O vapor barato renasce 24
anos depois
24 anos depois essa mesma canção renasce
para ilustrar outro período na história do Brasil:
o do êxodo de inúmeros jovens ao exterior com o intuito
de fugir do arrocho econômico que assolara o país.
Em 1995, Walter Salles lança o filme Terra Estrangeira,
no qual, com fotografia em preto e branco, passava a limpo os momentos
do recente e colorido governo Collor. Em 1989, Fernando Collor de
Melo tornara-se o primeiro presidente eleito por voto direto desde
a ditadura militar. O Brasil, mergulhado numa inflação
sem tamanho, elegia um quase desconhecido envolto numa aura de salvador.
A sua falsa fama de caçador de marajás encorajou a
população brasileira a creditar nele suas esperanças.
Na primeira semana do seu mandato, a fim de solucionar os problemas
financeiros do país, anuncia uma série de medidas,
entre elas o confisco do dinheiro depositado em cadernetas de poupança.
Era o começo de um verdadeiro pesadelo. Plutão se
aproximava do Meio-Céu do Brasil.
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Após o confisco das cadernetas
de poupança, os brasileiros recomeçaram a fuga
para fora do país, a fim de tentar a sorte. Os versos
"e vou tomar aquele velho navio/ Eu não preciso
de muito dinheiro/ E não me importa, honey" ganhavam
outro contexto. E o destino de sempre: o estrangeiro. No caso
do filme, mais especificamente, Portugal. "A
língua é minha pátria/ e eu não
tenho pátria: tenho mátria/ e quero frátria"
(Caetano Veloso, em Língua). |
Montagem:
Wally Salomão e Jards Macalé (fotos de divulgação
de CDs) |
Terra Estrangeira não é um simples
documentário. Muito menos um filme político, no sentido
restrito do termo. Na verdade, trata da experiência humana
em busca de um lugar existencial. Seja lá onde for. Vapor
Barato surge no filme na voz da personagem Alex (Fernanda Torres),
a capela, sem palco. A atriz revelou, inclusive, que a canção
entrou no filme pela porta do inesperado. O diretor, ao ouvir Fernanda
cantarolar a canção nos intervalos das filmagens,
logo a incluiu em cena. Logo depois a canção vira
sucesso com o grupo O Rappa.
Curioso que o filme retrate o envolvimento dos protagonistas
com o tráfico de drogas e Vapor Barato seja o nome de um
traficante entre tantos nos morros do Brasil. Embora o envolvimento
dos primeiros possa ser entendido como uma questão de sobrevivência.
Caetano Veloso faz referência ao traficante na canção
Fora da Ordem (Circuladô): Vapor
Barato, um mero serviçal do narcotráfico/ Foi encontrado
na ruína de uma escola em construção.
Ao casarmos, agora, o mapa do Terra Estrangeira
(tomando como data 1° de janeiro de 1995) com o do Grito do
Ipiranga, teremos: Nodo Norte em Escorpião conjunto a Marte
na casa 9, a do Estrangeiro. Plutão trígono a Plutão
na dois e em oposição a Lua-Júpiter, isto é,
a população. A realidade de Plutão no lugar
do sonho de Netuno. E Saturno já quase na dois, estruturando
os recursos e, de certa forma, mostrando a realidade dos cofres
ao país. Fernando Henrique Cardoso já era o presidente
da República e o Plano Real já se mostrava eficaz
ao controlar a inflação. E, por fim, Júpiter
em Sagitário, o mesmo do lançamento da canção.
Se, em 1971, Vapor Barato, ao se referir ao
terror dos anos anteriores, se tornou um marco entre as canções
que iniciavam a trilha sonora em busca da volta dos direitos democráticos,
em 1995 terapeutizava os desmandos da era Collor. E revelava, através
de Saturno, a solidão dentro da própria casa, com
Gal, e a falência de recursos, a dureza, em Terra Estrangeira,
quando ressurgiu como canção-testemunho.
O regime militar e o governo Collor, ambos ouviram
os mesmo versos:
Oh, sim, estou tão cansado
Mas não pra dizer que eu não acredito mais em você
(
)
Oh, sim, eu estou tão cansado
Mas não pra dizer que estou indo embora
Talvez, eu volte, um dia eu volto
Mas eu quero esquecê-la, eu preciso
(...)
Eu vou embora naquele velho navio
Para, logo em seguida, tropeçar com
o Brasil.
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Acuio.
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