Humanizando o Descobrimento
do Brasil
O que mais impressiona é que, neste ano de
comemoração dos 500 anos de Brasil, quando todo o
falatório sobre nossas origens despertou o interesse de descobrirmos
realmente quem somos, o mapa de lançamento da novela apresente
o Ascendente em conjunção quase perfeita com o Sol
do mapa do Descobrimento, em 11° de Touro. Terra Nostra
é, num certo sentido, um Descobrimento do Brasil pelos olhos
dos imigrantes, não aqueles que chegaram ao país nos
primeiros anos, no século XVI, mas os que vieram há
um século e poderiam ser nossos bisavós. Portanto,
imigrantes humanizados, com os quais podemos estabelecer uma identificação.
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Os planetas da estréia de Terra Nostra
(círculo externo) aplicados sobre o mapa do Descobrimento
do Brasil (círculo interno) mostram interessantes ativações:
o Ascendente da novela está sobre o Sol do Descobrimento,
na casa 7; os dois Saturnos estão muito próximos,
em Touro; e o mapa da novela ativa fortemente as casas 2 (valores)
e 4 (raízes emocionais, étnicas, históricas)
do mapa do Descobrimento. |
Como reconstituição histórica,
Terra Nostra não foi nenhuma "Brastemp".
Reconheça-se que houve um trabalho de pesquisa de primeira
qualidade, e que o pano de fundo histórico é verídico.
Mas não conta toda a verdade. É um retrato parcial
e um tanto cor-de-rosa da vida social e econômica do início
do século. A realidade foi muito mais dura, mais injusta,
e os Mateos e Giulianas que se espalharam por este
país não conseguiram casar com os filhos do patrão
nem contaram com a benevolência e a sensibilidade de nenhum
Francesco Magliano. Os governos da República Velha,
época retratada na novela, pautavam-se pelo princípio
de que a questão social era antes de tudo um caso de polícia.
Mas a nostalgia sempre nos leva a idealizar o passado e a transformá-lo
numa espécie de paraíso perdido. No caso de Terra
Nostra, o paraíso de um país que ainda tinha um
Saturno forte e sábio.
Não sou exatamente uma anciã, como
meus filhos me costumam classificar, mas aprendi muito sobre a vida
dos imigrantes do início do século ouvindo as histórias
que meu pai costumava contar quando eu era ainda uma menina, nos
anos cinqüenta. Meu pai era um imigrante sírio que,
como tantos de seus compatriotas, chegou ao Brasil em 1936 sem um
tostão e seguiu o trajeto típico dos filhos da terra
natal: virou mascate, depois representante de vendas e, finalmente,
conseguiu abrir sua própria loja de tecidos na área
de comércio popular do centro do Rio de Janeiro, nas imediações
da rua da Alfândega.
Lembro que, quando fiz dez anos, meu pai deu uma
festinha, a primeira de minha vida, e os comerciantes amigos dele
estavam todos lá, com suas mulheres e filhos. Enquanto os
adultos beliscavam os petiscos árabes que minha mãe
sabia fazer tão bem, eu brincava no quintal com Raquel, minha
amiguinha judia, com Rosário, filha de um português
do comércio atacadista, com Jô, a garota baiana cujo
avô, dizia meu pai, tinha um terreiro de candomblé
no Estácio... Não lembro o nome das outras crianças,
mas havia também uma garota lourinha, cujo pai falava um
espanhol ininteligível e jamais aprendeu a nossa língua.
Enfim, comemorei o aniversário no meio de uma Torre de Babel.
Meu pai era sírio, eu sou apenas uma pedagoga
brasileira com sobrenome árabe e meus filhos são brasileiros
que nem sabem direito onde fica Damasco. Bastaram duas gerações
para que ocorresse a integração total. Se vivêssemos
em outro país, provavelmente moraríamos num "bairro
típico", etnicamente segregado, e meus filhos seriam
lembrados o tempo todo de que são membros de uma comunidade
"diferente". Querendo ou não, seriam sírios,
eternamente diferenciados dos "nativos".
Pensando nisso, consigo entender melhor o mapa de
Terra Nostra e o enorme sucesso da novela. Saturno, regente
da casa 9 (o imigrante), está na casa 1, da identidade, como
a dizer que a imagem que temos de nós mesmos como brasileiros
resultou da assimilação de influências de toda
parte. Vênus, regente do Ascendente, está na casa 4
(o passado e as raízes étnicas) em quadratura com
este Saturno regente da 9, como a dizer que o processo de integração
não foi fácil, teve lá suas asperezas, mas
é um fato real. Saturno concretiza e o Ascendente
manifesta, é bom lembrarmos.
A casa 9 da estréia da novela tem também
Netuno em conjunção com a Lua no início de
Aquário, mostrando a idealização da figura
do imigrante e também a capacidade desta produção
televisiva para despertar a imaginação. A casa 9 é
a das viagens, enquanto Lua e Netuno são planetas
do inconsciente, do sonho, da fantasia. Essa conjunção
está em trígono com o Sol na 5, em Virgem, signo dos
trabalhadores e dos humildes e também signo solar do Brasil
independente. Terra Nostra foi uma das poucas novelas que
mostrou os personagens trabalhando duro, e conseguiu dar ao cotidiano
do trabalhador imigrante um sentido épico. É a cara
do Brasil de nossos avós, que acreditavam que a riqueza viria
do esforço, e não das espertezas do mercado financeiro.
E é também a cara do Brasil que queremos ter no futuro:
mais limpo, mais honesto e mais digno.
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Kamil.
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