistência sob diversos pontos de vista, o que inclui aplicações que partem da Psicologia, os aspectos culturais e sociais, relações com a Física de partículas, entre outros campos. Não que se tenha, de fato, chegado a uma explicação para o funcionamento da astrologia, nem tampouco se podendo provar cabalmente que ela funciona. Mas um primeiro passo parece ter sido dado nessa direção. ALEXEY DODSWORTH - O viés psicológico dos anos 80 tem, a meu ver, uma explicação bem simples: a publicação dos excelentes livros de Liz Greene, Howard Sasportas e outros. Note como aquilo que é publicado tem influência decisiva na elaboração do saber de um povo: na Itália, cujo meio astrológico também frequento com grande assiduidade, este viés psicológico nunca foi a vertente dominante. O astrólogo italiano do final do século XX é fundamentalmente um astrólogo clássico, porque a maioria dos livros por lá publicados versam sobre Astrologia Clássica. O fato é: a “psicologização da Astrologia”, feita principalmente após os trabalhos de Jung, é um trabalho muito interessante e foi por muito tempo a minha dinâmica principal, até por conta do meu envolvimento titubeante com Psicologia e Psicanálise. Mas chega-se a um ponto que você fica curioso: como era a Astrologia antes de Jung? Aí é fatal que ocorra um interesse por História da Astrologia e por questões tais quais: por que a Astrologia foi banida? O que é Ciência, afinal? Acho que é um deslocamento natural, este interesse por Filosofia. Note que existe Filosofia de tudo: quando você estuda Direito, caso se aprofunde no tema, terminará se interessando pela Filosofia do Direito. Se você estuda Ciência, quererá mais cedo ou mais tarde estudar Filosofia da Ciência. Se estuda Artes, é fatal que termine mergulhando em algum momento em Estética e Filosofia da Arte. Ora, se existe Filosofia de tudo, me parece natural que uma pessoa que realmente se interesse por Astrologia termine estudando Filosofia. E acho o máximo que exista no Brasil um movimento tão intenso na direção daquilo que chamo de uma Filosofia da Astrologia, e aquilo que meus colegas têm feito é, para mim, motivo de grande orgulho. Note que mesmo astrólogos brasileiros que atuam em paralelo com atividades psi, como Kátia Lins (RJ) e Walter Doege (RS), jamais abrem mão das reflexões filosóficas. E no caso da Kátia e do Walter isso nem seria possível, já que eles são psicanalistas e Freud é, antes de tudo, um grande filósofo. CARLOS HOLLANDA – Eu dizia que a presença de astrólogos que vêm optando por uma sólida formação acadêmica é um sintoma de dois processos abrangentes. O outro processo, mais interessante, a meu ver, não é exatamente uma resposta a acusações ou a ridicularizações. Trata-se da necessidade dos próprios profissionais e estudantes de Astrologia de testarem a validade desse saber, que, sinceramente, não sei até que ponto se pode chamar de arte ou de ciência ou de ambas as coisas. Estes, independentemente das pressões, sentem-se compelidos a buscar na História e na Antropologia, por exemplo, explicações razoáveis para a aceitação contemporânea de um saber que, sob o olhar do paradigma científico vigente, não poderia ser aplicado sob qualquer pretexto, já que nada daquilo seria verdadeiro. Outros encontram na Filosofia razões que outras áreas acadêmicas não poderiam atingir. Não é tão difícil de entender a relação entre a busca do astrólogo de hoje e o estudo filosófico. As ciências atuais são compartimentadas, concentram-se em um recorte epistemológico específico e "filtram" o que pertenceria a outras ciências. A Filosofia não está restrita a uma única área. O próprio nome já diz: "amor ao saber", "amor ou amizade pelo conhecimento" (o filósofo é o amigo ou amante - Philos - do conhecimento, saber ou sabedoria - Sophia). Assim, o filósofo, enquanto aquele que deseja conhecer, é o que aplica a razão para tudo o que se lhe apresenta. Claro que com suas bases e preferências, suas escolas e escolhas, mas a Filosofia é esse olhar sobre o que se deseja saber, seja lá o que for. É por esse motivo que nesse viés acadêmico há muitos astrólogos pesquisando a Filosofia e outros temas que giram em torno dela. CRISTINA MACHADO - Não tenho números exatos para avaliar e também sou suspeita, pois foi exatamente este o meu percurso, mas não acho que seja circunstancial a conexão entre Astrologia e Filosofia. A Astrologia foi sistematizada na Grécia antiga exatamente na época em que a Filosofia e a Política estavam nascendo. A relação, pois, é de berço. ALEXEY DODSWORTH - Quando você estuda Filosofia, você não se torna um “filósofo”, é preciso uma vida para ser merecedor deste título. Mas você se torna um excelente leitor, você aguça o seu pensamento crítico. Como efeito colateral, você se torna um chato de galochas, para quem nunca mais um texto será lido de forma ingênua. Tudo será analisado, ponderado, considerado. E isso é fundamental, principalmente porque um dos grandes problemas – conforme penso – do meio astrológico é a utilização de termos e a apropriação de saberes que se montam como num monstro de Frankestein. O que quero dizer com isso: não adianta praticar uma Astrologia de viés mais psicológico se você não leu profundamente e com senso crítico Jung, Freud e outros. As pessoas pensam que ler Liz Greene é entender Jung. Vai ler Jung, pra ver como é difícil! O estudo da Filosofia tem o potencial de te tornar um melhor pesquisador em qualquer saber que você professe. EDIL CARVALHO - Não seria, pois, normal estudar História, Antropologia, Filosofia, Psicologia, bem como qualquer outra disciplina com a expectativa de compreender mais profundamente a Astrologia, visto que elas parecem ter entre si um grau de irmandade e por estarem filiadas, todas, à cultura humana? Não seria, pois, normal estudar qualquer disciplina destas, visto que elas parecem conter certas respostas para algumas questões astrológicas, ou para alguns problemas dos quais todas talvez compartilhem? Não seria – pelo menos – concebível que o estudo de tais disciplinas viesse a ajudar a Astrologia a compreender a si mesma, ainda mais quando se toma todo o saber astrológico pela sua dimensão exclusivamente técnica, que se encerra somente em regências e quadraturas? Não seria, pois, normal procurar as respostas para tais questões bem além daquilo que se encontra encerrado neste conjunto de informações eminentemente técnicas? Me parece que sim – e se é isto que está acontecendo, é porque talvez estejamos percebendo toda uma complexidade que a Astrologia encerra – e que demanda estudo. E que, sem estudo, a Astrologia talvez não dê os passos necessários para recuperar o status que possuía no passado, numa época em que ela também fazia parte do interesse e da formação do homem letrado e erudito. CARLOS HOLLANDA - Esse senso crítico e a busca epistemológica de astrólogos contemporâneos, obviamente, não é um fenômeno individual pura e simples. Tanto parte das pressões sociais e científicas vigentes em torno de comprovações ou demonstrações de consistência, quanto da necessidade de os próprios indivíduos se sentirem seguros com relação à sua prática, ou pelo menos seu desejo de praticar algo que parece tão fantástico e fora dos padrões. A interpretação astrológica muitas vezes soa como algo mágico e impossível, como quando alguém pergunta a si mesmo: "Como esse sujeito que nunca me viu na vida pode saber que sofri uma cirurgia há três anos? Onde está o truque?" O problema é esse: não tem truque, tem estudo, um penoso e prolongado exercício de síntese de simbologias que terminam por fazer sentido. ALEXEY DODSWORTH - Eu só acho que as coisas não são “uma coisa ou outra”. Este é o problema do falso dilema, que vejo ser repetido com constância: ou você é um astrólogo clássico, ou é um astrólogo moderno (psicológico). Eu sou um astrólogo, e pronto. Pego o que me serve e sirvo ao que me pega. Mas, sintetizando, acho que o estudo da Filosofia é o resultado derradeiro de qualquer pessoa que se interesse por um tema, seja ele “Astrologia” ou qualquer outra coisa. EDIL CARVALHO - Por isso, se no momento atual alguns astrólogos estão se dedicando a estudar mais profundamente a Astrologia, ou se historiadores, antropólogos e filósofos a estão tratando do mesmo modo, talvez seja um sinal modesto de que o antigo aspecto de erudição astrológica está sendo retomado - o que teria muito a felicitar, se não fosse meu pessimismo congênito. CONSTELAR - Essa interseção entre a Astrologia e a Filosofia é uma decorrência natural do processo de produção de conhecimento em Astrologia ou é um fator circunstancial e episódico, acontecendo apenas no Brasil? Martha Perrusi é professora de Filosofia em Recife. Ela vem participando de um trabalho de resgate das cosmovisões populares através do NASEB - Núcleo Ariano Suassuna de Estudos Brasileiros. CARLOS HOLLANDA - Não tenho certeza de que essa interseção entre Astrologia e Filosofia seja algo apenas episódico. Ambas estiveram de mãos dadas desde os pitagóricos ou antes. Filósofos e astrólogos vêm tendo muito em comum há milênios. Também não é algo exclusivo do Brasil. Robert Hand, o famoso astrólogo estadunidense, hoje está fazendo um doutorado falando de astrologia medieval numa universidade católica, com a bênção dos clérigos. Em Portugal há muitos pesquisadores falando sobre o assunto, e uma busca na Internet revela diversas dissertações e teses com termos, digamos, "disfarçados", como "estudos sobre a cosmologia em fulano de tal...". Quando se lê o material, fica claro que ali se fala mesmo é de Astrologia, seja nas práticas medievais, modernas, contemporâneas, na cultura, na epistemologia etc. CRISTINA MACHADO - Não me parece que isso esteja acontecendo só no Brasil, pois tenho notícias de dezenas de iniciativas semelhantes em outras partes do mundo: Argentina, Portugal, Espanha, Itália, França, Inglaterra, EUA... HELENA AVELAR - Pela nossa parte, podemos falar apenas por Portugal. A inserção da Astrologia na Universidade é ainda extremamente incipiente, mas sem dúvida que o pendor é para a História e a Filosofia. Isso é, aliás, o que parece estar a acontecer em todo o mundo, como reflexo da tendência que surgiu há uns anos na Inglaterra e nos Estados Unidos. Posso dizer que acabei seguindo involuntariamente essa tendência, pois estou completando um Mestrado em História Medieval, e a minha tese vai ter por tema a Astrologia. EDIL CARVALHO - Não sei se a interseção entre a Astrologia e a Filosofia é um fator circunstancial e episódico que está ocorrendo apenas no Brasil. O que sei é que esta interseção é, digamos, antiga, e faz parte de um momento original em que a Astrologia não se encontrava divorciada de outros saberes, tampouco da Filosofia. Um testemunho disso é a atividade dos próprios filósofos naturais (physiologoí) e da própria atmosfera intelectual presente na Grécia antiga, em que todo saber que tinha por referência o céu, ou melhor, “as coisas que se encontravam suspensas no ar”, era chamado de Meteorologia, e esta englobava não só o que hoje chamamos de Astronomia, Filosofia, Física, mas também de Astrologia. É preciso renegar a Astrologia para fazer carreira universitária? Faculdade de Astrologia e regulamentação profissional |
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