A autora, ela própria filha de imigrantes,
traça um paralelo entre a novela Terra Nostra, recém-encerrada,
e a tentativa de resgate na cultura brasileira do princípio
do "pai sábio", simbolizado por Saturno.
A novela Terra Nostra estreou em 20 de setembro
de 1999, às 20h52, e permaneceu quase nove meses no ar, sempre
com enorme sucesso. Observando o mapa da estréia, não
fica muito claro por que o Brasil inteiro se pôs a suspirar
diante dos amores complicados de Mateo e Giuliana.
O Ascendente é Touro e seu regente, Vênus, está
na casa 4 recebendo uma feia quadratura de Saturno na casa 1. Para
complicar, este Saturno está retrógrado e também
faz quadratura com Urano retrógrado no Meio Céu. O
outro aspecto difícil é Júpiter na 12 em quadratura
com Lua e Netuno. E vale dizer Júpiter e Netuno também
estão retrógrados. Na minha apressada Astrologia de
ariana, a primeira reação, ao ver um mapa desses,
seria dizer: "Isso não vai dar certo." Novela das
oito é, antes de tudo, entretenimento. Deve servir para divertir
e alienar, não para tratar de sisudos assuntos saturninos.
Aliás, chamar Saturno de sisudo é cometer um pleonasmo.
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Estréia da novela Terra Nostra - 20.9.1999
- 20h52 - Rio de Janeiro, RJ - 22s54, 43w15 |
Foi preciso ver a novela e ouvir os comentários
das ruas para começar a entender por que Terra Nostra
foi um dos maiores achados da teledramaturgia brasileira. Aparentemente,
os personagens principais são o par romântico Mateo
(Tiago Lacerda) e Giuliana (Ana Paula Arosio), mas é
só aparência mesmo. Os grandes personagens, definidos
com uma densidade que os faz parecer realmente humanos, são
aqueles que já atingiram a maturidade, como o fazendeiro
Gumercindo (Antonio Fagundes) e o banqueiro Francesco
(Raul Cortez). Foi em torno deles que giraram as tramas mais interessantes
da novela, e quando o autor cometeu a audácia de colocar
na mesma cama a jovem Paola (Maria Fernanda Cândido)
e o sexagenário Francesco, o público aplaudiu e exigiu
um final feliz. O que estará acontecendo? Teria chegado ao
fim a era do culto à juventude e dos corpos "sarados"?
Não. A causa é mais profunda.
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A jovem e (positivamente) ambiciosa Paola
e o sexagenário e bem-sucedido Francesco corporificaram
um dos sentidos da quadratura Vênus-Saturno do mapa da
estréia da novela (identificação entre
afeto e segurança, que pode levar à busca de parceiros
mais velhos). |
Vivemos uma época carente de referências
éticas, onde as leis existem mas não há quem
as faça cumprir. Parece que nós, brasileiros, que
já temos um Júpiter meio torto, perdemos também
nosso Saturno coletivo, o princípio da ordem, da autoridade,
o senso de limite. Não falo da ordem repressiva nem da autoridade
truculenta, que são Saturno no que este planeta tem de pior.
Refiro-me ao Saturno sábio, o que impõe-se com rigor
mas sem perder a noção de equidade (e é por
isso que ele se exalta em Libra). Numa época como a atual,
em que perdemos a confiança nas figuras que deveriam encarnar
o arquétipo saturnino do administrador público reto
e honesto, é compreensível que se busque na ficção
o que a realidade não nos oferece. Gumercindo e Francesco
são personagens saturninos, sendo Francesco mais Saturno-Júpiter,
um tipo esclarecido e generoso, enquanto Gumercindo é mais
Saturno-Lua, ou Saturno-Vênus, o pai "cascudo" por
fora mas interiormente sensível, que sabe cuidar dos seus
e protegê-los.
Ambos são pais, e pais assumidos, o que talvez
seja indício de uma carência que sentimos hoje num
nível simbólico e arquetípico. O Brasil anda
meio órfão, e os que deveriam zelar pelo nosso futuro
parecem mais interessados em vender o patrimônio nacional
a quem pague melhor por ele. Simbolicamente, é como se nossos
pais nos rejeitassem e nos mandassem para o orfanato. Não
é à toa que a história se passa em São
Paulo, a mesma São Paulo que se sente traída e escandalizada
com os desmandos da administração municipal que vieram
à tona nesses últimos meses. [*]
[*] Vale lembrar que este artigo
foi publicado na Constelar de fevereiro de 2000. Os desmandos
a que a autora se refere são os do ex-prefeito Celso Pitta.
O escândalo da prefeitura de São Paulo veio à
tona paralelamente à exibição da novela.
Humanizando o Descobrimento
do Brasil
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