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olhar brasileiro em Astrologia
Edição 131 :: Maio/2009 :: - |
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ASTROLOGIA: TEMPO TANTO QUANTO ESPAÇOA Harmonia das Esferas
Para entender o que significam os planetas, é preciso olhar para seu movimento enquanto ciclo e onda, enquanto ondas do tempo, e não apenas como corpos no espaço. Esta concepção já havia sido percebida por Kepler quando elaborou o conceito da Harmonia das Esferas. Este artigo é continuação do anterior, No começo do século XVIII, um inventor e relojoeiro inglês, juntamente com um especialista em fabricar instrumentos de precisão, criaram a primeira máquina que reproduzia o movimento dos planetas em torno do Sol; primeiro, criaram um mecanismo que reproduzia os movimentos da Terra em torno do Sol, e da Lua em torno da Terra; em seguida, uma máquina mais completa, reproduzindo os movimentos dos planetas em torno do Sol. Esferas representavam os planetas a orbitar em torno de uma esfera central representando o Sol. Por meio de um sistema mecânico engenhoso, cada planeta circundava o ponto central com uma velocidade diferente. Acionadas por engrenagens e uma manivela que colocava todo o mecanismo em funcionamento, esta máquina, mais do que reproduzir o tamanho dos planetas ou as corretas distâncias destes para o Sol, reproduzia a forma e a proporção aproximadas de seus movimentos.
Este planetário mecânico e movente mostrava o sistema solar a partir de uma perspectiva diferente daquela que temos quando olhamos diretamente o céu – ou, ao menos, olhando o céu sem observação mais atenta (olhando-o sem reparar em seus ciclos e movimentos, reparando apenas na impressão espacial estática). Com esta máquina podia-se ver o deslocamento das esferas em suas órbitas, seus diferentes tempos de deslocamento, as proporções entre as órbitas, e assim o aspecto do tempo presente no movimento do sistema solar tornava-se visível aos olhos humanos. Os acordes do tempo observáveis nos corpos do sistema solar tornaram-se evidentes, quase palpáveis. Foi um relojoeiro quem primeiro idealizou e construiu essa réplica do movimento do sistema solar. O mecanismo utilizado na construção desse planetário em movimento era o mesmo utilizado na construção dos relógios: engrenagens de diferentes tamanhos movendo ponteiros em diferentes velocidades em torno de um mesmo eixo central. O sistema solar se assemelharia, segundo essas máquinas e seus construtores, a um relógio, a um marcador do tempo. Cada ponteiro do relógio tem uma velocidade própria sua, assim como cada planeta tem sua velocidade própria em torno do Sol. Sobre esta analogia se assenta a construção desse tipo de planetário, mas se assenta também uma fronteira sutil e confusa entre os limites da dimensão tempo e da dimensão espaço. O relógio é reconhecidamente o instrumento utilizado para marcar o tempo, é o instrumento que traz à visualização e, de certo modo, à tangibilidade, essa dimensão tão mais incorpórea do que o espaço, que é o tempo. O relógio é uma máquina que parece medir a passagem do tempo. Contudo, o que temos no relógio com ponteiros e mostrador, é o deslocamento dos ponteiros pelo espaço; indiretamente, inferimos desse deslocamento uma medida de tempo. Os três ponteiros do relógio clássico deslocam-se a diferentes velocidades e isso é o que faz com que cada ponteiro se desloque pelo mesmo espaço em diferentes tempos; é a diferença entre essas velocidades de deslocamento em um mesmo espaço que acabamos por chamar de “tempos diferentes”: as horas, os minutos e os segundos. O tempo que reconhecemos a partir do relógio é um tempo espacializado, no dizer de Bérgson. Não é tempo realmente, é corpo percorrendo o espaço. Por meio de um artifício de percepção, chamamos isso de “tempo”, e com esse “tempo” organizamos nossa vida prática, ao estabelecermos as divisões do tempo em partes iguais. Contudo, se olharmos um relógio sem os ponteiros, essas divisões do “tempo” em partes iguais permanecem lá como divisões do espaço, mais acuradamente divisões da circunferência em doze partes iguais. Temos aqui um gráfico muito semelhante ao gráfico astrológico. Não é preciso dizer como as experiências psicológicas, mesmo as mais simples, desmentem ser esse “tempo espacializado” a essência real da dimensão tempo. O relógio nada sabe de possíveis diferenças de qualidade do tempo, de diferentes modos de atuação do tempo nem de dinâmicas que possam ocorrer em um determinado instante mas não em outro. Em resumo, o relógio nada sabe efetivamente da passagem do tempo; o relógio sabe dividir o tempo em porções equivalente a certos trajetos de ponteiros pelo espaço [1]. O relógio marca um tempo retirado de sua verdadeira natureza e traduzido para a natureza espacial. O relógio marca o espaço. No dizer de Bergson, “o tempo mensurável é tempo espacializado, tempo que teve sua verdadeira natureza sacrificada” [2]. Apesar de tudo isso, é por meio do relógio que estabelecemos uma relação organizada para com o tempo. É por meio do tempo espacializado que esta dimensão impalpável se aproxima, não apenas de nossos instrumentos de medição mas também de uma ordem mental capaz de contê-la. Podemos não compreender a natureza do tempo através de um relógio, mas por meio dele organizamos nossa relação com o tempo. A espacialização do tempo parece ser condição para que este se torne palpável aos sentidos e organizável pelo intelecto. O movimento dos ponteiros dos relógios em torno de seu eixo central tem muita semelhança com o movimento dos planetas em torno do Sol, com os movimentos que definem a posição espacial dos planetas e astros que utilizamos no trabalho astrológico. Não obstante, a Astrologia trabalha, por assim dizer, no sentido contrário ao do relógio. O tempo como nos é dado pelo movimento dos planetas é um tempo cíclico, é o tempo de um deslocamento que vai até um ponto diametralmente oposto e deste retorna à sua origem – seja qual for o ponto que escolhamos como origem. Completado o ciclo, o movimento do planeta retoma mais uma vez o mesmo ciclo: um planeta está sempre a “ir adiante desde” e a “voltar para” em cada um dos pontos a partir do qual se tome seu ciclo. Não apenas a órbita completa dos planetas em torno do Sol (ou a da Lua em torno da Terra) é um “ir adiante desde” e um “voltar para”, mas cada instante que se tome na órbita contém esse “ir” e esse “voltar”: o conjunto da órbita e cada trecho embora visualmente percebidos um fluxo são mais propriamente uma oscilação entre os pontos percorridos. Embora visual e espacialmente o astro siga uma trajetória contínua em sua órbita, seu aspecto temporal é melhor compreendido e visualizado como ciclo, como onda. Em termos do tempo, o que se tem é um balanço rítmico, um ir e vir, uma descida desde a crista da onda, uma reversão do movimento no término da onda, um ascender em direção a uma nova crista, o atingimento do cume o qual imediatamente se torna nova descida – com o que outra onda começa. A oscilação rítmica não é visualmente aparente no movimento do astro, entretanto ela é a marca da dinâmica temporal do astro em sua órbita. Em termos de espaço, trajetória contínua; em termos de tempo, oscilação rítmica. O mesmo acontece com a música. Uma melodia segue como um fluxo em uma direção (as linhas da partitura mostram graficamente esse aspecto da música: a sequência linear de notas). Contudo, a sucessão do tempo na música não é mero fluxo, não é simples passagem linear do tempo, não é um tempo “feito” de uma linha infinita para adiante, mas o tempo ouvido na música é uma combinação de fluxo e ciclo, o tempo musical é mais bem caracterizado como onda. A métrica e o ritmo da música existem pelo balanço de ida e vinda do tempo, pelo tempo apresentado com acentuações que perfazem uma “ida” e uma “vinda”, da batida “1” de um compasso para sua batida “2”, e de volta para a batida “1” (no caso de um compasso binário, e analogamente para qualquer outro padrão de compasso utilizado). Ou mesmo em uma música onde não há compasso, essa ida e vinda, essa onda do tempo se faz audível, como é o caso do cantochão. A experiência musical mais simples, o entoar de um acalanto ou de uma marcha infantil, e também toda a estrutura da música mais complexa, contêm este oscilante vai e vem. Não uma ida e vinda entre lugares do espaço, pois que na música não há deslocamento no espaço (a não ser que os músicos se desloquem, como numa banda desfilando; mas aí quem se desloca são os músicos: o movimento interno da música não muda, seja ela tocada com seus músicos andando pelas ruas ou sentados em cadeiras em um palco – o movimento da música é de outra natureza que não o de corpos em trajetória pelo espaço). O deslocamento de “ida” e “vinda” com o qual estamos descrevendo o tempo não corresponde a um trajeto no espaço, e sim a uma mudança ondulante de estados dinâmicos que transcorre no tempo. O tempo na música se revela como sendo primordialmente uma onda cíclica; e esta é uma característica do tempo, e não apenas do “tempo musical”, é uma característica própria do tempo que a música desvela e torna transparente. “Podemos ainda dispensar as diferenças das notas e deixar nada que não a mesma nota soando sempre por iguais extensões de tempo, - - - - -. Ainda aqui, e na verdade aqui com particular clareza, há ainda o para cá e para lá, o movimento pendular, a onda; nunca – como temos demonstrado suficientemente – há mera seqüência. O que produz a onda? O que gera a distinção entre para cá e para lá? A nota é sempre a mesma; a interrupção é sempre a mesma; o intervalo de tempo é sempre o mesmo. Somente uma coisa é diferente: o instante no qual a nota soa. Nada acontece de uma nota a outra nota salvo uma coisa: o tempo transcorre. O mero fato da sucessão temporal das notas, e nada mais, pode produzir a distinção entre para cá e para lá: o movimento pendular, a onda, é o trabalho do mero lapso de tempo. A onda não é um evento no tempo mas um evento do tempo. O tempo acontece; o tempo é um evento.” [3] À música, costuma-se atribuir a característica de “arte do tempo”. E naturalmente que é assim. A obra musical não nos é dada toda ao mesmo tempo, como um quadro, uma escultura ou uma obra arquitetônica que estão diante de nossa percepção inteiros a um só instante. As notas da música nos são dadas em uma sucessão temporal. Uma nota soa depois da outra; isto é música. Fazer soar todas as notas de uma obra musical ao mesmo tempo é tirar-lhe o sentido. A música ocupa uma certa duração do tempo, e esta é a primeira maneira da música trazer a dimensão tempo à nossa percepção mais direta: ao percebermos música, percebemos com mais proximidade o transcurso do tempo. Contudo, o tempo musical revela uma outra face do tempo que não é identificada à primeira vista, que não é apenas seu transcurso linear. Assim como os planetas percorrem suas órbitas, as notas musicais se seguem no tempo linear, mas em ambos os fenômenos uma segunda dimensão do tempo se abre à nossa percepção. Estamos familiarizados com o tempo como sendo apenas o contínuo transcurso passado – presente – futuro. Contudo, a música abre essa outra janela sobre a realidade do tempo, e por esta mesma janela contemplamos também o movimento planetário com outros olhos: olhamos para sua dinâmica e não apenas para a trajetória de seus corpos; olhamos para seu movimento enquanto ciclo e onda, enquanto ondas do tempo, e não apenas como corpos no espaço. Não à toa, os antigos quando quiseram falar da percepção mais elevada que os astros lhes inspiravam, a impressão do universo como algo vivo, falaram da harmonia das esferas, um termo musical referido aos astros. A música dos astros não está na consonância espacial entre eles, não faria sentido chamar isso de “harmonia”. O simples fato de eles se moverem a diferentes órbitas e velocidades não promove um soar conjunto e internamente ordenado, uma “harmonia”. A ordenação musical e harmoniosa dos astros só é percebida realmente no entendimento de que o cerne movente dos astros, o aspecto temporal de sua natureza, segue proporções cíclicas. Kepler [imagem abaixo] dedicou parte de sua obra para demonstrar a existência de proporções matemáticas entre as órbitas planetárias e a as notas da escala diatônica, chamando de “arquétipos” [4] estas proporções encontradas muito semelhantemente na música e nos planetas. “A imagem das constelações circulando não-sonoramente não é uma imagem da vida para nós. Não é do movimento das esferas mas de sua harmonia, seu soar conjunto, da qual o homem falou quando pensou no universo como sendo vivo. Pareceu a ele que a vida universal deveria revelar-se como algo audível mais do que visível. Talvez seja levar a antítese muito longe dizermos que o homem atinge a interioridade da vida pela audição e sua exterioridade pela visão.” [5] O cerne dos seres é feito de tempo; a forma dos seres é feita de espaço. A audição e a música escancaram a natureza do tempo à nossa percepção, e por meio delas podemos compreender ao que se refere aquilo que os astros simbolizam tão empaticamente a ponto de serem aquilo que indicam muito mais do que apenas indicarem (deixando de ser apenas referência espacialmente distante): a qualidade das dinâmicas do tempo no qual vivemos. Não é a posição que o astro ocupa no espaço o que importa para a Astrologia, mas sim a fase da onda cíclica que o astro ocupa no tempo. A Astrologia nos faz conhecer o que se passa com alguns aspectos do ser humano e da natureza, a partir da correlação entre a fase da onda cíclica do astro no céu e a dinâmica presente no cerne dos seres e da natureza. É o tempo o que compartilhamos com os astros, não o espaço. Afinal, o espaço nos separa dando a cada um o seu lugar: coisas só podem ocupar diferentes lugares do espaço. Não obstante, partilhamos o mesmo tempo com os planetas no céu. O que compartilhamos ou, mais enfaticamente, o que nos une com a disposição planetária não é uma certa disposição dos planetas pelo espaço, mas sim a disposição destes no tempo. A distância do espaço pouco importa na Astrologia; importa o tempo compartilhado com os astros no instante de um evento ou nascimento, o qual pode ser lido na carta astrológica – que agora sabemos por qual motivo pode ser chamado de um gráfico do tempo. E isso não apenas porque a carta é levantada para um instante do tempo. Já vimos que o aspecto linear do tempo espacializado é o que menos conta aqui. A carta astrológica é um gráfico do tempo pois que nos dá a conhecer a qualidade da dinâmica presente num dado momento do tempo e conseqüentemente – e esta é a grande afirmação da Astrologia – está correlacionado às qualidades dinâmicas presente em um ser nascido naquele instante ou em um evento que está a ocorrer naquele instante. NOTAS [1] Uma régua também nada sabe da natureza do espaço, embora a utilizemos como padrão para mensurá-lo. Contudo, as diferentes naturezas do espaço estão ao acesso direto da visão e do tato, enquanto a natureza do tempo não é assim acessível. Referências BibliográficasKEPLER, Johannes. Harmonies of the World. New York: Prometheus Books, 1995. Outros artigos de Gregório Pereira de Queiroz |
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