Aristóteles
em nova perspectiva
AUTOR: Olavo de Carvalho - 1996
Editora Topbooks - 199 páginas |
A Astrologia revelando
analogias estruturais
Estes fatos e muitos outros indicam mais que uma
conveniência: a urgência mesma do estudo integrado destes
quatro discursos - sobretudo porque a tese exposta pelo filósofo
Olavo de Carvalho demonstra de maneira radical a unidade profunda
que preside toda obra aristotélica, revelando que a unidade
do saber não pode realizar-se inteiramente no nível
do discurso sem que este discurso se insira no mundo sensível,
na vida biológica e no contexto social. O discurso, desse
modo, não formaria um mundo separado da realidade visto que
faz parte do próprio esforço natural e biológico
do ser humano para elevar-se e alcançar o universal que o
abarca.
Aristóteles é, sem sombra de dúvida,
o filósofo que mais enfatizou a unidade sistêmica do
saber. Para ele, não podia haver nenhuma separação,
nenhum abismo entre a formalização lógica
e o conhecimento sensível pois essa separação
definiria aquele tipo de conhecimento considerado logicamente correto
- porém essencialmente falso. Para ele, parece que as quatro
ciências não podiam ser concebidas separadas pois,
tomadas isoladamente, acabam perdendo completamente o seu sentido
- o que corresponde exatamente à esquizofrenia que hoje se
tornou o estado normal da nossa cultura. O que definiria e diferenciaria
estas quatro ciências não seria o caráter
formal ou estético típico de cada discurso mas,
sim, o fato de revelarem quatro possíveis atitudes humanas
através da palavra, ou seja, quatro motivos humanos para
falar e ouvir. Afinal, o homem discursa para:
- abrir a imaginação à imensidade
do possível, sendo esta a função do discurso
poético;
- tomar alguma resolução prática, sendo
esta a função do discurso retórico;
- examinar criticamente a base das crenças que fundamentaram
as resoluções tomadas, sendo esta a função
do discurso dialético;
- explorar as conseqüências e prolongamentos de juízos
já admitidos como absolutamente verdadeiros, construindo
com eles o edifício de um saber certo e verdadeiro, sendo
esta a função do discurso lógico.
A descrição do processo cognitivo,
dada pelo filósofo, não é nada mais que a narrativa
da passagem do conhecimento animal, ou puramente sensível,
ao conhecimento racional - ou propriamente humano. Este processo
corresponde a uma mutação que não faz outra
coisa senão revelar, na forma final adquirida por um ser
em sua evolução, uma essência que, presente
desde a origem, dirigia ocultamente essa evolução.
Deste modo, a razão não surge de repente e desde fora,
sobrepondo-se à imaginação e às sensações,
mas já está de algum modo embutida, imbricada e agente
na sensitividade e, depois, na imaginação. O homem
não é, pois, racional somente quando raciocina, mas
também, implicitamente, quando percebe e imagina. Ele não
poderia humanizar-se se já não fosse humano desde
o início.
Quando Aristóteles define o homem como animal
racional, ele não quer dizer que todos os homens sejam racionais
efetivamente e em tudo. Ao contrário: o homem é definido
pela potência da razão, justamente na medida
em que nele essa potência busca efetivar-se e pode fazê-lo.
Desse modo, a história da gênese do conhecimento humano
não é outra coisa senão a história da
passagem da razão humana do estado de potência para
o de ato. Do conhecimento sensível e deste para o racional
não existe corte nem ruptura - mas, sim, somente a progressiva
efetivação da potência racional que já
está embutida nas sensações mesmas.
O conhecimento seria então como uma árvore:
lança suas raízes no solo das sensações
e se eleva gradativamente através da imaginação,
da vontade e do pensamento até a certeza apodítica.
Por isso, temos de admitir que a vida do conhecimento humano não
pode cortar jamais suas raízes e encerrar-se num sistema
demonstrativo, sem que este sistema, no mesmo ato, esteja condenado
a não abranger senão os planos mais gerais e abstratos
da esfera das coisas conhecidas e que, deste modo, deixe de ser
conhecimento efetivo para se tornar apenas fórmula de um
conhecimento possível, a efetivar-se, justamente, no retorno
às coisas singulares que os sentidos nos oferecem. Para Olavo
de Carvalho, o sábio - no sentido aristotélico - não
é aquele que se elevou ao céu das essências
platônicas, mas aquele que, retornando das alturas, sabe ir
re-conhecendo, na variedade das coisas sensíveis que se lhe
apresentam no espaço e no tempo, o princípio de unidade
que nelas se insinua, trazendo do céu aquela recordação
da luz da unidade que é precisamente fronesis: guiamento
do homem na investigação científica como na
vida ativa.
É nesta circularidade dinâmica, e não
na pura e simples arquitetura das teses explicitadas racionalmente,
que reside a unidade essencial do sistema aristotélico -
uma unidade do diverso. É um modelo orgânico. Por isso,
a unidade não é nunca, no ser vivo, e principalmente
no ser vivo chamado homem, equivalência estática de
todos os momentos, mas sim tendência, através do
diverso, a uma finalidade que tudo abrange, explica e redime.
No entanto, a unidade do diverso, sendo a suprema chave, não
pode por suas vez ser explicada e fundamentada: ela parece ser,
para Aristóteles, uma daquelas verdades primeiras que não
necessitam de provas, nas quais tudo se fundamenta. Por isso, o
autor do livro adverte: esta unidade última jamais pode ser
atingida no domínio das realizações, e permanece
sempre como um ideal orientador que só aparece como tal antes
do começo e depois do fim. No entanto, é um ideal
que não pode ser realizado e nem mesmo abandonado, dado que
é justamente a imagem de um conhecimento como este que move,
inspira e determina a construção e conquista de saberes
possíveis.
Vemos, assim, que a teoria levantada por Olavo de
Carvalho procura resgatar o espírito sistêmico e ecológico
do aristotelismo, num tempo em que a cultura universal busca ansiosamente
resgatar o sentido sistêmico e unitário do saber e
a integração do conhecimento numa visão ecológica
- ou ecocósmica - do ser vivente, sendo por isso absolutamente
indispensável para a formação do astrólogo.
Afinal, se a Astrologia pressupõe uma relação
entre a estrutura celeste e terrestre, quem sabe esta teoria sobre
a obra aristotélica venha demonstrar, de maneira até
então inimaginável, que há, sim, uma analogia
estrutural entre a natureza cósmica, o pensamento humano
e todas as Ciências. Se assim for, poderíamos admitir
a Astrologia como uma macro-ciência que revelaria analogias
estruturais entre a Cosmologia, a Gnoseologia e a Epistemologia.
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