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Prosa do Observatório
AUTOR: Julio Cortázar
Editora Perspectiva - 116 páginas - 1985

Mais trechos sobre Astrologia e Ciência em Prosa do Observatório e
o mapa de Julio Cortázar


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...um sultão ferido pela diferença ergue a vontade enamorada, desafia um céu que cada vez mais propõe as cartas transmissíveis, trava uma lenta, inacabável cópula com um céu que exige obediência e ordem e que ele violará noite após noite em cada leito de pedra, o frio feito brasa, a postura canônica desdenhada pelas carícias que despem de outro modo os ritmos da luz no mármore, que cingem essas formas onde se deposita o tempo dos astros e as alçam a sexo, a mamilo e murmúrio.

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Veja, no parque de Jaipur se alçam as máquinas de um sultão do século dezoito, e qualquer manual cientifico ou guia de turismo as descreve como aparelhos destinados à observação dos astros, coisa certa e evidente e de mármore, mas também há a imagem do mundo como pode senti-la Jai Singh, como a sente aquele que respira lentamente a noite ruiva onde se deslocam as enguias; essas máquinas não foram erigidas apenas para medir roteiros astrais, domesticar tanta distância insolente; outra coisa deve ter sonhado Jai Singh alçado como um guerrilheiro de absoluto contra a fatalidade astrológica que guiava sua estirpe, que decidia dos nascimentos e dos defloramentos e das guerras; suas máquinas fizeram frente a um destino imposto de fora, ao Pentágono das galáxias e constelações, colonizador do homem livre, seus artifícios de pedra e bronze foram as metralhadoras da verdadeira ciência, a grande resposta de uma imagem total em face da tirania de planetas e conjunções e ascendentes; o homem Jai Singh, pequeno sultão de um vago reino em declínio, fez frente ao dragão de tantos olhos, contestou a fatalidade inumana com a provocação mortal ao touro cósmico, decidiu canalizar a luz astral, agarrá-la em retortas e hélices e rampas, cortar-lhe as unhas que faziam sangrar a sua raça; e tudo o que mediu e classificou e nomeou, toda a sua astronomia em pergaminhos iluminados era uma astronomia da imagem, uma ciência da imagem total, salto da véspera ao presente, do escravo astrológico ao homem que de pé dialoga com os astros.

NOTA DE CONSTELAR
Julio Cortázar, carta solar - 26.8.1914, Bruxelas, Bélgica. A carta foi calculada para às 12h, sem estrutura de casas. Qualquer que seja o horário correto, a Lua estará sempre em Escorpião.

Julio Cortázar nasceu em 26 de agosto de 1914, em Bruxelas, onde seu pai exercia a função de técnico em economia da embaixada argentina. Apenas aos quatro anos Cortázar conhece a Argentina, onde vive até 1951. Após uma juventude complicada, especialmente por causa do abandono do pai, Cortázar encaminha-se para uma carreira na área de letras e do magistério, se bem que jamais alcançando um título universitário. Desde o final dos anos 40 colabora em uma revista literária chamada Sur. Em 1951 consegue uma bolsa de estudos do governo francês e se instala em Paris para estudar. Paralelamente, trabalha com traduções e viaja pela Europa. Firma-se aos poucos como escritor e, contraditoriamente, é na fase francesa que mais busca recriar e incorporar suas raízes argentinas. Foi um amante do jazz e um admirador das revoluções cubana e sandinista, sendo que, sobre a última, chegou a escrever um livro, publicado no ano de sua morte: Nicaragua tan violentamente dulce, de 1984. No final de 1983 visita Buenos Aires pela última vez. Falece em Paris, de leucemia, em 12 de fevereiro de 1984.

A concentrada Lua em Escorpião, somada à perícia do Sol em Virgem e à conjunção Plutão-Saturno em Câncer, ajuda a entender o estilo de Cortázar, denso mas ao mesmo tempo elegante (trígonos entre Libra e Aquário) e com momentos de um brilho vistoso (Mercúrio no final de Leão).

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