Hoje esquecida, a toada Tristeza do Jeca foi
um dos grandes sucessos da primeira metade do século XX.
Esta música ajudou a formar a imagem do caipira paulista
que Mazzaropi depois aproveitou em seus filmes.
Tristeza do Jeca
(Angelino de Oliveira)
Nestes versos tão singelos
Minha bela, meu amor,
Pra você quero contar
O meu sofrer, a minha dor.
Eu sou como o sabiá
Quando canta é só tristeza
Desde o galho onde ele está.
Esta música reflete toda a beleza e a simplicidade,
a tristeza e a poesia do nosso povo do campo, pobre e simples, que
trabalha para comer, e não conhece shoppings nem socialites.
Será que o Jeca está em extinção?
A 9 de abril de 1912 nascia Amácio Mazzaropi,
que em 1959 imortalizou o personagem Jeca Tatu no filme do mesmo
nome (uma adaptação do conto Jeca Tatuzinho
de Monteiro Lobato ).
O filme Tristeza do Jeca, o próprio
Mazzaropi produziu e interpretou sob a direção de
Milton Amaral, em 1961. A obra de Mazzaropi tem sido revista pelos
críticos. Com a total aprovação do povo que
lotava seus filmes, ele não necessitava de críticos.
Mazzaropi é como Monteiro Lobato: sua obra fala por si mesmo,
é um monumento à nossa brasileirice, ou à nossa
caipirice. Porém sua obra é colocada de lado nos livros,
longe da memória do povo, como tantas coisas boas neste país.
O caipira de Monteiro Lobato tinha uma função didática.
Mazzaropi acrescentou a ele o seu modo espontâneo e engraçado
de falar de assuntos sérios, mais os clichês do homem
do campo - o caipira do sudeste - o homem simples, conformado, valente
se necessário e sempre honesto.
Nota de Constelar - O personagem Jeca
Tatu é citado por Lobato pela primeira vez, com sentido
fortemente pejorativo, em artigo de 1914.
A estréia do filme Tristeza do Jeca
acontece em 30.10.1961. A toada de Angelino de Oliveira fazia
parte da trilha sonora. O filme foi inteiramente rodado na
Fazenda Santa, em Taubaté.
Direita: Amácio Mazzaropi em sua
caracterização do Jeca.
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Nesta viola
Eu canto e gemo de verdade
Cada toada
Representa uma saudade.
Eu nasci naquela serra
Num ranchinho beira-chão
Todo cheio de buraco
Onde a lua faz clarão
Quando chega a madrugada
Lá no mato a passarada
Principia um barulhão
E a passarada tão pouco respeitada, vergonhosamente
contrabandeada, ainda insiste em fazer seu barullhão pra
saudar a aurora, o ranchinho ainda é beira chão, sem
forro.
Em maio temos no Interior (e em São Paulo-capital)
inúmeras festas italianas comemorando várias colheitas
(e santos padroeiros) e em junho as típicas festas juninas
que se estendem até julho. E tome São Pedro, Santo
Antônio, São João e muito vinho quente, quentão
e maçã do amor. Mas as pessoas não se vestem
mais de caipira nas festas juninas como faziam há 20 anos,
as belas festas na praça com as quadrilhas e muita dança
nos quintais dos sítios e fazendas. O caipira foi substituído
pelo cowboy chique do shopping, caipira de roupa complicada
e perfumado! Mas os caipiras do interior continuam os mesmos, andam
com seu canivete na cintura, canivete da paz, porque só serve
para fazer pequenos consertos, cortar, chupar cana e pescaria. Falam
enrolado (é, eles têm mesmo um dialeto próprio...),
os cavalos na cidade brigando com os carros por um espaço,
as charretes já vão sendo substituídas pelas
grandes caminhonetes importadas ou não. O caipira pobre agora
vai de ônibus. Por vezes o trator ainda passa carregando a
turma do sítio que vem para a cidade fazer compras. O cachorro
sempre fiel vem decidido, correndo, atrás do cavalo, do carro,
do trator, enfim do dono... que vai com a viola na mão.
E cachorro que é cachorro de interior dorme
no meio da rua, atrapalhando o tráfego, e não se discute!
Mas até ele está em extinção: o simpático
vira-lata foi trocado pelo antipático pit-bull.
No seu artigo Um
mapa para São Paulo (publicado na Constelar),
a astróloga Bárbara Abramo apresenta o mapa de São
Paulo com Ascendente Áries, Câncer na 4 e uma Lua de
8 em Escorpião. E o paulista da capital também já
foi um caipira, seja nos primeiros tempos, nas casas de pau-a-pique,
seja depois, com a evasão dos imigrantes das lavouras para
trabalhar na cidade (só que italiano não era assim,
caipira, era camponês, tornou-se caipira ao chegar ao Brasil,
teve jeito não). E é sem surpresa que vemos todos
os finais de semana o paulista, num cronometrado êxodo, se
deslocar da capital para o interior formando uma curiosa avenida
na auto-estrada, atrás do colo de mãe (Câncer
na 4) que o interior ainda tem; atrás de se reciclar (Lua
na 8), atrás do céu estrelado e da lua romântica
do caipira, do cheiro do mato depois da chuva, da tranqüilidade
interiorana. Viver no interior é ter um colo de mãe
à disposição, é dar um pulo na casa
dos amigos para um cafezinho (é ali mesmo, um tirico), é
ir à missa aos domingos, as beatas, o padre que conhece a
todos (é a roupa de domingo para a missa!), os coroinhas,
a quermesse, o almoço com a família. Depois, ir comer
fruta no pé, se lambuzar de caqui, mexerica, manga e a cada
estação esperar uma fruta nova. Tomar banho de rio
ou não fazer nada. Afinal que troço é este,
sô, internet? Ter e morrer de muita preguiça, ver o
sol desaparecer numa lindeza de doer lá no horizonte, e dizer:
graças a Deus somos jecas!
Bom, acabou o dia, é meia-volta para
a cidade grande. Vida longa ao Jeca!
Vou parar com a minha viola
Já não posso mais cantar
Pois o jeca quando canta
Tem vontade de chorar
E o choro que vai caindo
Devagar vai se sumindo
Como as águas
Vão pro mar
Nota de Constelar:
O compositor e instrumentista Angelino de Oliveira
nasceu em Itaporanga, SP, em 21 de abril de 1888 e faleceu
em São Paulo em 24 de abril de 1964. Músico
autodidata, formou por volta de 1917 o Trio Viguipi, onde
tocava violino, e apresentou-se em diversas cidades paulistas.
A toada paulista Tristezas do Jeca é de 1918
e foi lançada em disco, pela Odeon, em 1923. Em 1926,
a mesma Odeon relançou a mesma toada cantada por Patrício
Teixeira, com grande sucesso. Angelino foi viver em Botucatu
e continuou compondo, ao mesmo tempo em que dirigia uma emissora
de rádio local e montava um consultório de dentista
prático. Tristezas do Jeca voltaria a ser gravada
em 1937, por Paraguaçu, tornando-se um enorme sucesso.
Pelo que pudemos apurar, o nome da original
da toada é no plural (Tristezas do Jeca).
Já o filme de Mazzaropi chama-se Tristeza do
Jeca, no singular.
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Monteiro
Lobato, Angelino de Oliveira e Mazzaropi contribuíram,
cada um a seu modo, para fixar a imagem do caipira paulista. |
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Greco.
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