Composta em 1961, lançada em 1964, traduzida
até para o iugoslavo, Trem das Onze fala do homem
comum para o homem comum. Partiu de Adoniran Barbosa e seus Demônios
da Garoa e há décadas circula por aí, levando
e lavando a alma de todos nós.
Não posso ficar nem mais um minuto com você
Sinto muito, amor, mas não pode ser
Moro em Jaçanã
Se eu perder esse trem
que sai agora às onze horas
Só amanhã de manhã
E além disso, mulher, tem outra coisa
Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar
Sou filho único
tenho minha casa pra morar
O autor dessa música não se chamava
Adoniran, não era filho único e não morou em
Jaçanã. Declarou que sua certidão de nascimento
(07.08.1910, 23h, Valinhos-SP) era inventada, afirmou ter nascido
em 06.07.1912, mas, questionado a respeito, respondia: "Pobre
não nasce, pobre aparece", ou então: "nasci
em 1912, 1910, 1909..."
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Adoniran Barbosa - 7.8.1910, 23h LMT - Valinhos,
SP - 22s57, 47w01. Dados oficiais (certidão de nascimento). |
João Rubinato, de fato, nasceu inúmeras
vezes, reinventando-se: foi entregador de marmita, auxiliar de construção
em estrada de ferro, metalúrgico, mascate, garçom,
varredor, balconista... sempre cantando e compondo. Na década
de 30, por muito insistir, tornou-se cantor e apresentador de rádio;
nas décadas de 40 e 50 foi ator de rádio, dando voz
a vários personagens cômicos que ficaram famosos; na
década de 50 foi ator de cinema e todos esqueceram que ele
era cantor; na década de 60 todos se espantaram ao descobrir
que ele era compositor; e na década de 70, já consagrado
como cantor e compositor, virou garoto-propaganda de cerveja ("Nóis
viemo aqui pra bebê ou pra conversá?").
Brilhante e irreverente, fazia de cada palavra um
truque e de cada frase musical uma estripulia, de modo que sentimentos
e significados opostos podiam caber perfeitamente bem em cada uma
delas. E como música é a transmissão de um
estado de espírito, quando cantamos Trem das Onze,
nós sem perceber convertemos automaticamente "sinto
muito, amor, mas não pode ser" em "dá
licença que a noite é uma criança".
Ninguém sente muito esse "sinto muito",
a gente sempre canta rindo porque sabe que ali as palavras brincam
entre ser elas mesmas ou outra coisa. Tal como Adoniran.
O biógrafo Ayrton Mugnaini Jr. diz o seguinte:
"...elo entre a velha guarda e as novas gerações,
humorista e humanista, a um só tempo simples e complexo,
antigo e moderno, lírico e irônico, Adoniran é
realmente único." (Adoniran: dá licença
de contar, editora 34, São Paulo, 2002).
Esta descrição cabe como uma luva no
mapa da certidão, que tem Ascendente Áries com Saturno
em Touro na 1; Urano conjunto ao Meio do Céu opondo-se à
conjunção Vênus-Netuno; e Marte-Mercúrio
em Virgem em trígono com Ascendente e Saturno. Júpiter
e Vênus formam quadratura mas Júpiter está em
Libra, signo regido por Vênus e Vênus está em
Câncer, signo de exaltação de Júpiter.
Pelo que pude observar, esse mapa responde bem aos acontecimentos
da vida de Adoniran. Sua filha Maria Helena Rubinato gentilmente
me informou que a família comemorava o aniversário
do pai a 6 de agosto e considerava o ano de 1910. Sendo o
nascimento no dia 6, e supondo-se a mesma hora, o mapa muda pouco,
ficando a Lua em conjunção a Mercúrio e Marte
em Virgem, na quinta casa. A hora pode ser correta. Por exemplo,
em 19 de maio de 1939, quando sua mãe morreu, Plutão
estava no Fundo do Céu e Marte cortou o Meio do Céu
entre os dias 17 e 23.
Em qualquer das datas (mesmo em 1912), Saturno estava
em Touro à disposição de Vênus em conjunção
com Netuno. E o sucesso artístico com que Adoniran sempre
sonhou custou-lhe mesmo saturninos esforços:
Nada meu foi conseguido com facilidade. Tudo parecia
com alguém que quisesse entrar num elevador e, embora havendo
lugar, o cabineiro, que não ia com a minha cara, logo dizia:
"tá lotado!".
Mas a alma moleca e a insistência ariana nunca
desistiram de mostrar ao mundo seu brilho leonino.
Adoniran e a geração
de Urano oposto a Netuno
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