Um
olhar brasileiro em Astrologia
Edição 13 :: Julho/1999 :: - [Arquivos de Constelar - Republicado: novembro/2007] |
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A Astrologia tende a ser usada não como recurso
de libertação e transformação, mas como um
instrumento para manter-nos sempre atrelados à mesmice e à
conformidade. Este é mais um artigo da série O Sonho
do Planeta, em que Valdenir Benedetti traduz astrologicamente as concepções
do xamã mexicano Don Miguel Ruiz. É por isso que precisamos de um bocado de coragem para desafiar nossas próprias crenças. Ainda que saibamos não haver escolhido nenhuma dessas crenças, também é verdade que terminamos por concordar com todas elas. A concordância é tão forte que mesmo que a gente entenda o conceito de que não são nossas verdades, sentimos a culpa e a vergonha que ocorrem se formos contra essas regras. (RUIZ, Don Miguel. Os Quatro Compromissos.) A Astrologia, esta Astrologia que nós praticamos durante tanto tempo, comprometida com o Sonho do Planeta, assusta-nos ainda. Percebemos um aroma, uma certa luz que pode nos conduzir para além das Leis que regulam e nos mantém neste estado adormecido, mas muitas vezes nos falta a coragem para desafiá-las.
Está funcionando, está - teoricamente - dando "consciência" a nós, mas a consciência que uma Astrologia comprometida com o grande Sonho nos dá é limitada e delimitada pelas Leis reguladoras deste Sonho. É uma Astrologia engajada e comprometida. A consciência que ela nos dá é a repetição das normas e regras mantenedoras, adormecedoras. Satisfaz a vaidade intelectual, mantém-nos aparentemente ligados ao universo e com acesso às leis da Natureza. Mas nossa visão, empanada pela neblina do sonho, não nos permite ver além das descrições convencionais, de que Saturno é o medo, Marte, o sexo e a Lua, a mãe, e assim por diante. Intuímos que existe algo além desta descrição, mas quem de nós ousa ir além? Romper com a regra, fugir do padrão, recusar-se a aceitar a mera descrição comportamental como modelo de consciência, quando não é consciência coisa nenhuma. Descrição não é consciência. E quando prevemos o futuro, ou "analisamos tendências",
como dizem os mais modernos, ou "avaliamos o potencial" dos
acontecimentos, como dizem outros ainda, o que estamos fazendo? Reforçando
o sonho do que é certo e errado, projetando a pessoa no futuro
do próprio sonho de que o que nos apresentaram como mundo é
o mundo mesmo. Talvez até seja, mas é difícil sabermos,
não é? E quando a Astrologia incorpora uma linguagem mais esotérica, quando os recursos interpretativos e a base filosófica da análise se sustentam sobre dogmas e conceitos religiosos, alguns vindo do Oriente e meio forçosamente adaptados à linguagem da Astrologia ocidental, enfim, quando isto acontece, o reforço da ilusão é maior ainda, mais enganoso ainda, pois nos afunda em afirmações que não poderemos constatar jamais, compromete-nos com a idéia de que não temos responsabilidade sobre nossos atos, e sim algum outro que fomos em outra existência, como se os egos reencarnassem e trouxessem todo seu vínculo ao livro da Lei, todo seu compromisso com a pequenez moralista do ser humano, as experiências vividas, os débitos a serem pagos e outras mediocridades que nos desvinculam da possibilidade de sermos espíritos livres e iluminados, e nos atrelam com a alienação submissa de quem vive adormecido neste plano do grande Sonho coletivo. Assim como o governo possui o Livro de Leis que regula o sonho da sociedade, o nosso sistema de crenças possui o Livro da Lei, que regulamenta nosso sonho pessoal. Todas essas leis existem em nossa mente, acreditamos nelas, e o Juiz dentro de nós baseia tudo nessas regras. O Juiz decreta e a Vítima sofre a culpa e o castigo. Mas quem disse que existe justiça neste sonho? A verdadeira justiça é pagar uma vez por cada erro. A injustiça verdadeira é pagar mais de uma vez por cada erro. (RUIZ, Don Miguel. Os Quatro Compromissos.) O horóscopo pode ser uma reprodução, uma expressão materializada do Livro da Lei, e ser um poderoso instrumento de manutenção da regulamentação do sonho pessoal, depende apenas de como for utilizado, e acreditamos que, até o presente momento, o horóscopo e a Astrologia são usados apenas para a manutenção da Lei e do Sonho, raramente para a libertação e transformação. Como já dissemos anteriormente, a linguagem da Astrologia está circunscrita aos limites e aos códigos de nossa mente, que por sua vez está atrelada ao estatuto moral da sociedade, seus princípios e regras. Não há muito como fugir disto. A Astrologia, assim como todas as leis que constam no Livro da Lei da realidade, está contida também em nossa cabeça. Usamos a interpretação para julgar e manter, alimentar o status quo, reforçar os padrões morais e manter a pessoa atrelada a seu nível de exigência. Poderíamos ousar afirmar que toda interpretação que seja coerente com a realidade, como a percebemos dentro dos limites de quem está adormecido, é um julgamento! Certos padrões que se repetem na análise, procedimentos comuns, como por exemplo afirmações do tipo "você é assim!", "você tem um grande potencial para a cura", "tua capacidade de relacionamento está bloqueda pelo aspecto de Saturno com Vênus", "o Urano dominante no teu mapa te torna uma pessoa excêntrica e com grande necessidade de ser livre", "A posição de Pluto confere uma grande necessidade de poder - ou potencial para exercer poder", são reforços ao estado de inconsciência ao qual somos todos submetidos pelo Livro da Lei, pois todas estas afirmações, citadas como exemplo, só fazem sentido em uma realidade na qual estamos separados dos outros, não estamos de fato vinculados à humanidade, nos achamos especiais e únicos, e estas características são muito eficientes para afastar a gente de si mesmo, para manter a gente dopado e embriagado pelo sonho cultural que vivemos. Fazer uma pessoa sentir-se feliz e confortável dentro dos problemas dela, mostrar saídas para que ela se conforme e mude sem mudar nada na verdade, não creio que seja mal. Aliás, é o pouco que podemos fazer com a Astrologia tradicional. Mas esta estratégia e este uso da Astrologia é um meio de manter a pessoa adormecida, acreditando que aquela vida, aqueles problemas ou pequenas soluções, são tudo que lhe resta. Talvez seja mesmo, não é? Quem sabe? Aliás, minhas defesas e meus medos estão aqui me cutucando desesperadamente para que eu não acredite que haja algo além daquilo que o mundo me convenceu que existe, não haja nada além da Astrologia que eu conheço, a não ser algumas tecnicazinhas e novas posições planetárias e variações sobre o mesmo tema. Será que resisto? Será que me entrego à pressão do sonho que está me assobiando que sou ridículo em querer pensar além do que me é permitido? Ai! Que faço eu? Outros artigos de Valdenir Benedetti. |
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