Regras para eqüinizar
a astrologia
O primeiro passo é simples: seja vago. As
pessoas já têm muita dor de cabeça com as coisas
profundas que a vida eventualmente oferece, elas já têm
que suportar o Diogo Mainardi na revista VEJA, então ofereça
a elas o Tudo Que Significa Nada: primeiramente, seu discurso precisa
envolver algo que pareça grandioso, mas que em verdade seja
o máximo da indefinição. Grandiosidade indefinida
é o elemento que permite que todas as pessoas com um mínimo
de atividade neural projetem neste grande quadro branco o sonho
netuniano colorido que elas mesmas criaram. Se você oferece
uma imensa tela branca, elas poderão colorir a tela com a
cor que quiserem, e serão muito gratas por este Imenso Nada
que você lhes ofereceu. Não se esqueça de usar
palavras impressionantes, mas de significado oculto e hermético.
Sofistique ao máximo algo que seja muito simples, tudo isso
cria um poderoso verniz de profundidade. Lembre-se: a maioria dos
seres humanos sofre de neuroses profundas e são poucas as
pessoas que têm a paciência de lidar com isso terapeuticamente.
Se você conseguir criar um sistema de etapas mínimas,
algo como um receituário milagroso, parabéns, este
é seu primeiro passo. Pocotó.
Como
estamos falando de embromação pura e simples,
nada melhor do que beber diretamente da mais netuniana das fontes:
as estruturas das religiões organizadas. |
O passo - galopada, melhor dizer - seguinte envolve
sobrecarregar os sentidos alheios com o máximo de explosão
informativa. Isso perturbará o natural processo de pensamento
crítico que até mesmo o mais limitado dos seres humanos
inevitavelmente manifesta com o tempo, e ironicamente graças
ao tédio. Todo mundo se entedia de tudo, e o tédio
permite um distanciamento crítico. Porém, se você
- candidato a astrólogo pocotó - oferecer ao outro
algo muito impactante e estranho (termos complexos para coisas simples,
engenhocas esquisitas que darão à astrologia um tom
pseudocientífico ou mesmo psicológico-intelectual,
ou mesmo elementos de culturas estranhas), o risco do tédio
cairá, a mente crítica não funcionará
e o seu segundo passo estará garantido. Pocotó, pocotó.
Lembre-se que, como estamos falando de embromação
pura e simples, nada melhor do que beber diretamente da mais netuniana
das fontes: as estruturas das religiões organizadas. Sendo
assim, fale como um profeta, e não se olvide da palavra mágica,
essencial para profetas e profecias: "momento de transformação".
Se você diz para cada pessoa que ela está passando
por um momento de mudança, a massiva maioria concordará
fascinada e se jogará aos seus pés. Como foi dito
no início, as pessoas querem se apegar em algo para acreditar.
Assim sendo, o candidato a astrólogo pocotó precisa
ser mais do que vago, precisa fazer o outro sentir-se especialíssimo.
E é nesta receita infame que reside a base fundamental, a
pedra lastro da astrologia eqüina: todos somos especiais, e
todos os momentos são de mudança. Só que todo
mundo esquece isso, e por isso mesmo que o falador do óbvio
faz muito mais sucesso do que seu colega astrólogo que ousa
sair do discurso vago: o falador do óbvio diz que o azul
é azul, eximindo o outro do trabalho de até mesmo
raciocinar a cor das cores. O astrólogo transformador é
muito cansativo, chega a ser chato mesmo: ele ousará, chato
que é, afirmar que o azul é uma questão de
percepção e de que não adianta só dizer
que algo é azul. É preciso entender o por quê.
Mas são poucos os que querem enxergar por si mesmos, a maioria
prefere uma figura de guru que nos diga obviedades. Se você
aprende isso, seu galope está garantido: pocotó, pocotó,
pocotó.
E
é nesta receita infame que reside a base fundamental
da astrologia eqüina: todos somos especiais, e todos os
momentos são de mudança. |
Mas o golpe de mestre mesmo, que lhe tornará
a Grande Égua da Astrologia e lhe garantirá presença
como Autoridade Máxima em rodinhas de não-pensantes,
a ferradura de ouro advirá quando você conseguir estabelecer
a dinâmica da paranóia nós-versus-eles. Esta
é a galopada final que detona com qualquer risco de alguém
ousar pensar. Mas se você cria um inimigo você mexe
com o instinto primário humano de "desejar pertencer
a algo especial". Neste sentido, vale tudo, mas o principal
é - no que diz respeito ao meio astrológico:
1. Estabelecer a astrologia como "mais especial"
e "mais científica" e torcer o nariz para todos
os outros conhecimentos alternativos.
2. Transformar céticos (que, diga-se de passagem,
o são com grande direito, se considerarmos o que eles conhecem
como sendo astrologia) em inimigos.
3. Transformar a astrologia numa propriedade privada
de patente requerida (títulos de competência específica
e certificados de conclusão de curso que nem mesmo quem os
pede tem - haha!) e tornar os contrários a isso Representantes
do Mal.
Obedecendo a estes três requisitos, você
terá garantido o seu sucesso na sociedade ocidental moderna
fast e será considerando um verdadeiro mestre. O mecanismo
que torna um astrólogo assim famoso é o mesmo que
faz o insuportável melô da égua tocar incessantemente
no rádio da vizinha, que eu não posso desligar, detonando
meus ouvidos e paciência.
Pocotó, pocotó, minha eguinha pocotó.
Mas se capim não faz parte de seu cardápio
favorito, e se você quer mais da vida do que apenas fama e
deseja ser um artista da astrologia, respire fundo: quase ninguém
irá querer ouvir o que você tem a dizer, porque o artista
da astrologia não se limita a descrever comportamentos. O
artista da astrologia, acima de tudo, demonstra que aquele comportamento
nada mais é do que um cercadinho de segurança ao qual
nos acostumamos. Para o explosivo, é extremamente confortável
ser explosivo e esta será sua primeira reação
em 90% das vezes, e ele ficará muito feliz ao se deparar
com um astrólogo pocotó que lhe diga que o azul é
azul: "você é explosivo porque seu Marte faz quadratura
com Urano nos signos de Áries e Capricórnio".
O
astrólogo - o honesto, vale dizer - se despe das roupagens
de guru e cumpre seu papel de auxiliar. E se ele galopa não
é como égua, e sim como centauro, como o mitológico
Quíron, professor de heróis e canal de cura. |
Um artista vai além disso: ele demonstra que
existem muitos outros níveis de manifestação
para um aspecto, e que "ser explosivo" é tão
simplesmente, tão tolamente e tão limitadamente uma
forma dentro de uma grande miríade de possibilidades. O artista
astrológico mostra o prisma multicor de um arquétipo
e acelera a consciência de seu consulente, dizendo: "Vê?
Você manifesta esta qualidade, mas ela é apenas a ponta
do iceberg dentro deste vasto oceano de possibilidades que você
tem, mas não usa". A maioria das pessoas é como
um som "3 em 1" que só é usado pra tocar
fitas cassete. Ou pior: como um Pentium III que só é
utilizado para acessar a internet. O astrólogo não
deveria ser apenas um adivinho de características, mas acima
de tudo alguém que vai além do fato, desvela o arquétipo
e mostra a imensidade que é uma natureza, o quão preciosa
ela pode ser se ousar sair do mesmo padrão comportamental.
O astrólogo artista vai além de dizer que você
fala bem porque tem Mercúrio em Gêmeos em trígono
com a Lua em Aquário: ele mostra que você pode ser
mais do que apenas o mero fofoqueiro da turma. Mostra que você
pode mudar o mundo com a sua habilidade para as palavras. O astrólogo
artista, conectado com sua grande interior, chacoalha o outro de
sua inércia: "Veja! Você pode ser muito maior!".
Acima de tudo, o astrólogo artista não
se vende, pois quer mais do que um pouco de gran(m)a. Ele quer dignidade,
ter o sentimento de que ajudou alguém a sair da entorpecência
- e enfatizo aqui o verbo "ajudar", pois na prática
ninguém cura ninguém, apenas o indivíduo, se
imbuído de verdadeiro querer, pode se ajudar. O astrólogo
- o honesto, vale dizer - se despe das roupagens de guru e cumpre
seu papel de auxiliar. E se ele galopa não é como
égua, e sim como centauro, como o mitológico Quíron,
professor de heróis e canal de cura. E tal coisa envolve
muito esforço, dedicação, senso crítico
e a honestidade de colocar-se como um estudioso, e não como
um sabedor total, posto que a astrologia é mais do que um
conhecimento, é uma gnose que não se aprende em livros,
mas que se revela para aquele que compreende a vida como uma sucessão
de milagres, a vida como muito mais do que meros fatos, mas como
algo profundamente imbuído de significado.
Mas se isso aparentemente é muito trabalhoso,
não se desespere, há espaço para todos, e a
música que ainda toca repetidamente no rádio da minha
vizinha é a da tal égua. De resto, só tenho
uma coisa a dizer: desejo que as éguas nos perdoem. E a astrologia,
se for uma espécie de deusa, que faça o mesmo.
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Dodsworth.
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