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SIMBOLISMO ASTROLÓGICO NO CINEMA
I can't get no satisfaction
“Uma Vida em Sete Dias” (Life or Something Like It), com Angelina Jolie e Edward Burns, está longe de ser um clássico. É mais um dos filmes que você tira do DVD player e não pensa mais a respeito. A menos que você consiga enxergar simbolismos astrológicos onde menos espera.
I can't get no satisfaction
I can't get no satisfaction
'cause I try and I try and I try and I try
I can't get no, I can't get no
(M. Jagger/K. Richards)
Lanie Kerrigan tem a vida que qualquer um desejaria ter. É famosa em sua cidade como repórter, gosta do seu trabalho, tem um padrão de vida invejável, um namorado bonitão e ela mesma é jovem e linda. Sim, é verdade que parece um tanto insegura, mas quem é perfeito? Um belo dia, Hades [1] resolve aparecer na vida dela na forma de um mendigo vidente (foto), que vaticina que ela morrerá no prazo de uma semana. Seria algo que poderia ser desconsiderado, não fosse a capacidade dele de acertar todas as previsões, incluindo os horários em que vão ocorrer. Epa, aqui já temos um bom material para a astrologia: videntes, previsões e morte!
PARTE I:
Quem somos nós, humanos?
Do ponto de vista astrológico, podemos considerar a vida de Lanie como sendo bastante taurina: é uma mulher linda, tem conforto material, um suposto preenchimento afetivo e uma sedutora possibilidade de catapultar seu status profissional com um convite para trabalhar em uma emissora de prestígio em Nova Iorque. Ocorre que tudo o que é taurino está sujeito à ação de Escorpião, seu par no eixo zodiacal. Escorpião não gosta de perfeição, ou melhor, da falsa perfeição, e este parece ser o caso da vida de Lanie. Nos bastidores desta vida glamurosa, ela tem vários problemas: um relacionamento difícil e incompleto com a família, um noivo com quem não se comunica de fato, a imposição de nunca relaxar. Nunca estar sem maquiagem, escova e salto alto... diante da vida!
O filme toca em um fenômeno social e cultural da era da tecnologia. Temos uma abundância de recursos – Touro – para todos os males – Escorpião. Prozac para os deprimidos, novos corpos para os insatisfeitos, entretenimento que não acaba mais para os entediados. Vivemos em um ‘tempo de Lanie’, mesmo que isto não seja extensivo democraticamente a todos. Aos que não puderem pagar por comida saudável, há uma profusão de enlatados, embutidos e biscoitos baratos. Entretanto, ter recursos não implica saber como utilizá-los...
Além disso, o grande mercado atual necessita de slogans e vendedores, não importando muito se o que está sendo vendido é falso ou insuficiente. Até a educação seguiu este caminho. Está menos voltada para formar seres pensantes, com uma sólida base cultural e filosófica, do que para jogar pessoas no mercado de trabalho, com pensamentos e condutas padronizados. Assim, estamos mais para cardumes de peixes ávidos atrás dos bens idealizados do que para indivíduos capazes de interpretar o mundo ao nosso redor, e com isto formá-lo ou transformá-lo, mesmo que milimetricamente.
A busca pelo conforto e aparência ideal a qualquer custo é uma distorção do signo de Touro. Como Touro, no eixo zodiacal, estabelece uma relação de oposição e complementaridade com Escorpião, por baixo do afã de ter e parecer, a angústia existencial (algo associado à Escorpião) segue pressionando. Esta angústia é inerente à condição humana, tendo origem na quota de livre arbítrio com a qual cada um de nós nasce. Esta angústia é criativa. É avessa a padronizações e soluções fáceis, pois representa o potencial que cada um de nós tem para fazer qualquer coisa de nossas vidas. E é ela que está por trás do fato de que, por mais condicionantes e limitantes que o homem encontre em seu ambiente, ainda assim o que uma pessoa irá se tornar e fazer é uma incógnita.
Todos os animais nascem prontos, com seus instintos, sua psicologia, seu modo de ser. Já o ser humano é como uma folha de papel: aprenderá a língua e os costumes de onde tiver nascido. Por nascer pronto, o animal é pleno. Seus possíveis conflitos estão ligados às necessidades de sobrevivência e afeto (este último, em especial, no caso dos animais domésticos), e estão muito longe do grau de complexidade que os conflitos humanos podem ter. Além disso, o animal se diferencia do ser humano por ser sempre espontâneo, seja na raiva, no medo ou na fidelidade. O animal também vive no agora. O seu cão choraminga quando o vê sair pela porta, não importa que você faça isto todos os dias e retorne à noite. Só o instante presente existe para ele. Não há depois ou amanhã. O tempo é, portanto, outra invenção humana.
Touro responde por nossa natureza física. Nossa necessidade de sono, alimento. Tem a ver com nossa faceta social, igualmente, pois o ser humano tem maior chance de sobrevivência em grupo do que só. Escorpião, por sua vez, rege todos os instintos, tanto o de sobrevivência quanto o de reprodução. Touro tanto pode ser nossa faceta apaziguada e refinada quanto cega, rude e voraz (um Minotauro). Escorpião também pode ser nosso lado cruel e assassino, tanto quanto pode representar a parte de nós que tem consciência de nossa porção espiritual. Simboliza a parte vazia – porque não preenchida (isto é, não taurina) – que busca os mistérios.
É este ‘espaço vazio’ que responde por nossa criatividade e versatilidade. Que nos fez, no passado distante, confeccionar ferramentas (uma ação taurina), e que hoje nos compele a produzir todos os confortos aos quais todos nós estamos tão acostumados – e, porque não dizer, apegados. Escorpião simboliza o germe espiritual que faz com que qualquer agrupamento humano tenha concepções filosóficas a respeito do mundo. Cultura é algo complexo, que surge tanto de condições físicas (taurinas por excelência), tais como clima e meio e ambiente, quanto dos mitos e visão que cada agrupamento humano cria (impelidos pela consciência de nossa porção espiritual, nascida em Escorpião).
A dualidade, que cinde o homem em físico e espiritual, acaba por dividi-lo de inúmeras formas. Gera infinitas possibilidades, mas traz, igualmente, o risco da cisão destrutiva, quando o homem ataca a si mesmo e a tudo ao seu redor. A dualidade humana leva o ser humano a sempre construir, fazer (uma ação de Touro), talvez porque também não o deixe em paz (uma conseqüência de Escorpião).
Raramente, porém, ele é consciente do que esta dualidade cria em seu interior. Toda construção cultural é como uma argamassa a tentar preencher a rachadura desta divisão. Nesse sentido, religião, consumo, costumes sociais e entretenimento se equiparam. De alguma forma, o vazio que habita o ser humano o faz criar por si e, também, inconscientemente, para se preencher. A dualidade nos transforma em co-criadores, pois onde há unidade não há necessidade de criar. O uno está sempre em paz.
Dualidade é algo que tem a ver com o signo de Gêmeos. Gêmeos surge após Áries [2], o impulso criativo, e após Touro, as necessidades físicas. Impulso criativo e necessidades físicas resultam em dualidade, isto é, Gêmeos. Áries também representa a individualidade, a diferenciação. O ser humano se percebe como diferente de qualquer coisa que exista na natureza. Isto é Áries. Podemos inferir que como Áries precede Gêmeos, o grau de diferenciação, ou melhor dizendo, a consciência desta diferenciação, é proporcional ao grau de dualidade, traduzida em como nos multiplicamos (pelo seu uso positivo, criador) ou nos esfacelamos (pelo seu uso negativo, destruidor).
PARTE II:
Em que ponto estamos de nossa história?
Vivemos um momento único na história da humanidade. Ao longo dos séculos, as diversas guerras e conquistas de um povo por outro, assim como o incremento da tecnologia, foram causando uma progressiva uniformização cultural. Esta uniformização hoje se traduz como a valorização extrema da tecnologia e do consumo. Este é o ponto em comum, atualmente, entre todos os povos. Um japonês pode ser diferente de um brasileiro em uma série de quesitos, mas ambos querem se conectar a Internet, ter o último modelo de celular e adquirir bens. Os anseios são os mesmos. O Oriente está querendo consumir tanto quanto o Ocidente.
Mas algo paradoxal ocorre: quanto mais uniformizada a sociedade, maior tem sido o apelo pela diferenciação. A propaganda de cigarro é dirigida a milhões de pessoas, mas diz que você é especial por escolher aquela marca de cigarro. Você (e não milhões de pessoas que também fumam aquele cigarro) tem estilo e personalidade. Você é, portanto, alçado a um grupo seleto que nada tem de seleto. Este é o maior truque de marketing: fingir que individualiza, quando, no fundo, pretende massificar, pois precisa agregar mais e mais consumidores. Nunca fomos, ao mesmo tempo, tão uniformizados (pelo progressivo apagamento das diferenças culturais) e pseudo-individualizados (pelos apelos da propaganda).
Somos bombardeados pela propaganda sem perceber. Ela nos inculca valores, necessidades, sedes, manipulando nosso imaginário. Criamos esta ‘máquina’, talvez como mais um sedativo para a consciência da cisão que até agora não conseguimos enfrentar ou para a qual não conseguimos encontrar soluções satisfatórias. Esta máquina faz de cada um de nós um ‘marqueteiro’. Hoje é quesito de sobrevivência proclamar alguma coisa a respeito de si próprio, destacar-se na massa, que, ironicamente, só faz aumentar, com uma população que a Terra nunca teve antes.
Vivemos no tempo do ‘eu’. O ‘eu’ tem de fazer muitas coisas, ser belo e bem sucedido, eternamente jovem e potente (um congelamento do arquétipo de Áries). O mundo era mais ingênuo quando se tinha de usar perucas brancas e seguir os costumes. Se você não fosse nobre, nem perucas precisava usar. Os especiais eram os que tinham nascido no grupo social destinado a isto. Regras simples.
Hoje, quem tiver acesso ao dinheiro já pode ser especial, pois pode comprar o que vai permitir que seja especial. Há mais democracia no ‘ser especial’, pois não é preciso ter berço. Nunca a diferenciação foi tão procurada por tantos ao mesmo tempo quanto agora. Ocorre que quanto mais diferenciação (Áries), maior é o apetite por coisas (Touro) e maior é o aumento da dualidade (Gêmeos), traduzida, no seu exagero, por uma dose muito maior de dúvidas e angústia. O ser humano médio é mais angustiado hoje do que o do passado. Talvez ele fosse mais infeliz no passado, se tivesse nascido em uma classe social escrava ou quase isto, mas não era angustiado. O poder de sua vida não estava em suas mãos. Hoje está, mas ele não sabe o que fazer com isto.
A sociedade muito individualista incrementou exageradamente o consumo e a busca pelas aparências (distorção de Touro). Só que isto foi encobrindo a natureza espiritual e profunda que mesmo o mais superficial dos homens tem. Todo ser humano tem um pouco Escorpião dentro de si, pois toda pessoa, mesmo a mais simples, é complexa.
A sociedade de consumo e aparência ocupa o lugar que a religião e os bons costumes já tiveram em outra época no sentido de dar uma ordem, um caminho a seguir. Mas Escorpião representa a parte de nós que não quer seguir caminho algum, ou melhor, que precisa seguir um caminho interno, o qual não é ditado por fórmulas coletivas. A exacerbação de Touro (ter, consumir, parecer) é uma tentativa de fugir de buscar as respostas profundas (tarefa que a raça humana tem considerado muito difícil), e, para evitar isto, tenta sedar, uniformizar as pessoas, vender sonhos prontos de felicidade, e, em seus extremos, empanturrar, drogar, embrutecer e emburrecer.
Quando o filme “Matrix” foi lançado fez retumbante sucesso e chocou justamente por, de alguma forma, mostrar isto: o quanto achamos que temos livre arbítrio (o personagem Neo, no início do filme) e o quanto estamos, no fundo, presos e escravizados aos mandamentos sociais, também uma expressão exagerada do signo de Touro. Touro representa o bom senso e o que possa agregar – sendo tudo isto necessário ao convívio social – mas também pode simbolizar as mãos de ferro que nos tornam todos iguais, em nosso desejo de consumir e na compulsão de julgarmos uns aos outros. Tudo em prol da competitividade (distorção de Áries, signo anterior a Touro).
A grande questão é: onde isto irá parar? Principalmente se produzimos mais do que precisamos e se não nos importamos com o que estamos fazendo ao sistema ecológico da Terra. Além disso, a ‘indústria da felicidade’, com suas soluções pasteurizadas e de cunho material, parece existir para amenizar a angústia, mas, ironicamente, acaba por aprofundá-la, na medida em que nega a faceta mais profunda que nós temos, reduzindo-nos a meras cascas de aparência, destinadas a ‘funcionar’, a fazer sucesso ou não. Há pouco espaço para o fluir, usufruir de fato e ser autêntico. Quanto mais este lado menos competitivo da natureza humana (que deseja se integrar com a natureza) é abafado, mais desordem social é criada, pois a gula (Touro negativo) nos torna violentos e cruéis (Escorpião negativo). O ser humano hoje se revolta quando não tem algo, quando não é algo. Mas ele quer exatamente o quê? Ser o quê? Chegar aonde? Qual é realmente seu fim?
O que VOCÊ está fazendo da sua vida?
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