Um
olhar brasileiro em Astrologia
Edição 162 :: Dezembro/2011 :: - |
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ASTROLOGIA E CINEMANetuno e Woody Allen em Paris
Meia-noite em Paris, o mais recente filme de Woody Allen, é uma deliciosa narrativa sobre como equilibrar Netuno e Saturno, vivendo a fantasia sem tirar os pés do chão. O clima netuniano já começa no cartaz do filme, Ao observar os produtos de arte da cultura, não é difícil nos depararmos com expressões que nos lembrem os símbolos astrológicos, em especial, os signos e os planetas. Recentemente o filme Meia-Noite em Paris de Woody Allen levantou em mim uma dessas hipóteses em relação a Netuno. Sob o impacto da beleza do filme, pus-me a caminho. Fui primeiramente à teoria astrológica e depois aos aspectos do filme, mais especificamente os elementos da narrativa e a construção da personagem central. Ao final, voltei aos aspectos astrológicos e provei a mim mesma - mais uma vez - que Woody Allen fazendo (bom) cinema fala da natureza humana e da astrologia. O pensamento astrológico assim se faz presente em nossa cultura. São muitas as possibilidades de significação do planeta Netuno. Em geral, na teoria ele é apresentado como o que rege a compaixão e o sacrifício, o engano, a camuflagem e a perversão, a transcendência da realidade, o misticismo, a inspiração e a decepção. Nas manifestações da cultura talvez não seja possível encontrarmos todas essas significações em um só objeto. Há uma defasagem natural entre o que dizem as teorias e a observação prática dessas significações astrológicas nos produtos realizados. No filme que nos interessa, podemos observar um viés netuniano, ou seja, apenas algumas dessas significações. Feita essa ressalva inicial, analisaremos primeiramente como o elemento Água pode nos ajudar a entender o planeta Netuno em alguns de seus significados. Depois, passaremos para a compreensão de sua manifestação na produção do cinema. O mundo líquidoFalando de Netuno, é difícil não recordarmos da figura mitológica com o tridente a reinar sobre a imensidão do mar. Tal imagem nos remete também ao elemento Água, que é formado pelas qualidades elementares do úmido (ligação) e do frio (retenção). Esse elemento representa para André Barbault “o estado líquido de plasticidade, de afrouxamento da matéria, toda feita de receptividade, movendo-se conforme as impressões recebidas.” [1] A partir daí, ainda tomando palavras do estudioso francês, podemos levantar alguns dos princípios gerais que se vinculam com as características da Água e de Netuno: extensibilidade, arquétipo da dissolução, dilatação, indiferenciação, permeabilidade ao meio, identificação, comunhão. [2] A plasticidade e receptividade da Água lidam com os limites da matéria de forma especial, deixando-os pouco claros. A realidade, representada segundo tais características, tem seus limites esgarçáveis, elásticos, maleáveis. Ela se faz plástica. As percepções pessoais a partir desse componente são marcadas por uma recepção particular e subjetiva, portanto. O ser humano pode transitar na realidade de forma flexível, passando por suas coordenadas de forma a transgredir suas limitações. A permeabilidade abre comportas. Possibilidades são criadas. E para realizá-las vão acontecer aspectos dos quais não temos controle. Entregar-se pode ser uma chave. Vejamos como esses parâmetros diáfanos podem ser encontrados no filme em questão. [3] Parâmetros líquidos no mundo de Woody AllenUma seqüência de imagens da cidade inicia o filme Meia-noite em Paris. Esse elogio á cidade parece apenas uma comemoração à beleza urbana de Paris, mas, através dele, vivemos um tipo de seqüestro para fora do nosso mundo real. Sem resistência, entramos na fantasia romântica construída pelo diretor. Esqueça o Woody Allen de Match Point ou de outros filmes em que a vida nos parece tal como é, com contornos de crueza em relação a aspectos da natureza humana, que poderíamos identificar ao conhecido pessimismo de seu diretor. Nesse filme ele não deixa de lado tais aspectos, mas eles são tocados com doçura. Ele nos fala deles quase desculpando-nos e a si mesmo pelas fraquezas. Apontando a possibilidade da imaginação a nos redimir. E essa é minha hipótese para elaborar a questão netuniana nesse filme. Owen Wilson (uma espécie de alter ego do Woody Allen) faz Gil, que é um roteirista de Hollywood desejoso de se tornar um escritor, próximo de se casar com Inez (Rachel McAdams). Eles estão em Paris, em companhia dos pais da noiva. Enquanto Gil confessa a todo instante seu amor pela cidade, Inez se diverte. Junto a um casal de amigos, passam por passeios turísticos, compras, vinhos. Nessa viagem pela cultura francesa cabe até um rápido comentário político sobre a questão Iraque, em que a França foi contra a invasão norte-americana. Ela escolhe uma requintada decoração para sua hipotética casa, ainda a ser montada. Enquanto isso, ele sonha com um sótão em Paris, com clarabóia, e procura terminar de escrever um romance em que a personagem principal tem uma loja de coisas antigas. De início, essas diferenças parecem não pesar, e ele se deixa levar pela noiva. Mas, uma noite, quando está sozinho e perdido pelas ruas de Paris, ele encontra a passagem para a época em que mora seu desejo. A música pára. O relógio dá doze badaladas. E em momento intervalar, a narrativa abre espaço para o imponderável. Um carro dos anos vinte passa e seus ocupantes convidam Gil para rodar “porque Paris é uma festa”. O casal de escritores Zelda e Scott Fitzgerald no filme Meia-noite em Paris. Assim, ele entra no mundo da fantasia, em que se recria o cenário que ele tem dentro de si, a época dos anos 20, em que o charme das melindrosas combinava com o jazz americano e em que a cidade acolhia personagens da arte e da literatura. E tais personagens, então, vão desfilando pouco a pouco, em muitas conversas e situações noturnas de festa e de convívio. Zelda e Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Cole Porter, Pablo Picasso, Buñuel, Gertrude Stein desfilam diante de nós mostrando o que já sabemos de suas obras, mas que naquele momento apenas se pode supor. Gil, a princípio, ao entrar no mundo do século XIX, fica anestesiado e um tanto abobalhado. Mas, logo sente-se à vontade nas situações em que ele se depara com todo o glamour e paixões dessas figuras. Daí em diante, ele se divide entre o dia (com a noiva) e a noite (onde ele partilha sua vocação de escritor) sem questionamentos de qualquer espécie. Adriana, amante de Braque, Picasso e Modigliani, acaba sendo eleita a interlocutora de suas fantasias, enquadrando-se em seu mundo imaginado. O fato de ela ter gostado do início de seu romance é a senha que faltava. Um namoro vai se costurando, embora Adriana e a vida real de Gil não combinem muito bem. Até que se quebra o encanto dessa história de amor, quando um passeio os leva à Belle Époque do cancan, do final do século XIX. Lautrec, Degas e Gauguin surgem e também se mostram insatisfeitos com o tempo em que vivem. Como se explica que, para essas figuras do século XIX, a Idade de Ouro tenha sido o Renascimento? Para desconsolo e frustração de Gil, sua amada Adriana o abandona. Sem reflexão sobre tais desencontros de épocas e gerações, Adriana não titubeia: “Sou emocional e vou ficar.” Segundo Adriana, o final do XIX é a melhor época. Ou seja, o presente é aborrecido e monótono. A vida real é insatisfatória. Há um vão que separa Gil e Adriana, de seus tempos presentes. Nele, nos situamos. Nós e os pais da noiva. Por esse vão, observamos as defasagens e os disparates. O que separa Gil de sua realidade? Os desejos de sua alma, entre os quais está, principalmente, o de ser escritor. Esse é o foco de sua busca. VIVenDO SONHO e reaLIDADE São muitos os limites entre aquilo que desejamos e as possibilidades de sua realização. O embate com essa limitação pode ser duro dependendo do objeto de nosso desejo e requer bom senso e análise lógica de nossa parte. Muitas vezes, há frustração e desgaste na experiência real, quando, então, a imaginação e o idealismo podem completar o espaço do desejo, criando um mundo de sonho. Na verdade, ele se entrega às experiências surpreendentes e vive o tempo de sua vida real. Divide-se sem crise que o devore. Navega e se equilibra de acordo com as marés sem perder seu horizonte. Ernest Hemingway, em versão Woody Allen, é mais um dos personagens de outra época que marcam presença no filme. Por fim, assiste à vida respondendo a suas expectativas. O romance que ele escreve recebe a leitura crítica apropriada de Gertrude Stein, com consequente aprovação. Sua difícil relação com a noiva se resolve sem que ele tenha que tomar nenhuma atitude e decide ficar em Paris. A ligação possível com a moça da loja de antiguidades da feira por ele visitada é promessa feliz, que completa em uma cena final o que, como espectadores, também acabamos por desejar. A chuva em Paris naquele momento nos faz reviver uma das cenas iniciais e sentir que a narrativa fechou um ciclo perfeito. Sem arestas, sem clima de dissabor, Gil volta ao contexto de sua realidade escapando da frustração ou do perigo de se fixar no delírio. A imaginação compensou e fecundou sua realidade. O foco e força de seu objetivo aliados à criação de sua imaginação geraram soluções felizes. Um verdadeiro happy end. Mas, talvez haja uma explicação astrológica para essa resolução. Com os pés na terraGil é um profissional competente como roteirista. Seu desejo de mudança refere-se mais a um chamado de vocação do que a um fracasso. Sua capacidade profissional mostra uma boa ligação com as condições materiais do mundo, o que significa uma adequada relação com Saturno. Gil está suficientemente enraizado no seu mundo material e tem talento e condições de repetir em Paris o que já conquistou em sua terra natal, ainda que em outra área. Equilíbrio entre Netuno e Saturno, eis a fórmula que Gil incorpora e que o livra dos perigos de uma manifestação netuniana negativa. Segundo Stephen Arroyo, a expressão positiva de Netuno exige a compreensão de que “nenhuma satisfação ou libertação virá da nossa busca constante do ideal por que ansiamos no mundo exterior, que elas só poderão surgir quando aceitarmos a responsabilidade (Saturno) de construir o ideal das nossas vidas através da nossa criatividade e da nossa devoção.” [4] De criatividade e devoção, de compromisso e talento, Gil tem o suficiente. Arroyo ainda diz: “Devemos estar enraizados na realidade saturnina para avaliar e utilizar completamente o aspecto aprofundador da dimensão de vida de Neptuno.” [5] Apesar da aparente falta de jeito e ingenuidade, Gil coloca a atenção em tudo e não se desliga do foco. E ele se deixar ir. Observa sem se rebelar, fazendo-se servilmente uma peça de um jogo de que não tem controle. Netuniamente entrega-se a certa ordem. Assim, vê a vida cedendo a seus desejos, com seus problemas resolvidos. Woody Allen, como podemos observar, manifesta alguns dos princípios netunianos neste filme. Elabora a narrativa a partir da plasticidade e do afrouxamento cronológico do tempo, o que propicia o exercício da imaginação a se realizar na realidade material. Por sua vez, sua personagem se caracteriza por um comportamento compassivo e sem resistência, que nos lembram a permeabilidade ao meio, a identificação e a comunhão, retomando a terminologia de Barbault. Eis a fórmula do diretor: a imaginação como inspiradora de mudanças e a entrega pessoal como estratégia para lidar com as experiências de vida. Tudo sob os auspícios de um Netuno docemente feliz. Não estamos acostumados a finais felizes na filmografia de nosso diretor. Nesta história, o amor acontece, o protagonista se safa dos problemas em direção a seus projetos de alma. Talvez, assim, Woody Allen nos livre das imperfeições da natureza humana e dos paradoxos da existência. Assim ele reconstrói a esperança e nos salva de nossas fraquezas e do incontornável da vida. [1] Barbault, André - Tratado Prático de Astrologia. Rio de Janeiro: Espaço do Céu, 2004. p.79. BIBLIOGRAFIA ARROYO, Stephen. Astrologia, karma e transformação. 3ª. ed. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d. Outros artigos de Ana Maria González. |
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